Os aspectos espirituais da sociedade temporal favorecem a contemplação

Mons. João S. Clá Dias, EPbruxelas

Encontra-se generalizada a ideia de que a sociedade temporal existe apenas para satisfazer as necessidades materiais do homem. Ora, este é composto de alma e corpo, no qual o espírito ocupa a primazia.

O homem poderá desenvolver a capacidade contemplativa, com maior grau de perfeição, no convívio humano e na consideração dos bens mais elevados que são o resultado da vida social, quer sejam os ambientes, a arte, a cultura e a civilização. Estes são elementos caracteristicamente espirituais produzidos pela sociedade temporal, e que grande influência têm sobre a alma humana. Animando com o espírito cristão as realidades temporais, objeto da contemplação mais imediata do homem, a alma humana terá muito mais facilidade de se elevar até as verdades da Fé. Dessa forma, a intimidade com Deus não se restringe apenas a determinados momentos reservados às obrigações religiosas, mas se estende a todo o operar humano, tal como a respiração não se interrompe em nenhum momento da existência. Ela é natural, sem esforço, contínua e aprazível.

A doutrina do Concílio Vaticano II, expressa no Decreto Apostolicam Actuositatem, é igualmente clara ao ressaltar a importância da esfera temporal no plano salvífico de Deus:

A obra redentora de Cristo, que por natureza visa salvar os homens, compreende também a restauração de toda a ordem temporal. Daí que a missão da Igreja consiste não só em levar aos homens a mensagem e a graça de Cristo, mas também em penetrar e atuar com o espírito do Evangelho as realidades temporais. Por este motivo, os leigos, realizando esta missão da Igreja, exercem o seu apostolado tanto na Igreja como no mundo, tanto na ordem espiritual como na temporal. Estas ordens, embora distintas, estão de tal modo unidas no único desígnio divino que o próprio Deus pretende reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, dum modo incoativo na terra, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã. (AA, n. 5)

É importante salientar aqui como o Concílio Vaticano II, ainda nos dias em que o assunto não havia adquirido o devido destaque nos meios eclesiais, deu novo impulso ao papel dos leigos na Igreja. Nele se anteciparam os imensos desafios que o terceiro milênio reservava. Com efeito, um deles é a “Consecratio Mundi”. Se no século XXI a Igreja não conseguisse influenciar as realidades temporais com o espírito cristão, os erros e a mentalidade secularista desta época poderiam, em certa medida, dessacralizá-la.

Diante dessa perspectiva, compete aos leigos zelar para que os ambientes, a arte, os costumes, as leis e as instituições, de alto a baixo na escala social, estejam todos impregnados do espírito cristão de forma que a obra redentora de Cristo produza também seus efeitos na esfera temporal. Deverá ela refletir, a seu modo, a luz e o esplendor daquele que subiu aos céus para “levar tudo à plenitude” (Ef 4, 10).

Pedagogia moderna: foco na inteligência apenas?

Pe. Ricardo Basso, EPFamilia2

Nas últimas décadas, notam-se louváveis esforços no sentido de resgate da visão do homem como um todo na educação, como Howard Gardner, professor de Neurologia na Boston School of Medicine e de Psicologia na Harvard University, com sua “Teoria das inteligências múltiplas” (1983), em que a inteligência humana é apresentada como tendo várias facetas, ampliando os horizontes pedagógicos que haviam se restringido apenas às inteligências lingüística e lógico-matemática. Estas por sinal são a base também para os testes de QI (Quociente Intelectual), hoje muito contestados, e com razão, porém, tanto em voga até há pouco. Encontramos casos curiosos de testes de QI aplicados a esportistas célebres que os apontaram no limite da debilidade mental… Outras inteligências – ou seja, talentos, capacidades e habilidades mentais – deveriam igualmente ser trabalhadas, segundo Gardner, como a visual/espacial, a corporal/cinestésica, a musical, a interpessoal e a intrapessoal. Por que matemática, por exemplo, seria mais importante do que música? Concepção essa mais holística, que é aceita geralmente pelos educadores contemporâneos. Um progresso, sem dúvida. Embora, diga-se de passagem, não esteja ainda nossa legislação educacional devidamente atualizada quando permite que os exames de reclassificação se restrinjam às disciplinas de português e matemática simplesmente. Quantos futuros artistas e esportistas que quiçá serão famosos, um dia, não estarão sendo prejudicados hoje?

