Há diversidade de dons, mas um só Espírito

Mons. João S. Clá Dias, EPFim ano sacerdotal

No Catecismo da Igreja Católica explica-se “o mistério sagrado da Igreja Una” em função da sua origem divina, tendo ela por “modelo e supremo princípio a unidade de um só Deus na Trindade de pessoas”. “Contudo — prossegue o texto — desde a origem, esta Igreja Una se apresenta com uma grande diversidade, que provém ao mesmo tempo da variedade dos dons de Deus e da multiplicidade das pessoas que os recebem” (n. 813-814).

“Há diversidade de dons, mas um só Espírito” (1Cor 12, 4), ensina São Paulo aos Coríntios. Com efeito, ante a abundância das manifestações carismáticas entre os fiéis, o Apóstolo orienta os discípulos a considerar a unidade da Igreja, o “Corpo de Cristo” (1 Cor 27), pois a variedade dos dons — sabedoria, palavra de ciência, poder de realizar milagres, discernimento dos espíritos, e tantos outros (cf. 1 Cor 8-10) — é concedida pelo mesmo Deus “que opera tudo em todos” (1 Cor 6).

Assim, a unidade na variedade da Igreja explica-se pela ação do Espírito Santo, “princípio de toda ação vital e verdadeiramente salutar em cada uma das diversas partes do Corpo” (Catecismo, 798).

Consumada, pois, a obra que o Pai confiara ao Filho realizar na terra (cf. Jo 17, 4), foi enviado o Espírito Santo no dia de Pentecostes a fim de santificar perenemente a Igreja para que assim os crentes pudessem aproximar-se do Pai por Cristo num mesmo Espírito (cf. Ef 2, 18). Ele é o Espírito da vida ou a fonte de água que jorra para a vida eterna (cf. Jo 4, 14; 7, 38-39). […] O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis como num templo (cf. 1 Cor 3, 16; 6, 19). […] Unifica-a na comunhão e no ministério. Dota-a e dirige-a mediante os diversos dons hierárquicos e carismáticos. E adorna-a com Seus frutos (cf. Ef 4 11-12; 1 Cor 12, 4;  Gl 5, 22) (LG, 4).

É importante ressaltar que nessa mesma Igreja, acompanhada sempre pelo sopro do Paráclito, há uma ordenação hierárquica dos carismas por Ele mesmo instituída, pois, segundo o próprio São Paulo: “Deus constituiu primeiramente os apóstolos, em segundo lugar os profetas, em terceiro os doutores, depois os que têm o dom dos milagres” (1 Cor 28).

Com efeito, sendo Cristo “pedra angular”, edificou Sua Igreja sobre “o fundamento dos apóstolos” (Ef 2, 20), dando-lhes o poder de ligar e desligar na terra e no Céu (Mt 18, 18). E, dentre eles, designou Pedro e seus sucessores como princípio e fundamento visível da unidade da fé (D 4147), a quem incumbe confirmar os seus irmãos (Lc 22, 32).

É por essa determinação divina que São Pedro e os Apóstolos constituíram um Colégio. E também, em virtude da função conferida de forma singular pelo Senhor a Pedro, e que se transmite aos seus sucessores, o Bispo de Roma é cabeça do Colégio dos Bispos, Vigário de Cristo e Pastor de toda a Igreja na terra, com poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal, podendo exercê-lo sempre livremente (câns. 330 e 331).

Por sua vez, o Colégio Episcopal, no qual persevera continuamente o corpo apostólico, também é sujeito do poder supremo e pleno sobre toda a Igreja, em união com sua cabeça e nunca sem ela (cân. 336). Existe na Igreja, também, por instituição divina, o poder de regime ou de jurisdição (cân.129), que se divide em legislativo, executivo e judiciário (cân. 135).

A essa Igreja, verdadeira construção de Deus (cf. 1 Cor 3, 9), em sua unidade fundamental e em sua diversidade carismática, cada fiel, exercendo sua função peculiar, deve dedicar todo seu entusiasmo, sua obediência e seu amor. Amor que brotando do mais profundo do coração, mova-o à dedicação e ao apostolado, em função da vocação cristã comum a todos os batizados:

Existe na Igreja diversidade de serviços, mas unidade de missão. Aos Apóstolos e a seus sucessores foi por Cristo conferido o múnus de, em nome e com o poder dEle, ensinar, santificar e reger. Os leigos, por sua vez, participantes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, compartilham a missão de todo o povo de Deus na Igreja e no mundo (AA 2).

