Sem integridade não pode haver beleza

 

 Paulo Martosbruxelas

 

 

Sem integridade não pode haver beleza. A estátua de Moisés esculpida por Michelangelo é considerada uma obra-prima. Suponhamos que um indivíduo malévolo conseguisse amputar um dos braços da mesma. A escultura perderia sua integridade e, portanto, ficaria carente de beleza.

1.1 Unidade na variedade

Bruyne (1947, p. 80) assim sintetiza as teorias de São Boaventura e Santo Alberto Magno, a respeito da estética metafísica:

Admitindo-se que o próprio espírito é belo, deve-se construir uma definição de pulchrum abarcando os seres espirituais e os materiais. Assim, duas reduções desde logo se impõem: a da cor à luz espiritual, ou seja, ao resplendor metafísico da forma; a da proporção quantitativa à ordem como tal, isto é, à unidade na multiplicidade.

Para os medievais, explica Bruyne (1947, p. 250-251), a lei estética fundamental é a unidade na variedade. A multiplicidade superabundante que se observa nas artes — por exemplo, na catedral gótica, na canção de gesta — não faz senão reproduzir as inumeráveis variedades do universo físico.

A palavra ‘universo’ provém do latim ‘universus’ (unum y versus), significando que todas as coisas convergen para o uno. Ou seja, o universo é belo, pois nele se realiza a unidade na variedade.

A unidade na variedade se observava de modo excelente na Cristandade: as nações cristãs apresentavam uma rica diversidade de idiomas, trajes, canções, costumes, modos de ser, etc., constituindo um todo guiado, instruído e governado pela Igreja Católica (cf. DANIEL-ROPS, 1993, v. 3, p. 41).

1.2 Princípio da totalidade

Santo Agostinho, quando jovem, escreveu a obra De pulchro et aptoSobre o belo e o conveniente, na qual fez referência ao princípio da totalidade. Mesmo nos corpos, individualmente considerados, há uma beleza em sentido absoluto e que se ama por ela mesma. Existe também a beleza do conjunto em que cada coisa é adaptada ao todo e apreciada em função da forma global.

O princípio da totalidade é aplicado por todos os autores medievais, quando intentam definir a beleza de um conjunto. Escreve Guilherme d’Auvergne: Imaginai uma cor ou uma forma belas em si mesmas; se mancharem um conjunto, porque não convém que estejam ali, elas próprias e a forma inteira aparecerão como feias. O vermelho é belo em si, mas não na parte do olho que deve ser branca; o olho é pulcro em si mesmo, porém não no lugar que convém à orelha (cf. BRUYNE, 1947, p. 127).

1.3 O mal, o erro e a feiura

Se todos os seres são belos, como explicar que haja no mundo a feiura? Pergunta semelhante pode ser feita quanto ao mal e ao erro, pois todas as criaturas são boas e verdadeiras. Assim, analisemos conjuntamente as questões do errado, do mau e do feio.

Quanto ao problema do mal, São Tomás na “Suma contra os gentios” (AQUINO, 1953, v. 2, p. 96) afirma:

O mal não é senão privação do que um ser tem e deve ter por natureza; pois este é o sentido com que todos usam a palavra mal. Ora, a privação não é uma essência, mas negação na substância. Logo, o mal não é nenhuma essência na realidade.

Raciocínio análogo pode ser feito em relação ao erro e à feiura: são privações da verdade e da beleza.

Ulrico de Strasbourg escreveu um tratado intitulado De Pulchro, no qual declara: “A feiura é uma ausência de beleza […] A feiura e o mal resultam da privação” (apud BRUYNE, 1959, v. 3, p. 264 e 287).

A sentença: “Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defecto O bem provém de uma íntegra causa, o mal de qualquer defeito” pode, com as devidas alterações, ser aplicada à verdade e à beleza. Estas derivam de una íntegra causa, enquanto que o erro e a fealdade, de qualquer defeito.

É preciso considerar o universo como um todo. O cosmos, ou seja, o conjunto ordenado de seres é bom, verdadeiro e belo. Ensina Santo Agostinho: O mundo é um maravilhoso quadro onde inumeráveis matizes são harmoniosamente traçados; os sombreados postos em lugar apropriado realçam o esplendor das cores brilhantes. Esta é a imagem do universo, onde as faltas morais realçam os atos virtuosos e os monstros servem para destacar a beleza (cf. BRUYNE, 1947, p. 128).

O problema da fealdade foi explicado, entre outros, pelo Doutor Irrefragável, Alexandre de Hales (1185-1245), teólogo franciscano inglês que ensinou Filosofia e Teologia em Paris e fundou a escola franciscana (cf. Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998, v. 1, p. 184). Em sua “Suma”, na qual consagra um capítulo à beleza do mundo, escreve:

O universo é belo porque leva em si o rastro da beleza divina […] É perfeito em seu gênero, porque nada lhe falta de quanto lhe é essencial. Constitui um grande Todo e, por consequência, exige ser considerado antes de tudo em seu conjunto “secundum formam Totius”. Quando se o recorre em suas diversas partes é preciso referir cada detalhe à estrutura geral: o que parece feio, ao ser visto isolado do conjunto, surge belo no Todo (apud BRUYNE, 1959, v. 3, p. 119).

E, fundamentando-se em Santo Agostinho, assevera o mestre franciscano: as coisas deformadas e feias são necessárias à ordem universal, pois Deus fez tudo com número, peso e medida (cf. BRUYNE, 1959, v. 3, p. 120).

Afirma o Doutor da Igreja São João Damasceno que a beleza das estrelas se torna ressaltada, quanto mais escura é a noite (apud BRUYNE, 1959, p. 143).

1.4 O sofrimento pode ter sublime grandeza

A perfeita saúde física e mental de um indivíduo supõe que haja harmonia em seu corpo e sua alma. Ora, a dor é causada por alguma desarmonia na pessoa humana. Além disso, devemos considerar que o sofrimento entrou no mundo devido ao pecado original, em virtude do qual Adão perdeu o dom de integridade. Assim, a dor, sendo consequência da desarmonia e da falta de integridade, não tem nenhuma beleza.

Entretanto, é preciso analisar esse tema à luz da visão de conjunto, conforme esclarece Bruyne (1947, p.132):

Na perspectiva do Todo imenso e eterno — ou seja, Deus —, a própria dor adquire uma sublime grandeza, quer porque provoca a beleza moral infinitamente superior à beleza física, quer porque intensifica, por contraste, os matizes e as profundidades da alegria.

De fato, se uma pessoa sofre com resignação, serenidade e, sobretudo, por amor a Deus, sua dor adquire uma pulcritude particular. Compreende-se, assim, como a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo tem uma Beleza de infinitas proporções.

in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 10, Jan-Mar 2010. p. 45-47.

A cosmovisão cristã medieval

catedral-de-strasbourgVinícius Sabino Gomes

“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados”.[1] Na Encíclica Immortale Dei, o Papa Leão XIII ensina que houve uma Civilização Cristã cuja concreta expressão histórica se deu na Cristandade Medieval, e demonstra de modo muito apropriado a influência que a Igreja exerceu sobre a Idade Média. Pois o espírito cristão penetrou no próprio âmago da sociedade de então, produzindo uma “cosmovisão cristã”.* Impelida pela ação evangelizadora da Igreja, a sociedade medieval foi tomando um tônus profundamente cristão.[2] Isso transpareceu em todas as suas camadas sociais, desde os mais ricos e poderosos até os mais pobres e humildes; todas as atividades humanas estavam pervadidas pelo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, de forma a resultar na Cristandade Medieval. “Todos os batizados constituem já sobre a Terra uma entidade viva, fraternal, harmonizada pelos mesmos princípios e unida no mesmo esforço. E essa entidade tem desde então um nome que a designa: chama-se a Cristandade”.[3]

Um dos maiores contributos dessa civilização para o mundo foram as Universidades, grandes centros de ensino superior, onde, à sombra da filosofia escolástica, e superintendidas por ela, progrediam todas as ciências. Ora, quando Étienne Gilson foi convidado para o desafio de definir o espírito da filosofia medieval, constatou um mesmo espírito criador das catedrais góticas e da filosofia de seu tempo, a escolástica:

O espírito da filosofia medieval, tal como entendemos aqui, é portanto o espírito cristão, que penetra a tradição grega, trabalhando-a por dentro e fazendo-a produzir uma visão do mundo, uma Weltanschauung* especificamente cristã. Foram necessários os templos gregos e as basílicas romanas para que houvesse catedrais [góticas]; no entanto, qualquer que seja a dívida dos nossos arquitetos medievais para com seus predecessores, eles se distinguem destes, e o espírito novo que lhes possibilitou criar talvez seja o mesmo que aquele em que se inspiraram, com eles, os filósofos [escolásticos] do seu tempo.[4]

É, portanto, a ideia de uma cosmovisão cristã que explica a unidade de espírito que caracterizou a civilização medieval, e daí a razão de existir uma íntima relação entre a escolástica e as catedrais góticas. Pois se a plena aceitação da concepção católica da vida gerou, não somente um autêntico e inconfundível estilo de vida, mas também uma filosofia e um estilo arquitetônico próprio, é compreensível que tenha havido uma relação entre ambos, o que, aliás, é tomado com naturalidade por inúmeros estudiosos, como se percebe neste trecho de Maria Gozzoli:

Os ensinamentos de uma filosofia ― a escolástica ― que enquadrava harmoniosamente todo o saber do tempo e afirmava a possibilidade de ascender a Deus não só pela fé, como pela razão. Chegava-se a Deus por um esforço do pensamento, complexo mas requintado, rigidamente formal mas rico de subtilezas. Esses mesmos conceitos que, em arquitetura, inspiraram as catedrais góticas, a sua ascensão para Deus, através de construções complexas mas requintadas, formalmente rigorosas, mas de igual modo ricas de pormenores. A enfática verticalidade de tais edificações revela plenamente as transformações do gosto, do pensamento filosófico, dos ideais estéticos, traduzidas, no plano arquitetônico, por uma renovação das técnicas mediante a introdução de uma série de elementos originais típicos do estilo gótico: a abóbada sustentada por uma cruzaria ogival, a utilização do arco quebrado em vez do arco de volta perfeita (ou de volta inteira, arco românico), o emprego do arcobotante e dos contrafortes.[5]

Deste modo, pode-se afirmar que o pensamento escolástico se vê perfeitamente expresso na arquitetura das catedrais góticas.

in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 10, Jan-Mar 2010. p. 86-87.


[1] LEÃO XIII. Encíclica Immortale Dei. 1 de Novembro de 1885. [Em linha]. <Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/ documents /hf_l-xiii_enc_01111885_immortale-dei_po.html> Acesso: 10 Out. 2008.

* Por cosmovisão cristã entende-se a visão do universo do homem medieval, que consistia na continuidade de uma mentalidade cristã, de uma sabedoria cristã e da fé cristã, que foi se configurando lenta mas vigorosamente com o desenvolvimento que a Igreja Católica teve, desde de seus primórdios no caos da era bárbara, até atingir o seu auge na Alta Idade Média.

[2] ROPS, Op. cit., p. 42.

[3] Ibidem, p. 43.

* Weltanschauung é uma palavra de origem alemã que significa literalmente visão do mundo ou cosmovisão. Ela é adotada regularmente em diversas línguas com este significado. Pode ser usada para descrever a maneira como uma pessoa vê o mundo, a imagem que ela faz da vida e dos homens.

[4] GILSON, Étienne. O espírito da filosofia medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 2.

[5] GOZZOLI, Maria. Como reconhecer a arte gótica. Lisboa: 70, 1978. p. 8-9.

Sucessão e Sacramentalidade do Munus Apostólicum

jesus-e-apostolos1Pe. Juan Carlos Casté, EP

A instituição do Colégio Apostólico

O Senhor, depois de ter rezado ao Pai, constituiu Doze apóstolos para enviá-los a pregar o Reino de Deus.[i] O número dos Doze recorda as doze tribos de Israel; de um lado expressa a edificação do novo Israel, nascido do “resto” do antigo, mas por outro lado, é intenção de Nosso Senhor romper com a casta sacerdotal limitada a uma tribo.

O próprio ato de eleição comporta já uma participação dos apóstolos à consagração e missão de Jesus, porque os escolhe para enviá-los a pregar, portanto, fá-los partícipes da Sua consagração e da Sua missão, realizando-se isto em diversos momentos e coincidindo com a instituição do sacramento da ordem, observável em diversas ocasiões nas quais recebem de Jesus a chamada, a potestade e a missão, completada no Pentecostes.

O magistério une a instituição da ordem à Eucaristia. João Paulo II, por exemplo, reafirmou a doutrina tridentina da união da ordem com a Eucaristia. Depois da Ressurreição, o Senhor faz dos apóstolos os continuadores da Sua missão e lhes dá o poder de perdoar os pecados.[ii] Essa missão dos apóstolos deriva da consagração recebida. Não é própria, em duplo sentido: é uma iniciativa de Outro e a sua capacidade para desenvolvê-la é participada.

Nessa missão os apóstolos foram confirmados no dia de Pentecostes. Ao descer o Espírito Santo, realizou-se o cumprimento da promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo e se completa a instituição da ordem sagrada enquanto dá aos apóstolos a graça necessária para cumprir a Sua missão exercitando a potestas sacra. Os apóstolos receberam, deste modo, a qualificação que permanecerá nos detentores do sacerdócio ministerial: uma capacidade ontológica e um “impulso interior” — o dom de Pentecostes contém também aquilo que posteriormente se chamará “graça sacramental específica” da ordem.[iii] Se a missio Ecclesiae é sempre reconduzível à missão invisível do Filho e do Espírito Santo, a missio apostólica deverá ter a sua origem não só em Cristo, como também no Espírito Santo.

O grupo dos Doze reunido no Cenáculo, como gérmen da Igreja, tinha já sido enviado pelo Senhor aos filhos de Israel, e depois a todas as gentes, a fim de que, participando da sua potestade, os convertessem em discípulos, os santificassem e os governassem, porém, foram confirmados nessa missão no Pentecostes. Foram impulsionados à missão e a predicar audazmente o Evangelho. Esse dom do Espírito Santo, o mesmo Espírito de Cristo, desceu sobre eles para que O comuniquem a todos os homens.

A posição dos Doze, ademais de serem embaixadores e ministros de Cristo, situa-os também à cabeça da comunidade cristã. Eles estão conscientes de estar investidos de autoridade, executando-a inclusive com veemência.[iv] Escolhidos juntos, a sua união fraterna estará a serviço da comunidade. Sua autoridade não é de domínio, mas exercitada “para edificar e não para destruir”.[v]

A Sucessão Apostólica

Os apóstolos, ademais de serem fundamento da Igreja, foram também a origem da sagrada hierarquia. O ministério sacerdotal tem, então, como segundo fundamento — depois do cristológico, o sacerdócio de Cristo — a sucessão apostólica que é a continuidade no tempo do ministério apostólico, indispensável para a vida da Igreja. A sucessão apostólica é o aspecto da natureza e da vida da Igreja que revela a dependência atual da comunidade em relação a Cristo, através dos Seus enviados.

A missão divina, confiada por Cristo aos apóstolos, deverá durar até o fim dos tempos e por isso os apóstolos, nessa sociedade hierarquicamente estruturada, tiveram a preocupação de escolher sucessores.[vi] Se bem que a morte do último apóstolo acaba o apostolado dos Doze, o seu ministério não termina, continua através dos séculos na sucessão apostólica: os poderes e a missão dos Doze foram recebidos pelos seus sucessores, os bispos, e de um modo subordinado pelos presbíteros.

Da revelação neo-testamentária aprendemos que na vida dos apóstolos existiam já colaboradores que desempenhavam o encargo de completar e consolidar a obra já iniciada.[vii] Nesses colaboradores já se destilava, por assim dizer, os bispos sucessores dos apóstolos, sendo que esses “bispos” se distinguiam dos outros cristãos. Era a sucessão apostólica. Estes primeiros sucessores possuem o munus apostolicum “per successionem ab initio decurrente” e este é o critério que individualiza, inequivocamente, aqueles que possuem realmente as marcas da semente apostólica.

São Clemente, terceiro sucessor de Pedro, afirmava que “os Doze tiveram a preocupação de se constituírem sucessores para que a missão que lhes foi confiada continuasse depois da sua morte”.[viii] Assim sendo, os apóstolos, em obediência à vontade do Senhor, instituíram os ministérios que tinham a missão de continuar a obra iniciada por eles, e deram aos seus sucessores a ordem de confiar esse ministério a outros, a fim de continuar a sucessiva geração de cristãos.

Os ministérios desenrolam-se já no período apostólico e imediatamente pós apostólico. Apenas nos bispos, com a ajuda dos presbíteros e dos diáconos, se encontram, através da sucessão apostólica, a marcas autênticas da semente apostólica. Estes foram considerados os pastores que dirigiram a comunidade cristã em nome de Deus. Cumpre aqui acrescentar que apenas os bispos são os sucessores dos apóstolos.

A sucessão apostólica é, segundo a sua essência, a presença viva da palavra em forma pessoal de testemunho, de modo que o “Evangelho a transmitir” seja de verdade “para a Igreja o princípio de sua vida em todo o tempo”.[ix]

O ministério dos bispos se configura, assim, como a visibilidade do “episcopado” de Cristo, e aqui se encontra a base da veneração que a Igreja confere aos seus pastores, pois essa participação torna Cristo presente na Sua pessoa e no Seu atuar.

