Pe. José Victorino de Andrade, EP
Embora existam teorias que defendam a desvinculação do Direito com a força, elas perdem desta forma sua inteira aplicação à realidade social. Domènec Melé chega mesmo a justificar o poder coativo das autoridades políticas, partindo de uma hermenêutica da Gaudium et Spes que considera a necessidade do poder civil “assegurar o normal desenvolvimento das actividades humanas para proteger a liberdade e os direitos de todos” (n. 74).[1]
Por outro lado, a teoria da coação, tão corroborada por grande número de positivistas, tornou-se também alvo de duras críticas devido à possibilidade do cumprimento espontâneo da lei, não se podendo definir a realidade jurídica por aquilo que acontece excepcionalmente.[2] O efeito coativo é sentido meramente por aqueles a quem a lei causa uma repugnância contrária à sua vontade e não tanto por aqueles justos, fiéis às prescrições, cujo cumprimento não constitui qualquer peso ou pena e para os quais jamais seria necessário o emprego de qualquer forma de violência.
Surge então a necessidade de uma terminologia e de uma definição que compatibilize o Direito com a força de uma maneira mais equilibrada. O conceito de coercibilidade amenizou, de alguma forma, esta questão. Del Vecchio estabeleceu seus contornos nas suas clássicas Lezioni di filosofia del diritto:
“O direito é essencialmente coercível; isto é, em caso de inobservância, é possível fazê-lo valer através da força; o carácter da coercibilidade distingue as normas jurídicas de toda a espécie de normas. Onde falta a coercibilidade, falta também o direito. O direito é sempre a determinação de uma relação entre várias pessoas, pela qual ao dever de uma corresponde a exigência e a pretensão de outra; e assim também a coercibilidade. Os dois conceitos de coercibilidade e de direito são realmente e logicamente inseparáveis”.[3]
Isto posto, a força assume um papel essencialmente potencial no direito, passando a entender-se num sentido hodierno como juridicamente vinculante àquilo que está de acordo com a lei, impõe obrigações de fazer ou de não fazer, e sujeita a penalidades. Mas se bem que todo aquele que estabelece um decreto deve zelar pelo seu cumprimento, a forma mais perfeita de cumprir a lei deveria ser, obviamente, voluntária, excluindo-se qualquer forma de coação e de coercibilidade, que jamais deveriam constituir o estritamente essencial no direito, pois, não há dúvida que pertencem à natureza da lei mas, é exagerado admitir que fazem parte da sua essência.
[1] Cf. MELÈ, Domènec. Cristianos en la sociedad: Introducción a la Doctrina Social de la Iglesia. 3. ed. Madrid: Rialp, 2000. p. 74.
[2] Cf. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 47.
[3] “Il diritto è essenzialmente coercibile; cioè, in caso de inosservanza, è possibili farlo valere con la forza; il carattere della coercibilità distingue le norme giuridiche da ogni specie di norme. Là dove manca la coercibilità, manca pure il diritto. Il diritto è sempre la determinazione di un rapporto tra più persone, per cui al dovere dell’una corrisponde l’esigibilità, la pretensione dell’altra; quindi anche le coercibilità. I due concetti di coercibilità e di diritto sono realmente e logicamente inseparabili”. (DEL VECCHIO, Giorgio. Lezioni di filosofia del diritto. Milano: Giuffrè, 1963. p. 253. Tradução minha).