Porém, o foco da atenção da grande maioria dos educadores modernos é o mecanismo da inteligência, o funcionamento do cérebro, a epistemologia no homem, o que não é suficiente, pois não abarca a pessoa inteira. Procura-se reduzir o homem à matéria, não considerando estudos científicos recentes que revelam como a percepção e as atividades mentais são metaneuronais.

Se a percepção é metaneuronal, com maior razão o deve ser a atividade mental, o pensamento. A primeira atividade mental é a formação de conceitos ou idéias, operação que consiste em eliminar o acidental de uma coisa, para ficar com sua essência. […] Portanto, devemos concluir que: se para chegar à abstração prescindimos de toda informação sensorial, que é a que nos proporcionam os neurônios, o processo de abstração há de ser metaneuronal. […] Se não é o cérebro o que se encarrega de abstrair, quem é o responsável desta função? Segundo Aristóteles […] é o entendimento agente, que como atividade anímica que é, não reside no cérebro mas corresponde à pessoa, composto substancial de corpo e alma (SANZ, 2007: 140-141, tradução nossa).

Naturalmente, as novas descobertas no campo da psicologia e da neurologia são muito úteis, porém, segundo aponta a antropologia cristã, há uma falha capital ao não se considerar a alma humana e o primordial papel da vontade na educação de uma criança. Estuda-se o corpo humano, sobretudo o cérebro e seu funcionamento; ignora-se a alma. Sobretudo ignora-se a realidade dos efeitos do pecado original nas potências da alma: inteligência, vontade e sensibilidade. Sendo o homem principalmente alma, a qual, como espírito, é superior à matéria, não se considera o que de mais importante há no ser humano. Daí, a crônica insuficiência notada na pedagogia moderna, nos seus múltiplos e variados sistemas de ensino.

Com todo o avanço técnico, não é recorrente a queixa entre os educadores quanto à baixa qualidade dos estudantes, e do nível de aprendizagem? Quem ousaria afirmar que os jovens de hoje aprendem mais e estão mais preparados que seus pais ou avós, na mesma idade?

Pelos frutos se conhece a árvore, diz o provérbio popular.

Os aspectos espirituais da sociedade temporal favorecem a contemplação

tibidaboMons. João S. Clá Dias, EP

Encontra-se generalizada a ideia de que a sociedade temporal existe apenas para satisfazer as necessidades materiais do homem. Ora, este é composto de alma e corpo, no qual o espírito ocupa a primazia.[1] Por isso, a sociedade temporal deve também atender aos anseios espirituais da alma humana, embora o aspecto sobrenatural pertença ao âmbito exclusivo da Igreja. O homem é, por natureza, um ser contemplativo, pois está destinado a ver a Deus face a face na eternidade. Portanto, já nesta vida ele deve exercitar essa capacidade, reconhecendo os reflexos de Deus na obra da Criação e, mais ainda, nos outros homens, que são a imagem mais perfeita do Criador no universo visível.

O homem poderá desenvolver a capacidade contemplativa, com maior grau de perfeição, no convívio humano e na consideração dos bens mais elevados que são o resultado da vida social, quer sejam os ambientes, a arte, a cultura e a civilização. Estes são elementos caracteristicamente espirituais produzidos pela sociedade temporal, e que grande influência têm sobre a alma humana. Animando com o espírito cristão as realidades temporais, objeto da contemplação mais imediata do homem, a alma humana terá muito mais facilidade de se elevar até as verdades da Fé. Dessa forma, a intimidade com Deus não se restringe apenas a determinados momentos reservados às obrigações religiosas, mas se estende a todo o operar humano, tal como a respiração não se interrompe em nenhum momento da existência. Ela é natural, sem esforço, contínua e aprazível.