A sucessão apostólica é chamada fundamento do ministério, no sentido em que consiste principalmente no fato de ser próprio ao munus apostólicum ser transmitido, o múnus desses homens aos quais Jesus prometeu: “Eu estarei sempre convosco até o fim dos tempos”.[x] A sucessão apostólica também determina a modalidade dessa transmissão enquanto ao rito, e garante o reconhecimento aos homens, de quem são aqueles que receberam verdadeiramente a ordem. A missão recebida por Cristo do Pai é transmitida aos apóstolos, e, destes aos bispos e aos presbíteros. Como disse Bento XVI numa das suas catequeses:
Não podemos ter Jesus sem a realidade que ele criou e na qual se comunica. Entre o Filho de Deus feito homem e a Sua Igreja existe uma profunda, inseparável e misteriosa continuidade, em virtude da qual Cristo está presente hoje no Seu povo. Ele é sempre nosso contemporâneo, é sempre contemporâneo na Igreja construída sobre o fundamento dos apóstolos, está vivo na sucessão dos Apóstolos.[xi]

Uma vez finalizada a era sub-apostólica, coloca-se a pergunta de como seria possível conferir a sacra potestas aos seus sucessores, já que não se pode recorrer de maneira direta à pessoa visível de Cristo. Esta deve ser…
[…] considerada como um dos dons hierárquicos (cf. Lumen gentium, 4) derramado sobre a Igreja pelo Seu Fundador divino e, desta forma, como um elemento constitutivo da Tradição sagrada que contém tudo aquilo que os Apóstolos legaram como instrumento de preservação e de promoção da santidade e da fé do Povo de Deus (cf. Dei Verbum, 8). A história demonstra amplamente que o exercício firme e sábio dessa autoridade apostólica, de modo particular nos momentos de crise, tem tornado a Igreja capaz de preservar a sua integridade, independência e fidelidade ao Evangelho, diante das ameaças que provêm tanto de dentro como de fora.[xii]

As funções desempenhadas pelos portadores da sucessão apostólica revelam que nos bispos, assistidos pelos presbíteros, está presente no meio dos crentes o Senhor Jesus.
Por meio do seu exímio ministério, prega a todas as gentes a Palavra de Deus, administra continuamente aos crentes o sacramento da fé, incorpora por celeste regeneração e graça à sua ação paternal (cf. 1 Cor 4, 15) novos membros ao Seu corpo, e, finalmente, com sabedoria e prudência, dirige e orienta o Povo do Novo Testamento na peregrinação para a eterna felicidade.[xiii]

No texto conciliar acentua-se o fato de que é o próprio Cristo que está presente no meio dos fiéis a predicar, incorporar e dirigir. Essa presença ativa de Cristo nos bispos exige um vínculo ontológico entre Cristo e os bispos. E isso leva a que eles sejam sacramento de Cristo no sentido em que eles possuem, desenvolvem a função de Cristo, mestre, sacerdote e pastor, em virtude da realidade interior que os assemelham a Cristo, com a intensidade de que é capaz uma criatura. Trata-se, então, de uma presença totalmente distinta daquela que existe em qualquer cristão.
O bispo é enviado, em nome de Cristo, como pastor para cuidar duma determinada porção do Povo de Deus. Por meio do Evangelho e da Eucaristia, deve fazê-la crescer como realidade de comunhão no Espírito Santo. Disso deriva para o bispo a representação e o governo da Igreja que lhe foi confiada — com o poder necessário para exercer o ministério pastoral recebido sacramentalmente (munus pastorale) — como participação da própria consagração e missão de Cristo.[xiv]

Dessa maneira, chegamos à sacramentalidade da ordem. Isso pede uma especial efusão das graças do Espírito Santo e se transmite com a imposição das mãos. Esse dom foi transmitido pelos apóstolos aos seus sucessores e assim sucessivamente. Essa transmissão deve se realizar por via sacramental. Com a consagração episcopal, confere-se a plenitude da ordem sacerdotal, a qual é chamada pela voz dos santos e dos Padres da Igreja: sumo sacerdócio. Essa consagração confere o múnus de santificar, ensinar e governar os fiéis.[xv]

É no concílio Vaticano II que pela primeira vez se afirma a sacramentalidade da ordenação episcopal enquanto plenitude do sacramento da Ordem.[xvi] Essa natureza sacramental quer dizer que o rito da imposição das mãos é um verdadeiro e próprio sacramento da Nova Lei.                                                                    


[i] Mc 3, 13-19; Mt 10, 1-42.

[ii] Cf. Jo 20, 21-23.

[iii] Cf. Philipe Goyret Chiamati, Consacrati, Inviati Il Sacramento dell’Ordine. Libreria Editrice Vaticana, 2003.

[iv] Cf. 1 Cor 4, 21; 5, 5.

[v] 2 Cor 13, 10.

[vi] Cf. Lumen Gentium 20, 1.

[vii] Cf. Lumen Gentium 20, 2.

[viii] Cf. 1 Clem 42, 4.

[ix] Lumen Gentium 20.

[x] Mt 28, 20.

[xi] BENTO XVI. Gli Apostoli e i Primi discepoli di Cristo. Libreria Editrice Vaticana, 2008 (Intr.).

[xii] JOÃO PAULO II. Aos Bispos da Região Eclesiástica da Pensilvânia e Nova Jérsei (EUA) em visita Ad Limina Apostolorum, 11 set. 2004.

[xiii] Lumen Gentium 21, 1.

[xiv] João Paulo II, Pastores Gregis, Exortação Pós Sinodal sobre o bispo, servidor do Evangelho de Jesus Cristo para a esperança do mundo.

[xv] Cf. Catecismo Igreja Católica, n. 4.

[xvi] Compêndio CIC, n. 326; Catecismo Igreja Católica, n. 1557-1558.

A presença dos religiosos nos movimentos eclesiais

José Manuel Jiménez Aleixandre

Cat            A natureza dos chamados “movimentos eclesiais” tem algumas características comuns a todos eles[1], consideradas por muitos autores como sendo, em parte semelhantes, em parte diferentes, a tantas outras formas carismáticas suscitadas pelo Espírito Santo na Igreja, ao longo dos séculos, pois, quanto à origem carismática dos mesmos, há acordo entre os autores.

Podemos dividir as características dos atuais “movimentos eclesiais” em: comuns aos movimentos de outras épocas, às quais podemos chamar características históricas; novas, adequadas ao novo milênio no qual a Igreja entra, que denominaremos características atuais.

A análise das respostas dadas ao longo da História, pelo mesmo Espírito Santo, para dar forma jurídica eclesiológica aos carismas, pode servir de moldura para ajudar a compreender como considerar as características históricas.

Mas a novidade trazida pelos novos movimentos e por seus fundadores (que se manifesta nas características atuais, muitas delas nunca vistas na Igreja) causa muitas vezes perplexidade. Aliás, compreensível, uma vez que, como temos analisado[2], um carisma só é bem compreendido por quem o recebe: seja este recebido diretamente, no caso do fundador; seja através de terceiros, como é o caso dos discípulos.

A presença de religiosos[3] nos movimentos eclesiais[4] enquadra-se nessa questão e merece algumas considerações.

            A questão torna-se particularmente incisiva quando se considera que uma Igreja Particular (uma diocese, uma prelatura em território de missão, etc.) não tem sua origem numa graça carismática fundante, mas na própria estrutura da Igreja, Povo de Deus em caminho. De modo diferente, os Institutos Religiosos[5] sempre nascem de um carisma fundacional, concedido pelo Espírito Santo em geral a uma só pessoa, que o encarna; e o transmite aos seguidores sob forma não jurídica, mas por uma paternidade espiritual que se comunica de pessoa a pessoa. Por isso, um religioso tem a obrigação de conformar sua vida à do fundador.[6]

            Os movimentos eclesiais, seguindo a opinião geral dos autores e do Magistério pontifício recente[7], são, eles próprios, nascidos de um carisma fundacional; parece assim ter alguma coisa a ver com os Institutos de Consagrados, já que ambos não se originam da estrutura hierárquica, e possuem uma forma vitae dada pelo fundador.

            O religioso estaria, então, sujeito a dois carismas fundacionais: o do instituto, e o do movimento.

Jiménez Aleixandre, José. Como regular a presença dos religiosos nos movimentos. In: Lumen Veritatis, n.7, Abril a Junho 2009. p. 29-31.


[1] Este artigo é um capítulo traduzido da tese de Mestrado apresentada pelo autor no “Studium Generale Marcianum” do Patriarcado de Veneza, sob o título “Le recenti proposte di configurazione canonica dei nuovi movimenti ecclesiali”, Venezia 2009 pro manuscripto.

[2] Em outros capítulos da tese de mestrado, da qual se publica aqui um excerto.

[3] Para efeitos deste artículo, empregamos o termo religioso no seu sentido jurídico canónico, definido pelos câns. c. 573 § 2 e 607: membro de um Instituto Religioso. No seu sentido comum entre o povo de Deus, a palavra designa, na realidade, qualquer pessoa que dedica sua vida à Igreja pela prática dos Conselhos Evangélicos levando vida comunitária, seja numa forma “canonicamente religiosa”, seja adotando outra forma canônica “não religiosa”: Instituto Secular, Sociedade de Vida Apostólica, uma “Nova Forma” segundo o c. 605; e até algumas formas canonicamente “laicas” como as atuais associações de fiéis com vida comunitária e celibato, por exemplo, os “Memores Domini” ou os “focolares”. Poderiam ser fazer analogias entre os dois conceitos escondidos no mesmo termo, mas seria objeto de outro estudo particular.