Os Carismas

Mons. João Clá Dias, EP

espirito

Os carismas, “quer extraordinários quer simples, são graças do Espírito Santo que, direta ou indiretamente, têm uma utilidade eclesial, pois são ordenados à edificação da Igreja, ao bem dos homens e às necessidades do mundo” (CIC, n. 799; 800).[1]

Por meio deles, o Povo de Deus participa do múnus profético de Cristo, através do Espírito Santo que santifica e conduz a Igreja. Ele não apenas se beneficia com as riquezas doadas pela magnificência de Deus, mas assume as responsabilidades inerentes a essa participação em proveito da Igreja, como ensina o Concílio Vaticano II:

A todos os fiéis incumbe, portanto, o glorioso encargo de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens em toda a terra. […] A recepção destes carismas, mesmo dos mais simples, confere a cada um dos fiéis o direito e o dever de atuar na Igreja e no mundo, para bem dos homens e a edificação da Igreja, na liberdade do Espírito Santo, que ‘sopra onde quer’ (Jo 3, 8) e, simultaneamente, em comunhão com os outros irmãos em Cristo, sobretudo com os próprios pastores (Apostolicam Actuositatem, n. 3).

 

Caberá, evidentemente, a critério superior das autoridades eclesiásticas fazer o julgamento sobre a autenticidade desses dons e ordenar seu exercício, provando-os e ficando com aqueles que sejam bons (cf. LG 12; 1 Tes 5, 12), pois o próprio Espírito submeteu à autoridade dos Apóstolos até os carismáticos (LG 7; 1 Cor 14). A esse propósito, assim se exprimiu João Paulo II:

Como conservar e garantir a autenticidade do carisma? É fundamental, a respeito disso, que cada movimento se submeta ao discernimento da autoridade eclesiástica competente. Por essa razão, nenhum carisma dispensa da reverência e da submissão aos Pastores da Igreja.[2]

 

Cumpridas essas condições, os carismas devem ser acolhidos com reconhecimento e generosidade, não só por quem os recebe, mas também por todos os membros do Corpo Místico de Cristo. E se, por um lado, cabe aos pastores discernir a autenticidade divina desses dons e carismas, compete-lhes, por outro lado, zelar especialmente para não se extinguir a ação do Espírito, buscando a cooperação de todos em sua diversidade e complementaridade (cf. LG 12).[3]

Tais carismas, que manifestam a presença atuante do Espírito Santo, não são atributos de funções eclesiásticas particulares — segundo George e Grelot (1966, p. 120) — mas podem encontrar-se em qualquer batizado, seja qual for seu ministério ou função na Igreja. São concedidos com o objetivo de dar o poder e a graça para corresponder à própria vocação e ser útil à comunidade, a fim de que seja edificado o Corpo de Cristo.

 

CLÁ DIAS, João. Os novos movimentos: Quando espírito e jurisprudência se encontram…

 in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 6, jan-mar 2009. p. 11-13.


[1] A esse respeito também interessa a afirmação de João Paulo II no discurso aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos, em 30 de maio de 1998: “Não esqueçais que cada carisma é dado para o bem comum, isto é, em benefício de toda a Igreja!”

[2] Discurso aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, de João Paulo II, em 30 de maio de 1998. Disponível em: <www.vatican.va>. Acesso em: <15 maio 2008>.

[3] “Esses carismas, quer eminentes, quer mais simples e mais amplamente difundidos, devem ser recebidos com gratidão e consolação, pois que são perfeitamente acomodados e úteis à necessidades da Igreja. […] O juízo sobre a autenticidade e seu ordenado exercício compete aos que governam a Igreja. A eles, em especial, cabe não extinguir o Espírito, mas provar as coisas e ficar com o que é bom (cf. 1Tes 5, 12 e 19, 21)” (LG 12).