A doutrina do Concílio Vaticano II, expressa no Decreto Apostolicam Actuositatem, é igualmente clara ao ressaltar a importância da esfera temporal no plano salvífico de Deus:

 

A obra redentora de Cristo, que por natureza visa salvar os homens, compreende também a restauração de toda a ordem temporal. Daí que a missão da Igreja consiste não só em levar aos homens a mensagem e a graça de Cristo, mas também em penetrar e atuar com o espírito do Evangelho as realidades temporais. Por este motivo, os leigos, realizando esta missão da Igreja, exercem o seu apostolado tanto na Igreja como no mundo, tanto na ordem espiritual como na temporal. Estas ordens, embora distintas, estão de tal modo unidas no único desígnio divino que o próprio Deus pretende reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, dum modo incoativo na terra, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã. (AA, n. 5)

É importante salientar aqui como o Concílio Vaticano II, ainda nos dias em que o assunto não havia adquirido o devido destaque nos meios eclesiais, deu novo impulso ao papel dos leigos na Igreja. Nele se anteciparam os imensos desafios que o terceiro milênio reservava. Com efeito, um deles é a “Consecratio Mundi”. Quase se poderia dizer, caso a Igreja não fosse imortal, ser essa uma questão de vida ou morte. Se no século XXI a Igreja não conseguisse influenciar as realidades temporais com o espírito cristão, os erros e a mentalidade secularista desta época poderiam, em certa medida, dessacralizá-la.

Diante dessa perspectiva, compete aos leigos zelar para que os ambientes, a arte, os costumes, as leis e as instituições, de alto a baixo na escala social, estejam todos impregnados do espírito cristão de forma que a obra redentora de Cristo produza também seus efeitos na esfera temporal. Deverá ela refletir, a seu modo, a luz e o esplendor daquele que subiu aos céus para “levar tudo à plenitude” (Ef 4, 10).

 


[1] Cf. ARISTÓTELES. De Anima. L. II, lição IV. In: SÃO TOMÁS DE AQUINO. Comentario al libro del alma de Aristóteles. Buenos Aires: Fundación Arché, 1979, p. 170.

Como pode o homem suprir as necessidades espirituais

600x800-sameiroDiác. José Victorino de Andrade, EP

 

É patente a necessidade que a alma humana tem de entrar em contato com múltiplos objetos externos, sem descurar aspectos como a beleza, a sublimidade e o sagrado. A sua hipotética carência levaria a alma a um operar tão defeituoso e resultaria num tal desequilíbrio que o homem correria o risco de deixar na atrofia suas potências, e reduziria sua vida ao simples fato de existir.[1]

 

 

Uma ainda que pálida imagem desta necessidade encontra-se no mundo animal: os cavalos que trabalhavam outrora nas minas, por vezes vários dias seguidos nos túneis iluminados artificialmente, quando eram trazidos à luz do sol, revelavam a sua alegria relinchando e pulando, manifestações próprias à sua natureza.

           

Da mesma forma, também o homem sente esta necessidade, de sair da rotina e da monotonia de sensações que lhe possam ser causadas, inclusive, por um trabalho cotidiano e repetitivo, compreendendo-se as múltiplas formas licitas de lazer e entretenimento que lhe possam ser oferecidas. Aqui entra um notório e importante papel do Estado e do poder público, portanto, temporal, no oferecimento de alternativas saudáveis e formativas que permitam ao homem desfrutar de lícitos prazeres e atrações. Embora estes jamais poderiam suprir a necessidade espiritual, inerente ao homem por força da atração exercida por Deus[2] e dificilmente substituída por qualquer outra atividade que não compreenda este aspecto, como a participação na eucaristia dominical. É em Cristo, fonte de água viva, que o homem sacia definitivamente a sua sede, enquanto as outras apenas temporariamente satisfazem e não conduzem à vida eterna.[3]

 

 


[1] Cf. Correa de Oliveira. Notas para a Conceituação da Cristandade, Década de 50. p. 8.(Extraído do Original).

[2] Ver Catecismo Igreja Católica, 27.

[3] Ver Jo. 4, 10-15