[4] A distinção feita por ZADRA, em I movimenti ecclesiali e i loro statuti, vem a propósito desse assunto. Ele considera como movimentos laicais aqueles que são constituídos apenas por leigos e que, em geral, colaboram nas paróquias (como a Ação Católica). Denomina movimentos espirituais aqueles que não têm uma forma particular de vida ou de ação apostólica, mas possuem específicas práticas devocionais, particulares ou realizadas em torno de um grupo. Por outro lado, considera como movimentos eclesiais aqueles nos quais convergem pessoas de todas as categorias existentes na Igreja: celibatários ou casados, clérigos e leigos, religiosos e seculares.

[5] A expressão è empregado aqui no seu sentido canônico, se bem que, como è notório, o mesmo se pode dizer de tantos outros “institutos de perfeição”, ou como denominar-se queira, e seja qual for a forma jurídica adotada: instituto secular ou sociedade de vida apostólica, assumindo os conselhos evangélicos. Ver as observações da nota anterior.

[6] Mesmo sendo um aspecto colateral ao estudo, fazemos referência aqui ao estudo de CANALS. Para os discípulos, diz ele, “é um dever de consciência dos mais importantes harmonizar-se constantemente com o espírito do Fundador” (p. 17), o qual, segundo São Jerônimo é “um homem no qual habita o espírito de Deus” (nota 8). Além do mais, na nota 9, CANALS acrescenta uma citação de FURET (Cronicas maristas – I el fundador, Zaragoza, Luis Vives, 1979, 18-19): “Os religiosos que não têm o espírito do fundador, ou o perderam, devem ser considerados e considerar-se a si próprios como membros mortos: […] Para um religioso, o espírito de seu estado, o espírito do fundador não é algo assim como uma prática somente útil, é uma necessidade, é uma coisa indispensável: não há graça, nem virtude, nem paz, nem dita neste mundo, nem salvação e dita eterna após a morte, para quem não possua esse espírito” (grifo meu).

[7] São tão numerosos os pronunciamentos de João Paulo II e Bento XVI neste sentido, que resulta sem sentido citar apenas um ou outro deles.

Orígenes: Trechos de “Contra Celso”

Orígenes in: Wikipedia

Orígenes in: Wikipedia

Orígenes, tal vez, el mayor pensador de la antigüedad cristiana hasta San Agustín, estaba dotado de un agudo ingenio filosófico. Reconociendo la importancia de la filosofía para la interpretación de la Sagrada Escritura, sin embargo, para él la fuente por excelencia del saber era la propia Sagrada Escritura. Entre los filósofos que más influenciaron el pensamiento de Orígenes está, sin lugar a dudas, Platón. (Conf. Guillermo Fraile, OP, Historia de la Filosofía, Vol. II, “El Judaísmo, el Cristianismo, el Islam y la Filosofía, BAC, Madrid, 1966, Págs. 129/30)

En su libro “Contra Celso”, obra apologética en defensa de la fe cristiana contra las calumnias y mentiras de este autor pagano, el autor en diversos pasajes se vale del análisis filosófico y la razón  para refutar al escritor pagano. 

                  *****

En el Libro I, numeral 9, citando a Celso que habla de  “quien de otro modo se adhiere al primero que topa, ha de caer en todo punto de engaño” de “hombres malvados” que “abusan de la idiotez de los crédulos, y los traen y llevan donde quieren, así acontece entre los cristianos”, agregando que no quieren “ni dar ni recibir razón de lo que creen” …

A esto Orígenes responde haciendo un análisis racional, preguntándose: “¿Qué es mejor para ellos, haber creído sin buscar la razón de su fe, haber ordenado comoquiera sus costumbres movidos de su creencia sobre el castigo de los pecados y el premio de las buenas obras, o dilatar su conversión por desnuda fe hasta entregarse al examen de las razones de la fe? Es evidente que, en tal caso, fuera de unos poquísimos, la mayoría no habrían recibido lo que han recibido por haber creído sencillamente y habrían permanecido en su pésima vida.

Vemos en este corto pasaje como Orígenes utiliza argumentos racionales para demostrar que la pronta conversión a la fe, ayudó a estos paganos a cambiar sus vidas, el análisis según la razón de los principios de la propia fe vendrán posteriormente.

Más adelante en el mismo libro, numeral 11 encontramos este pasaje interesante: “…como ha demostrado mi razonamiento, hay que creer a uno solo de los que, entre griegos o bárbaros han fundado escuelas filosóficas, ¿cuánto más será razón creamos al Dios sumo y al que nos enseño que a Él sólo se debe adorar, y despreciar todo lo demás, como si no fuera, y, caso que sea, tenerlo desde luego por digno de estima pero no de adoración y culto? El que no solamente crea todas estas cosas, sino que tenga también talento para contemplarlas teórica y racionalmente, nos dirá las demostraciones que de suyo se le ocurra y las que encuentre en su tenaz inquisición. Todo lo humano pende de la fe; ¿no será, pues, más razonable creer a Dios que a los fundadores de escuelas filosóficas?

Orígenes consideraba que la filosofía era una “colaboradora” de la fe (Fraile ob.cit. pág. 130), en este pasaje podemos notar como la utiliza la razón, la lógica, para defender la fe de las calumnias de Celso.

Continuando en el Libro I, encontramos en el numeral 13 un pasaje que, en nuestro pobre entender, nos parece brillante. Celso afirma que los cristianos decían “Mala es la sabiduría de la vida; buena la necedad (o locura)”…

Orígenes refuta esta la mala fe de la cita del pagano y afirma: “…Pero hay que añadir a todo esto que, según beneplácito del Logos mismo, va mucha diferencia entre aceptar nuestros dogmas por razón y sabiduría o por desnuda fe; este sólo por accidente lo quiso el Logos, a fin de de no dejar de todo punto desamparados a los hombres, como lo pone de manifiesto Pablo, discípulo genuino de Jesús, diciendo: “Ya que el mundo no conoció, por la sabiduría,  a Dios en la sabiduría de Dios, plúgole a Dios salvar a los creyentes por la necedad de la predicación” (I Cor 1,21). Por aquí se pone evidentemente de manifiesto que debiera haberse conocido a Dios por la sabiduría de Dios; mas, como no sucedió así, plúgole a Dios, como segundo remedio, salvar a los creyentes, no simplemente por medio de la necedad, sino por la necedad en cuanto tiene por objeto la predicación. Se ve, efectivamente, al punto que predicar a Jesús como Mesías crucificado es la necedad de la predicación, como se dio bien de ello cuenta Pablo cuando dijo: “Nosotros, empero, predicamos a Jesús, Mesías crucificado, escándalo para los judíos y necedad para los griegos; mas para los llamados mismos, judíos y griegos, el Cristo fuera de Dios y Sabiduría de Dios” (I Cor 1, 23-24) 

En este pasaje el autor deja claro como está en los designios de Dios, que los hombres aceptasen la fe, por la razón y la sabiduría. O sea, muestra el importantísimo papel del análisis filosófico racional de la fe para su aceptación, esto, evidentemente, como un plan secundario – por decir secundario – de Dios, ya que el género humano deberían haber conocido y aceptado a Dios por la propia sabiduría de Dios.

 Más adelante en el libro tercero, en el numeral 40 nos deparamos con otro pasaje muy interesante, en el cual Orígenes muestra la sapiencial armonía entre la fe y la razón:

         “Pues consideremos si las doctrinas de nuestra fe no están en perfecto acuerdo con las nociones universales cuando transforman a los que inteligentemente escuchan lo que se les dice. Cierto que la perversión, ayudada de una constante instrucción, puede implantar en las mentes del vulgo la idea de que las estatuas son dioses y de que merecen adoración objetos hechos de oro, plata, marfil…..; pero la razón universal pide que no se piense en absoluto ser Dios materia corruptible, ni se le dé culto al ser figurado por hombres en materias inanimadas, ora se labren “según su imagen” (Gen 1, 26), ora según ciertos símbolos del mismo.

         De ahí que (en la instrucción cristiana) se dice inmediatamente que las imágenes no son dioses (Act 19,26) y que objetos así fabricados no son comparables con el Creador; a lo que se añade algo sobre el Dios supremo que creo, conserva y gobierna todas las cosas. Y al punto el alma racional, como reconociendo lo que le es congénito, desecha lo que hasta entonces opinó eran dioses, concibe amor natural al Creador y, por este amor, acepta de buena gana al que primeramente mostró estas verdades a todas las naciones por medio de los discípulos que Él formó…

Este trecho nos enseña una admirable unión y armonía en el pensamiento de Orígenes entre la fe cristiana y la razón natural, tal vez mejor sería decir entre teología y filosofía. Es interesante su afirmación como a la “razón universal” le choca  el hecho de rendir culto a dioses hechos de materia corruptible y como naturalmente tiende a amar y venerar un Dios Creador.

 El alma que se guía  por la razón encuentra muy natural, casi diría connatural, cuando se enfrenta con la doctrina cristiana que le  enseña que las imágenes no son dioses y se vuelca, como que instintivamente a la idea de un Dios supremo que creó todas las cosas, las sustenta y gobierna con su providencia. El alma racional por este proceso, tiene un movimiento doble, en primer lugar, rechaza inmediatamente lo que se le presentó como si fuesen dioses; y seguidamente concibe un amor natural al Creador y por este amor, acepta las verdades de la fe.

