Pe. José Victorino de Andrade, EP
Sócrates falava da eudaimonia, referindo-se ao homem que procura a felicidade como um princípio de vida. Na verdade, estamos sempre à procura dela. É muito raro, ou praticamente inexistente, aquele que não deseja ser feliz, ou que não quer ver o salutar sentimento de alegria estampada no rosto daqueles que o rodeiam. Porém, ser verdadeiramente feliz, não significa a permanente ausência de dificuldades nesta vida, mas conviver com elas, superá-las, deixar-se purificar e vencer pelo constante apelo à conversão.
Imagine qual destas duas personagens poderiam ser objeto de maior admiração: Um marinheiro que passou por tempestades e tormentas, com o rosto marcado pela aventura e pelas dificuldades que enfrentou… ou um barqueiro de água doce que rema em águas mansas e adormece embalado… A vida passa pelas dificuldades do nosso marinheiro, e há que remar contra a maré, contra o vento e as tempestades, que são os sofrimentos da vida. Entretanto, a mentalidade hedonista do homem contemporâneo, tende mais a identificar-se com o segundo elemento, o barqueiro… cuja vida mansa não quer ser interrompida por nada que quebre as delícias e os prazeres, em que até mesmo remar um pouco, custa muito.
Mas, a fuga ao infortúnio provoca geralmente um fenômeno adverso e incontornável. Pergunte-se, a quem tem mais experiência na vida, se nunca passou por uma doença, infelicidade, problemas… Entretanto, raramente procurados. Uma vez que o homem se depara diante deles, não se tornam vãos, e têm a capacidade de tornar as pessoas mais maduras, e por vezes até mesmo mais felizes. A patente alegria quando uma dor passou, é maior do que quando permanecemos sem o quadro doloroso; uma enfermidade debelada, acarreta uma satisfação acrescida. O desafio ultrapassado, maior júbilo. O que significa que a dificuldade passageira poderá ser uma ponte para um estado de felicidade maior do que a estabilidade permitiria.
Afinal, a dor e o sofrimento também parecem ser necessários a fim de que se manifestem alguns dos sentimentos mais elevados do ser humano, tais como o amor e a alteridade. Por exemplo, a atenção que é devotada a alguém quando está doente ou sofrendo. Fisicamente, a pessoa pode não estar bem, mas é sensível ao fato de que o carinho e a atenção a ela aumentaram. Por outro lado, o nosso amor pelos outros também dilata, quando vemos que estão necessitados ou com sofrimentos. E a solidariedade torna-se realidade, ou melhor, caridade, diante da perspectiva de todos aqueles pequeninos, aos quais Jesus devota o seu pedido de atenção (Mt 25, 40), fazendo-se além de servo, sofredor com eles (cf. Isaías 53).