A verdadeira felicidade

caminhoThiago de Oliveira Geraldo

Mesmo entre as diversas opiniões existentes na atualidade, a ordem moral prevalece sobre todas as demais relacionadas com o operar humano, pois diz respeito ao homem enquanto tal, e as outras ao homem em face a fins particulares.1

Para São Tomás, a moral não se restringe ao âmbito dos religiosos e muito menos a uma atitude particular, mas sustenta ele que o ato humano praticado afeta o ser humano no seu conjunto — “o homem enquanto homem e enquanto moral”.2

Entretanto, o ser humano não é inerte, mas movimenta-se em direção à felicidade que é própria à sua natureza, ou seja, a bem-aventurança. Portanto, o homem percorre uma caminhada neste mundo a fim de atingir a meta de plena felicidade — apesar de não a alcançar por inteiro nesta vida.3

Se a moral tomista, portanto, nos coloca diante da perspectiva da unidade do ser humano enquanto praticante do ato e desejoso da felicidade com vistas a um fim último, pode-se dizer que uma força intrínseca move o homem à prática do bem.4

A expressão “força intrínseca” ressalta o papel criador de Deus, que opera por meio das três Pessoas da Santíssima Trindade. Isto incorre em que o homem contém em si certas verdades estabelecidas por Deus, não com o intuito de aprisioná-lo numa moral cruel, mas de libertá-lo para a verdadeira felicidade que consiste em praticar os atos moralmente bons e, com isto, assemelhar-se mais a Ele.5

____________

1 Cf. JOÃO PAULO II. La perenne validità dell’etica tomista. In: Doctor Comunnis. Roma, 1992, ano XLV, n. 1, p. 4.

2 S Th I-II, q. 21, a. 2.

3 Cf. PIEPER, Josef. Felicidade e contemplação, lazer e culto. São Paulo: Herder, 1969, p. 17-18.

4 Cf. Veritatis Splendor, n. 7.

5 Cf. LAUAND, Luiz Jean. Tomás de Aquino, hoje. Curitiba: Champagnat, 1993, p. 41.

A ETERNA BEM-AVENTURANÇA

bem-aventurancaChn. Louis Bremond, “Le Ciel, ses joies et ses splendeurs”, P. Lethielleux, Lib.‑Éditeur, Paris,

 

 

 1925, pp. 2‑4‑5‑10‑13‑18‑20.

A bem‑aventurança requer não somente a visão mas a posse do fim e o gozo que tem como conseqüência o repouso do amante no objeto amado

“O coração do homem foi ferido, desde sua origem, por um golpe que partiu do Infinito. Ninguém poderá curar essa ferida senão Aquele que a fez”. (Mgr d’Hulst, Mélanges philosophiques, p. 288)

Por isso Davi exclamava: “Quando vossa glória manifestar‑se a mim, Senhor, aí serei satisfeito”. (Ps. XV, 15)

“Deus é o fim de seu ato criador, diz São Tomás, por ser Ele o princípio. Porque Sua qualidade de fim não significa outra coisa senão o ser até o fim o princípio da criatura comunicando‑lhe, também até o fim, Sua própria bondade”. (P.I, q.12, a.1 Cf. Somme philosophique, I. III. c.17)

“O fim último do homem satisfaz de tal maneira seus desejos naturais, que ele deixa de procurar qualquer outra coisa a partir do momento em que o possua, porque, se ainda resta no homem algum movimento para outro objeto, este movimento é uma prova de que não possui ainda a finalidade na qual deve encontrar o repouso”. ( Somme philosophique, livre III, ch 48)

O pensamento de São Tomás ainda se desenvolve mais na Suma Teológica:

“A bem‑aventurança requer não somente a visão que é o conhecimento perfeito do fim último e inteligível, mas ainda, a posse que se relaciona à presença deste fim e o gozo que tem como conseqüência o repouso do amante no objeto amado”. (Somme Théologique, I‑II, q.4. a.3)

E Suarez diz que “a perfeição total da bem‑aventurança” está nessa percepção da essência divina”, que “é a principal e mais perfeita operação da alma” (Suarez, De Beat., disp. 7)


Como surpreender‑nos que Santo Agostinho diga que a bem‑aventurança é “a plenitude superabundante de tudo aquilo que é desejável”, “a reunião de todos os bens”, como diz Boécio, e, como acrescenta São Tomás: “o bem perfeito que dá a todos os nossos desejos sua plena e inteira satisfação”? (S.Aug., De Civitate Dei, lib. XIX, cap I; Boèce, de Consolatione philosophiae, lib. III, pros. 2; S. Thomas, I‑II, q.2, a. 8)

Tudo isso fazia São Gregório Magno exclamar:

“Qual é o espírito capaz de conceber a sublimidade das alegrias celestes? Assistir aos coros dos Anjos, glorificar ao Criador na companhia dos Santos, contemplar diretamente a face de Deus, ver a luz infinita, estar ao abrigo da morte, rejubilar‑se para todo o sempre com o dom da incorruptibilidade!

A alma queima de ardor por estes bens apenas ao conhecê‑los e desejaria já estar no lugar onde anseia desfrutar de uma felicidade eterna”. (Hom. XXXVII sur l’Évangile)