         Por lo tanto, según Orígenes, la razón, la filosofía, tiene un papel importantísimo en la predicación y aceptación de la fe.

         Continuando en el libro III, en el número 54 nos deparamos con otro pasaje interesante.

         Polemizando con Celso, Orígenes dice: “…Yo diría también contra el razonamiento de Celso lo que sigue: ¿Es que los filósofos nos invitan también a que los oigan los muchachos? ¿Es que no exhortan a los jóvenes a que salgan de su vida pésima y aspiren a cosas mejores? ¿Por qué no han de querer que los esclavos profesen la filosofía? ¿Vamos a acusar nosotros a los filósofos de que los exhorten a la virtud, como hizo

 Pitágoras con Zamolxis, y Zenón con Persao y los que recientemente, incitaron a Epicteto a profesar la filosofía? ¿O es que a vosotros, ¡oh griegos! Os es lícito llamar a la filosofía a muchachos y esclavos y gentes ignorantes: mas si nosotros hacemos lo mismo, no obramos por amor a nuestros semejantes?¡Y es así que nosotros queremos curar con la medicina de la razón a toda la naturaleza racional y unirla al Dios creador de todas las cosas!….”

         Una vez más Orígenes en su polémica con Celso se vuelve para la razón natural como un elemento fundamental para restaurar a “toda la naturaleza racional” y al mismo tiempo unirla a Dios Nuestro Señor. Es muy agradable ver en este autor como la fe y la razón van de la mano.

Leyendo el libro IV de “Contra Celso” encontramos otro pasaje muy interesante, en el cual Orígenes acusa a Celso de deshonrar al ser racional, para no alargar demasiado este trabajo, nos ceñiremos al último párrafo en donde dice: “Por lo demás, como quiera que fuere, el animal racional no puede razonablemente compararse con gusanos desde el momento que tiene disposición para la virtud (…)

Ni siquiera los hombres en general son comparados con Dios. Por que la razón (logos) que procede del Logos que está en Dios (Io 1,1) no nos permite considerar el animal racional como totalmente ajeno a Dios; ni tampoco los que entre cristianos y judíos con malos – y que a la verdad no son ni cristianos ni judíos – pueden compararse con más razón con otros malos con gusanos que se revuelcan en un rincón de un barrizal. Si, pues la naturaleza de la razón no permite aceptar eso, es evidente que no podemos insultar a la naturaleza humana, creada para la virtud aún cuando peque por ignorancia, ni compararla con parejos animales”.

 En el libro VI nos tropezamos con otro pasaje brillante del autor. En el numeral 3, aquí se refiere a Platón, por quien el autor tiene una gran simpatía:

         “Platón(…) defina en una de sus cartas el bien sumo diciendo: “El bien primero no es en modo alguno decible, sino, que por la mucha familiaridad, viene a estar en nosotros y súbitamente, como de chispa que salta se torna luz encendida en el alma” (Palt., Epist. VII, 341 c) Continua Orígenes: “también nosotros, al oír esto, lo aceptamos como cosa bien dicha, pues esto y cuanto bien se dice Dios lo ha manifestado. Por eso justamente afirmamos que quienes han conocido la verdad acerca de Dios y no practicaron la religión digna de esa verdad, merecen el castigo de los pecadores. Y es así que dice literalmente San Pablo: “La ira de Dios se revela desde el Cielo contra toda impiedad e injusticia de los hombres  que suprimen la verdad por la iniquidad (…) (Rom 1, 18 23). Y sigue Orígenes:  “Ahora bien, también suprimen la verdad, como lo atestigua nuestra doctrina, los que piensan que el bien primero no es en manera alguna decible y afirman que, “gracias a la mucha familiaridad o trato con la cosa misma y a fuerza de convivencia, súbitamente, como de chispa que salta, se torna la luz encendida en el alma y a si mismo se nutre”.

         Con mucho genio el autor glosando a Platón comenta que los que tuvieron esa “chispa” en el alma, conocieron a Dios, pero no practicaron su religión merecen el castigo de los pecadores, por esa incoherencia entre lo que vieron, conocieron y lo que practicaron. Más adelante en el numeral 4, se extiende más sobre el tema y afirma: “Contemplaron, cierto, lo invisible de Dios y las ideas por la creación del mundo y las cosas sensibles, de las que se remontaron al mundo inteligible; vieron de manera no poco noble su eterno poder y divinidad; mas  no por eso dejaron de desvanecerse en sus razonamientos, y su corazón insensato se revolcó entre tinieblas e ignorancia en el culto de Dios. Y es de ver como los que alardean de su propia sabiduría y de la ciencia de Dios, se postran ante la semejanza de una imagen (….) y a veces como los egipcios se rebajan a los volátiles,, cuadrúpedos y reptiles…

       Todavía en el libro VI encontramos un pasaje muy clarificador, Orígenes, en su polémica con Celso, establece una diferencia entre el Platonismo y el Cristianismo. Aquí se muestro con mucho brillo la argucia filosófica del Padre de la Iglesia.

         “Luego ensarta  Celso por su cuenta cosas (…) que ningún cristiano que tenga inteligencia concede. Por que nadie de nosotros concede que “Dios participe de figura o color”. Ni tampoco participa de movimiento (…) y tampoco participa Dios de la sustancia (o esencia ousía), pues Él es participado por quienes tienen el espíritu de Dios. Por el mismo caso nuestro Salvador participa de la justicia, siendo que Él es la Justicia misma, de Él participan los justos.

         “Por lo demás, mucho – y difícil de entender – habría que decir acerca de la sustancia, señaladamente si tratáramos de la sustancia propiamente dicha, que es inmóvil e incorpórea. Habría que inquirir si Dios “por su categoría y poder trasciende toda sustancia” (Plat. 509b; cf. Infra VII 38).  El que hace participar en la sustancia a la que participan  según su Logos, y al mismo Logos; o si también el Él es sustancia, a pesar de que se dice de Él ser  invisible en la palabra de la Escritura, que se dice sobre el Salvador: El cual es imagen del Dios invisible (Col 1,15) (…) la voz invisible quiere decir incorpóreo. Habría igualmente que investigar si el Unigénito y Primogénito de la creación debe decirse ser la sustancia de las sustancias y la idea de las ideas y el principio; pero que Dios, Padre suyo, trasciende todos estos conceptos”.

       Saltando al libro VII encontramos un trecho muy interesante en el que se ve como Orígenes admira a Platón: “seguidamente nos remite a Platón, como a más eficaz maestro de teología, y cita el  texto de Timeo que dice así. “”Ahora bien, el hacedor y padre de todo este mundo obra es de trabajo encontrarlo e imposible que, quien lo encontrare  lo manifieste a todos” (Plat., Tim, 28c) (…) Magnifico y no despreciable es el texto citado de Platón; pero de ver es si no se muestra más amante de los hombres la palabra divina al introducir al Logos, que estaba al principio en Dios, Dios Logos hecho carne, a fin de que pudiera llegar a todos ese mismo Logos que Platón dice ser imposible que quien lo encontrare lo manifieste a todos. (…) Nosotros, empero, afirmamos que la naturaleza humana no es en manera alguna suficiente para buscar a Dios y hallarlo en su puro ser, de nos ser ayudada por el mismo que es objeto de la búsqueda. Es, empero, hallado por lo que después de hacer cuanto está en su mano, confiesan que necesitan de ayuda; y se manifiesta a los que cree razonable manifestarse, en la medida que un hombre puede naturalmente conocer a Dios y alcanzar un alma humana que mora aún en el cuerpo.”

         Nos parece que el análisis de Orígenes a estos párrafos de Platón muestra una sutil armonía entre fe, teología y razón. Afirma con mucha maestría que el hombre puede llegar por el conocimiento natural, racional  a Dios, pero la razón no es suficiente para un total – por así decir – de Dios, y éste “se manifiesta a los que cree razonable manifestarse”.

La rivelazione e la sua credibilità

Pe. François Bandet, EPlivro-horas-duc-de-berry

Per dare credibilità alla rivelazione nel mondo contemporaneo, il Concilio Vaticano II ha voluto sottolineare, in primo luogo, l’aspetto pastorale e personale del kerygma evangelico. Lasciando, dunque, in secondo piano i toni della condanna e della discussione, con un linguaggio positivo e ottimistico, il CVII ha inteso dare una risposta alle esigenze del tempo e cerca di formare le coscienze affinché gli uomini possano accettare la parola di Dio, fonte della pace.

Nella Chiesa, abbiamo vissuto, ultimamente, una vera “caduta dei bastioni”[1] che impedivano alla Chiesa stessa di dialogare con il mondo. Il mondo, dunque, non è più il nemico che cerca di distruggere o corrompere la Chiesa, ma il figlio disorientato che ha bisogno di essere salvato.

Per aiutare il figlio disorientato a credere nella rivelazione divina, il CVII ha elaborato e scritto la Costituzione dogmatica Dei Verbum, utilizzando un argomento non in una forma categorica e metodica, come nella Dei Filius, ma piuttosto nella forma del ragionamento pastorale di chiarificazione e di insegnamento. La Dei Filius è considerata cristologica, perché sottolinea l’escatologia biblica e il mistero pasquale fra Dio e l’uomo in modo da rendere la rivelazione personale nell’abbandono pieno alla testimonianza del Padre.

Nel desiderio di personificare la rivelazione, molti teologi hanno cercato dei nuovi modi per spiegare e far comprendere la credibilità divina agli uomini di oggi.

Johann Baptist Metz (1928-……), per esempio, ha evidenziato il pericolo di un cristianesimo di tipo troppo privato e borghese, affermando che il vangelo è soprattutto per la salvezza degli uomini nella loro dimensione collettiva e sociale. Secondo Metz, inoltre, c’è anche un grande pericolo nell’aspetto cristologico personale della teologia, perché il credente rischia di cadere in un esclusivismo individualistico. La credibilità della fede nasce, fra l’altro, quando un credente risponde alla sofferenza del mondo con una solidarietà di carità verso gli uomini, in una prospettiva di salvezza universale. Il messaggio cristiano, che è escatologico, non può mai dimenticare Dio nei segni dei tempi che chiedono sempre all’uomo di uscire dalla propria condizione per aiutare gli altri, in un dialogo fraterno che riflette l’esempio di Cristo, che ha dovuto lasciare la propria condizione per la salvezza dell’uomo.[2]

 


[1] R. Fisichella, La Rivelazione: Evento e Credibilità, Bologna 1985, 165.

[2] G. Pattaro, «Credibilità e rivelazione cristiana», in L. Pacomio, ed., Dizionario teologico interdisciplinare, Vol I, Marietti, Torino 1977, 620-621.

THELOS DE LA FELICIDAD ANTIFILOSÓFICA

Pe. Juan Francisco Ovalle Pinzón, EPdesanimo

La humanidad ha enfrentado un drástico cambio en pocas décadas donde muchos factores que hacían parte de la vida humana y de su formación integral, sobre todo elementos morales y cognoscitivos, han sufrido una inversión de valores que hacen de la actualidad una fase delicada de la historia de la humanidad. La inversión en el valor moral de los actos humanos no es un simple hecho que se da por casualidad, sino que es fruto de un proceso que la humanidad viene arrastrando a sus espaldas por causa de una inversión más  profunda en cuanto a su misma naturaleza que es la inversión del orden de las potencias del alma humana (inteligencia, voluntad y sensibilidad), en la cual los sentidos pasan a ocupar el papel que debería tener la razón para dirigir sus actos, para causar así inestabilidad en la misma constitución humana y en sus principios pues, así como decía Paul Bourget, “cumple vivir como se piensa, bajo pena de, más temprano o más tarde, acabar por pensar como se vivió”[1].

La humanidad a lo largo de la historia fue explicitando de una u otra manera su posición filosófica y metafísica frente a la vida y la realidad misma, unos más acertados que otros, pero que de todas formas dejaba entrever su aspiración y sus anhelos por llegar a un nivel intelectual que complementara su vida en todas las dimensiones posibles del ser, es decir, que su vida intelectual y sus ideas fuesen de una u otra forma modelando las características propias de su personalidad y de sus actos, llevando a tener de esta manera un deleite y la satisfacción de haber alcanzado un grado más de perfección en el ámbito cognoscitivo y por ende, una perfección ontológica en el ser humano; cosas éstas que caracterizaron al hombre de otrora y que hoy por hoy es difícil encontrar. Es un cambio marcado por “la aversión al esfuerzo intelectual, en especial a la abstracción, a la teorización, al pensamiento doctrinario, [que] sólo puede inducir, en último análisis, a una hipertrofia del papel de los sentidos y de la imaginación”[2].

Ya dentro del siglo XX, surge en el mundo de manera visible, nuevos aspectos de la felicidad, siempre presentes pero nunca antes vistos; elementos como el consumismo, la necesidad de la belleza física perfecta o la obtención de fama y dinero, reemplazaron el concepto de felicidad que se conseguía solo con el conocimiento pleno de las artes, las letras, la filosofía y en última instancia en el Absoluto que es Dios. 

Actualmente es posible apreciar el olvido de que ha sido objeto el quehacer filosófico, ya que existe una falsa idea de que el verdadero éxito radica en la vida material abundante, sin embargo los que pregonan tal éxito se olvidan de que el hombre tiene por superior aquello que no es material y que la misma felicidad que todo hombre busca y anhela se encuentra definitivamente no en lo corruptible o lo perecedero, sino en aquello que permanece para siempre; por consiguiente es claro que en el caso del hombre, la felicidad no es material, puesto que todo eso muere o termina, por lo tanto, queda lo que en el hombre nunca muere, es decir, su alma.

Sin embargo, Lipovetsky muestra la transformación de los valores de la sociedad actual, bajo la idea de una revolución individualista que en el siglo XX llega a su segunda etapa llamada personalización; implica un cambio de costumbres y hábitos donde los valores individuales tienden más a la introspección y a la preocupación por uno mismo y la producción de placer. El autor nombra a Narciso como la figura del posmodernismo el cual se desenvuelve en un mundo marcado por “la burocracia, la proliferación de las imágenes, las ideologías terapéuticas, el culto al consumo, las transformaciones de la familia y la educación permisiva junto con unas relaciones sociales cada vez más crueles y conflictivas”[3]. El distanciamiento del modelo trascendente marca el proceso de secularización actual. En la actualidad estamos en la época del post-deber. “Esta fase consiste en que se eliminan todos los valores referidos a actos sacrificales. Lo fundamental en este ciclo es el logro del bienestar y de los derechos de la subjetividad”[4].  Lo anterior sin embargo podría desembocar en un nihilismo atroz, de esta forma la felicidad se convierte en un fin terreno alcanzable con la facilidad que una tarjeta de crédito lograría comprar.

Existe una clara intensión, de parte del autor, de establecer una relación entre la religión y el consumo, una especie de sustitución por parte de esta última sobre la primera, donde el hombre posmoderno ha encontrado el alimento espiritual en la rutina del consumo.

El mundo actual está lleno de símbolos que muestran que el ideal a perseguir de todos los hombres es algo accesible según el presupuesto que se tenga, la belleza física, la posesión de bienes, o títulos universitarios, la extravagancia de la moda, en fin todo lo que pueda caber en una tarjeta de crédito es la medida de la felicidad de las personas del mundo posmoderno; aparentemente no necesita  pensar en una felicidad sobrenatural, porque ha encontrado en el placer y el lujo terrenal lo necesario para sentirse feliz.

La idea de Dios ha muerto, parece estar más vigente ahora que en la época de Nietzsche; antes se podía ver claramente que el concepto de moral cristiana era el que marcaba las pautas del comportamiento de los hombres, y no solo en la edad media, sino que también llegó a la modernidad e incluso a gran parte de la contemporaneidad. Sin embargo pareciese que el avance de los medios de comunicación, los cuales nos muestran una sociedad globalizada, ha estandarizado el ideal de hombre, en uno que sea acorde al que aparece en la publicidad. Se puede pensar que ese estándar busca “construir” el famoso súper hombre, quien libre de toda atadura sobrenatural construye su mundo a partir de la voluntad de vivir.  La felicidad es un concepto conocido por aquellos que quieran vender un producto, ya que este sea cual sea, podría convertirse en un paso más cercano para alcanzar dicho ideal.

Lipovetsky, ve en el proceso de personalización la creación de una sociedad basada en la información y la estimulación de las necesidades personales las cuales se ven representadas en una menor represión por parte de las instituciones sociales (como la Iglesia o la escuela) y la mayor cantidad de comprensión, con esto el uso de la libertad se convierte en la bandera con la que el hombre comienza la búsqueda de la felicidad o el bienestar en la época contemporánea. “Lo que desaparece es esa imagen rigorista de la libertad, dando paso a nuevos valores que apuntan al libre despliegue de la personalidad íntima, la legitimación del placer, el reconocimiento de las peticiones singulares, la modelación de las instituciones en base a las aspiraciones de los individuos”[5].

El concepto de felicidad tan abordado por muchos ha ido “evolucionando” a lo largo de la historia, especialmente de la idea medieval que Santo Tomás brindaba del mismo; el llegar a contemplar la Esencia divina ya no es tan importante como ver la belleza cara a cara en el espejo (entre otras muchas cosas). Las tendencias consumistas, la globalización y el impulso de los medios masivos de comunicación representan el interés más próximo en las filosofías contemporáneas, ya que son estos los que configuran la noción de ser y persona. Dentro de una sociedad de consumo el concepto de felicidad se ve marcado por un ideal de hombre físicamente perfecto que lo tiene todo, representado a nivel material, pero desde un nivel intelectual es todo lo contrario en el que las más altas potencias del alma humana se ven rebajadas; como decía el catedrático de metafísica de la universidad de Barcelona del siglo pasado Jaume Bofill, es un mundo en el que:

El pensamiento de los hombres (…) se encuentra sumido en la irreflexión y la ligereza. Existe una completa inseguridad en los principios. La ciencia misma va penetrándose de agnosticismo y pierde la confianza en la razón; por todas partes campea el egoísmo humano, por todas partes dominan las pasiones, no el pensamiento. No tenemos tiempo para pensar, para reflexionar; esta palabra, “reflexión”, supone para nosotros no una liberación, sino una nueva tortura. Esto termina, en última instancia, con la negación de la dignidad de la persona humana[6].

Se ve entonces que el hombre de la actualidad, abandonando el recto orden de sus facultades, despreciando la capacidad de su intelecto para dirigir y gobernar su vida y pasar a vivir sólo de lo pragmático e inmediato, causó en la humanidad la pérdida del rumbo hacia el verdadero fin de su existencia y el trastorno de su felicidad, pues aquel Bien inteligible que él debería discernir por su razón y al cual debería dirigir su voluntad es cambiado por aquel bien deleitable que perciben sus sentidos. Es una sociedad en la que la felicidad no es razonable, así como no son importantes los principios éticos y trascendentes de la vida humana y en la que, a manera de un neo-hedonismo, los deseos y deleites pasajeros que suscitan los instintos del cuerpo humano pasan a ser el elemento que determine la felicidad.

OVALLE PINZÓN,  Juan Francisco. Felicidad: ¿un ideal posible o una utopia inalcanzable? Universidad Pontificia Bolivariana: Escuela de Teología, Filosofía y Humanidades. Maestría en Filosofía. Medellín, 2009. P. 28-32.


[1] BOURGET, Paul.  Le Démon du Midi.  Paris: Librairie Plon, 1914. p. 233

[2] CORREA DE OLIVEIRA, Plinio.  Revolución y contra-revolución. Bogotá: SCDTFP, 1992. p.134

[3] LIPOVETSKY, Gilles.  La era del vacío. Barcelona: Anagrama, 1987.  p. 46.

[4] TÁMES, Enrique. Lipovetsky: del vacío a la hipermodernidad. [En línea]. En: Tiempo Cariátide. p. 50.  <Disponible en: http://www.uam.mx/difusion/casadel tiempo/01_oct_nov_ 2007/casa_del_tiempo_eIV_num01_47_51.pdf>. [Consulta: 5 Mar., 2009]

[5] LIPOVETSKY, Op., Cit.,  p. 7.

[6] BOFILL, Op. Cit.,  p. 52.

A Igreja é imaculada e indefectível

Papa2Após cada campanha de ataques contra ela, a Igreja sempre aparece mais forte e esplendorosa do que antes

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

A saraivada de notícias que, nas últimas semanas, tenta macular a Igreja Católica, tomando por motivo abusos de crianças cometidos por parte de sacerdotes católicos, atinge um clímax inacreditável.

Decididos a não deixar morrer a fogueira que acenderam, vários órgãos de comunicação social têm se dedicado a investigar o passado, à procura de novas alegações que envolvam o Vigário de Cristo na Terra, o Papa Bento XVI, no que, aliás, têm falhado rotundamente.

Que haja padres despreparados e indignos, ninguém o pode negar; que abusos horríveis foram cometidos, e certamente até em número superior ao registrado, é preciso reconhecer. Mas utilizar falhas gravíssimas, mas circunstanciais, relativas a uma minoria de clérigos, para enxovalhar toda a classe sacerdotal é uma injustiça. E usar isso como pretexto para tentar derrubar a Igreja é diabólico.

Aliás, quanto mais o espírito libertário, relativista e neopagão de nossa época se infiltra na Igreja, tanto mais é de temer que aconteçam crimes de pedofilia. Daí mesmo a necessidade de implantar nos seminários um sistema rigoroso de seleção, de modo a só admitir como candidato ao sacerdócio quem não tenha a propensão de pactuar com o mundo, mas queira ensinar a prática da doutrina católica em toda a sua pureza e dar o exemplo.

A atual campanha publicitária contra a Igreja faz-nos esquecer uma verdade da qual a história nos dá um inequívoco testemunho: foi a Igreja Católica que livrou o mundo da imoralidade, e é porque está rejeitando a Igreja que o mundo tem afundado novamente no lodo do qual foi resgatado.

Veja o documento na íntegra:

http://presbiteros.arautos.org/a-igreja-e-imaculada-e-indefectivel/

Como as almas separadas do corpo conhecem?

Guy de Ridderalmas

Após a morte, a inteligência subsiste e passa a ter um modo de se exercer bastante diferente daqui na terra, pois que ela é chamada a contemplar em sua essência as realidades imateriais como Deus. Convém-lhe assim conhecer vendo o que de si é inteligível, da mesma maneira que as substâncias separadas. Deus infunde espécies na alma da mesma maneira que o faz com os anjos. A alma tem parte nelas, embora de modo menos elevado. Por meio destas espécies a alma conhece o que lhe convém de maneira direta e intuitiva. Este conhecimento ultrapassa em qualidade e em segurança tudo que existe na terra, tanto por causa da superioridade da luz divina, quanto por causa da ausência de possibilidade de erro oriunda dos fantasmas da imaginação.

À guisa de ilustração, imaginemos alguém que, em virtude de acidente, perde os olhos. Deixará imediatamente de enxergar. No entanto, a capacidade virtual de poder ver, nele subsiste. E subsiste na alma, não no corpo, obviamente. Se por algum prodígio da medicina, puder ser-lhe restaurada a vista, passará novamente a enxergar, pois a potência virtual da vista reencontrará o elemento corporal que lhe permite exercer-se, que são os olhos.

4.1 Parece que a inteligência humana conhecerá sempre por imagens

Uma dificuldade surge, entretanto a este respeito.

É próprio da inteligência humana conhecer as realidades espirituais a partir de suas imagens sensíveis. Não é esta inteligência, entretanto da mesma natureza que a inteligência dos anjos, os quais não estando unidos naturalmente a um corpo, conhecem diretamente a essência das coisas por meio das formas inteligíveis infusas no momento em que são criados. Ora, Deus move cada natureza segundo seu próprio modo de ser. Assim sendo, parece que a inteligência humana conhecerá sempre com base em imagens.

Contudo, quando se fala da visão do Criador, ao menos no que concerne esta visão direta e face a face que chamamos de visão beatífica, é preciso render-se à evidência de que nenhuma imagem sensível pode permitir ao homem conhecer sua inteligibilidade. Deus se torna inteligível, sem o concurso de qualquer ser intermediário criado. Trata-se de um modo novo de conhecer onde parece que o intelecto não tem lugar.

4.2 Funções e influências da alma separada

Quais as funções que a alma neste estado de separação pode, portanto, exercer e que influências pode sofrer?

4.2.1 Funções que pode exercer.

A alma continua viva. A Igreja já condenou a hipótese da inconsciência da alma após a morte ([1]).

Na outra vida, antes da ressurreição a vida da alma é parecida com a do Anjo, embora com diferenças. O anjo, por exemplo, se move “instantaneamente”; o homem, não. O homem não pode seguir o vôo de seu pensamento, nem de sua vontade, como o faz o espírito angélico. Algo disso, no entanto pode fazer. Por concessão de Deus também.

4.2.2 Atividades sensitivas

Atividades que requeiram as potências sensitivas externas (corpo), não as pode ter a alma separada do corpo. Com a morte, a alma só conserva em raiz, virtualmente ([2]) as potências sensitivas, pois que operam a partir de seu corpo (sentidos). Por exemplo, não poderá mais conhecer uma árvore concreta já vista em sua peregrinação terrena ou ainda a conhecer depois. Só pode ter noção da idéia universal de árvore (aplicável, portanto, a todas as árvores do mundo). 

4.2.3 Atividades espirituais

Outro aspecto entretanto é no tocante à atividade espiritual, ou funcionamento psicológico, que veremos a seguir.

 

5. Funções intelectivas da alma separada

 5.1. Conhecimentos já havidos ou acrescidos

a) A alma separada do corpo conserva todos os conhecimentos intelectuais adquiridos anteriormente durante sua vida neste mundo ([3])

b) Vê-se e conhece-se a si mesma de modo perfeito ([4]). Conhecimento com alegria superabundante para as almas justas.

c) Conhece perfeitamente as demais almas separadas, o que lhe era vedado enquanto unida a seu corpo. Tudo por conhecimento natural ([5]).

Conhece também aos anjos, no entanto, não por conhecê-los por alguma espécie inteligível abstrata, pois que eles são superiores (mais “simples”). O conhecimento que a alma tem dos anjos lhe advém, sim, do conhecimento de semelhanças impressas na alma por Deus, acessíveis às almas separadas ([6]).

d) Em virtude das espécies inteligíveis infundidas naturalmente por Deus, têm as almas separadas um conhecimento natural, embora imperfeito e geral, de todas as coisas naturais. Isto traz um aumento enorme do que se poderia chamar das ciências naturais da alma separada ([7]).

e) Em virtude destas mesmas espécies naturais infundidas por Deus, pode a alma separada conhecer um enorme número de coisas. Não todas, mas aquelas com as quais tiver determinado relacionamento, por algum modo, seja por ter delas conhecimento anterior (ciência), por afeto (amigo, parente), seja por inclinação natural (semelhança de vocação) etc. Tudo, por determinação divina ([8]).

f) O conjunto todo destes conhecimentos proporciona à alma separada, além das idéias infundidas por Deus uma altíssima idéia de Deus enquanto Autor da ordem natural, pois grande número de perfeições divinas reflete-se na própria substância das almas separadas, além das demais coisas que conhece naturalmente por infusão divina.

─ Todos estes conhecimentos dizem respeito tanto às almas dos justos, quanto à dos precitos. Nenhum deles transcende a ordem puramente natural (naquele estado), sendo algo que pede e exige psicologicamente o estado próprio da separação. Para as almas boas será motivo de regozijo; para as outras, ocasiões suplementares de tormentos e decepções.

5.2. Ciência adquirida permanece na alma separada?

Baseando-se em São Jerônimo: “Aprendamos na terra aquilo cujo conhecimento persevere em nós até o céu” ([9]), S. Tomás declara que a ciência, na medida em que está no intelecto (e ele demonstra que está principalmente nele), permanece na alma separada.

5.3. Dificuldade levantada por S. Tomás: se assim for, um homem não tão bom poderá saber mais do que um mais virtuoso. Responde ([10]): Pode ser, assim como poderá haver maus de estatura maiores que bons; mas, diz ele, isso quase não tem importância, em comparação com as outras prerrogativas que os mais virtuosos terão.

5.4. Almas separadas conhecem o que se passa na terra?

Podem as almas separadas do corpo conhecer o que se passa na terra?

São Tomás começa, a priori, negando esta hipótese. Cita S. Gregório: “Os mortos não sabem como está organizada a vida daqueles que, depois deles, vivem na carne; a vida do espírito é bem diferente da vida da carne. Assim como as coisas corpóreas e as incorpóreas diferem em gênero, também se distinguem pelo conhecimento ([11])”.

No tocante aos bem-aventurados, no entanto, S. Gregório realça ([12]) que “Não se deve pensar a mesma coisa a respeito da alma dos santos. Para aquelas, com efeito, que vêem por dentro a claridade de Deus todo-poderoso, não se deve absolutamente acreditar que reste fora alguma coisa que ignorem”.

Opinião também contestada por Santo Agostinho [“Minha mãe que tanto fez por mim na terra, depois não me apareceu nunca mais”], reproduzida por São Tomás ([13]).

São Tomás, no entanto, acaba concluindo  que “parece mais provável que as almas dos santos, que vêem Deus, conheçam tudo o que aqui acontece”.

Ele enuncia três observações que enriquecem o tema ([14]):

5.4.1 Falecidos podem preocupar-se com coisas do mundo?

Os mortos podem preocupar-se das coisas do mundo, ainda que as ignorem concretamente. Da mesma maneira que quando rezamos pela alma de um falecido, sem saber se está efetivamente no purgatório ou não;

5.4.2. Conhecimento por informações recebidas

Podem tomar conhecimento das coisas deste mundo por informações que lhes cheguem seja pelos anjos, seja pelos demônios ou ainda por divina revelação, especialmente por algum fato que lhes diga mais especialmente respeito (conhecidos, familiares);

5.4.3. Conhecimento por aparições

Por especial permissão divina podem auferir conhecimento por outras almas, diretamente ou por meio de anjos.

RIDDER, Guy de. O conhecimento da alma separada do corpo. Centro Universitário Italo Brasileiro – Curso de Pós-Graduação em Teologia Tomista. São Paulo, 2007. p.9-11.


[1] Cf DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral, São Paulo: Paulinas/Loyola, 2007, p. 1238.

[2] Cf  AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I,77,7 – 89,5; e Suplemento 70,I-2 em ROYO MARIN, O.P., Antonio. Teologia de la Salvación. Madri: BAC,  1965, p. 178

[3] Cf AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I,89-5-6

[4] Cf AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I,88,I c; e I,89,2; SCG III,42-46; De anima, a.16 em ROYO MARIN, O.P., Antonio. Teologia de la Salvación. Madri: BAC,  1965, p. 180

[5] Cf. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I,89,2

[6] Cf. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I,89,1,3; 2,2;3

[7] Cf. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I,89,3,c e 4

[8] Cf. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I,89,4; 57,2

[9] Cf Epístolas, 53, al.103, em AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I, 89, 5, 2

[10] Cf AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I, 89,6,2

[11] Cf AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I,89,8

[12] Cf AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I, 89,8,3

[13] Cf AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I, 89,8,3

[14] Cf AQUINO, Tomás de. Suma Teológica, São Paulo: Loyola, 2002, I,89,8,3

O ENCERRAMENTO DO ANO SACERDOTAL

D Claudio HummesCaros Presbíteros,

         A Igreja sem dúvida está muito feliz com o Ano Sacerdotal e agradece ao Senhor por haver inspirado o Santo Padre a decidir sua realização. Todas as informações que chegam aqui a Roma sobre as numerosas e multíplices iniciativas programadas pelas Igrejas locais no mundo inteiro para realizar este ano especial constituem a prova de como foi bem recebido e – podemos dizer – correspondeu a um verdadeiro e profundo anseio dos presbíteros e de todo o povo de Deus. Estava na hora de dar uma atenção especial de reconhecimento e de empreendimento em favor do grande, laborioso e insubstituível presbitério e de cada presbítero da Igreja.

         É verdade que alguns, mas proporcionalmente muito poucos, presbíteros, cometeram horríveis e gravíssimos delitos de abuso sexual contra menores, fatos que devemos rejeitar e condenar de modo absoluto e intransigente. Devem eles responder diante de Deus e diante dos tribunais, também civis. Mas estamos antes de tudo do lado das vítimas e queremos dar-lhes apoio tanto na recuperação como em seus direitos ofendidos.

         Por outro lado, os delitos de alguns não podem absolutamente ser usados para manchar o inteiro corpo eclesial dos presbíteros. Quem o faz, comete uma clamorosa injustiça. A Igreja, neste Ano Sacerdotal, procura dizer isto à sociedade humana. Qualquer pessoa de bom senso e boa vontade o entende.

         Dito necessariamente isso, voltamos a vós, caros presbíteros. Queremos dizer-vos, mais uma vez, que reconhecemos o que sois e o que fazeis na Igreja e na sociedade. A Igreja vos ama, vos admira e vos respeita. Sois também alegria para nossa gente católica no mundo, que vos acolhe e apoia, principalmente nestes tempos de sofrimentos.

        Daqui a dois meses chegaremos ao encerramento do Ano Sacerdotal. O Papa, caros sacerdotes, convida-vos de coração a vir de todo o mundo a Roma para este encerramento nos dias 9, 10 e 11 de junho próximo. De todos os países do mundo. Dos países mais próximos de Roma dever-se-ia poder esperar milhares e milhares, não é verdade? Então, não recuseis o convite premuroso e cordial do Santo Padre. Vinde e Deus vos abençoará. O Papa quer confirmar os presbíteros da Igreja. A vossa presença numerosa na Praça de São Pedro constituirá também uma forma propositiva e responsável de os presbíteros se apresentarem, prontos e não intimidados, para o serviço à humanidade, que lhes foi confiado por Jesus Cristo. A vossa visibilidade na praça, diante do mundo hodierno, será uma proclamação do vosso envio não para condenar o mundo, mas para salvá-lo (cfr. Jo 3,17 e 12,47). Em tal contexto, também o grande número terá um significado especial.

         Para essa presença numerosa dos presbíteros no encerramento do Ano Sacerdotal, em Roma, há ainda um motivo particular, que a Igreja hoje tem muito a peito. Trata-se de oferecer ao amado Papa Bento XVI nossa solidariedade, nosso apoio, nossa confiança e nossa comunhão incondicional, diante dos frequentes ataques que lhe são dirigidos, no momento atual, no âmbito de suas decisões referentes aos clérigos incursos nos delitos de abuso sexual contra menores. As acusações contra o Papa são evidentemente injustas e foi demonstrado que ninguém fez tanto quanto Bento XVI para condenar e combater corretamente tais crimes. Então, a presença massiva dos presbíteros na praça com Ele será um sinal forte da nossa decidida rejeição dos ataques de que é vítima. Portanto, vinde também para apoiar o Santo Padre.

         O encerramento do Ano Sacerdotal não constituirá propriamente um encerramento, mas um novo início. Nós, o povo de Deus e os pastores, queremos agradecer a Deus por este período privilegiado de oração e de reflexão sobre o sacerdócio. Ao mesmo tempo, propomo-nos de estar sempre atentos ao que o Espírito Santo quer nos dizer. Entretanto, voltaremos ao serviço de nossa missão na Igreja e no mundo com alegria renovada e com a convicção de que Deus, o Senhor da história, fica conosco, seja nas crises seja nos novos tempos.

         A Virgem Maria, Mãe e Rainha dos sacerdotes, interceda por nós e nos inspire no seguimento de seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. 

Roma, 12 de abril de 2010.

Cardeal Cláudio Hummes

Arcebispo Emérito de São Paulo

Prefeito da Congregação para o Clero