Ignacio Montojo Magro, EP
“A verdadeira força da Igreja está em ser o Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo” diz Plinio Corrêa de Oliveira (2002a: 147) no seu famoso ensaio “Revolução e Contra-Revolução”. Efetivamente, como ele acrescenta logo depois, não se explicaria a supervivência bimilenar desta instituição no meio da tantas perseguições, contrariedades e mesmo falhas de seus membros.
“Alios ego vidi ventos; alias prospexi animo procellas”[1], poderia Ela dizer ufana e tranqüila em meio às tormentas por que passa hoje. A Igreja já lutou em outras terras, com adversários oriundos de outras gentes, e por certo enfrentará ainda, até o fim dos tempos, problemas e inimigos bem diversos dos de hoje. (CORRÊA DE OLIVEIRA, 2002a, 145).
Esta misteriosa comparação da Igreja com um corpo é extraída das epístolas de São Paulo e seu principal desenvolvimento dá-se na Primeira Epístola aos Coríntios:
Porque, como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo, embora muitos, formam um só corpo, assim também é Cristo. Em um só Espírito fomos batizados todos nós, para formar um só corpo, judeus ou gregos, escravos ou livres; e todos fomos impregnados do mesmo Espírito. Assim o corpo não consiste em um só membro, mas em muitos. Se o pé dissesse: “Eu não sou a mão; por isso, não sou do corpo”, acaso deixaria ele de ser do corpo? E se a orelha dissesse: “Eu não sou o olho; por isso, não sou do corpo”, deixaria ela de ser do corpo? Se o corpo todo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se fosse todo ouvido, onde estaria o olfato? Mas Deus dispôs no corpo cada um dos membros como lhe aprouve. Se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? Há, pois, muitos membros, mas um só corpo. O olho não pode dizer à mão: “Eu não preciso de ti”; nem a cabeça aos pés: “Não necessito de vós”. Antes, pelo contrário, os membros do corpo que parecem os mais fracos, são os mais necessários. E os membros do corpo que temos por menos honrosos, a esses cobrimos com mais decoro. Os que em nós são menos decentes, recatamo-los com maior empenho, ao passo que os membros decentes não reclamam tal cuidado. Deus dispôs o corpo de tal modo que deu maior honra aos membros que não a têm, para que não haja dissensões no corpo e que os membros tenham o mesmo cuidado uns para com os outros. Se um membro sofre, todos os membros padecem com ele; e se um membro é tratado com carinho, todos os outros se congratulam por ele. Ora, vós sois o corpo de Cristo e cada um, de sua parte, é um dos seus membros”. (1Cor 12, 12-27)[2].
Mas, além disto, a referência a este mistério é uma constante nos seus escritos. Sirvam como exemplos as seguintes citações: “Ele [Jesus Cristo] é a Cabeça do corpo que é a Igreja” (Cl 1, 18); “O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1, 24); “O constituiu chefe supremo da Igreja, que é o seu corpo” (Ef 1, 22-23); “A uns ele constituiu apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas, pastores, doutores, para o aperfeiçoamento dos cristãos, para o desempenho da tarefa que visa à construção do corpo de Cristo” (Ef 4, 11-12); “Cristo é o chefe da Igreja, seu corpo, da qual ele é o Salvador (Ef 5, 23); “como Cristo faz à sua Igreja, porque somos membros de seu corpo” (Ef 5, 29).
Já desde os primeiros tempos do Cristianismo o conceito de Corpo Místico de Cristo foi objeto de comentário e desenvolvimento pelos Padres da Igreja. Santo Agostinho (apud CIC, 795), por exemplo, assim se referia a ele:
Congratulemo-nos, pois, e demos graças pelo fato de nos termos tornado não apenas cristãos, mas o próprio Cristo. Estais compreendendo, irmãos, a graça que Deus nos fez, dando-nos Cristo por Cabeça? Admirai e alegrai-vos: nós tornámo-nos Cristo. Com efeito, uma vez que Ele é a Cabeça e nós os membros, o homem completo é Ele e nós […]. A plenitude de Cristo é, portanto, a Cabeça e os membros. Que quer dizer: a Cabeça e os membros? Cristo e a Igreja.
Também São Tomás na Suma (III, q. 48, a. 2, ad 1) usou já no século XII a expressão Corpo Místico: “Cabeça e membros são, por assim dizer, uma só e mesma pessoa mística”.
Como assinala Bover (1967: 484, tradução nossa) no seu estudo sobre a teologia de São Paulo, na introdução ao capítulo em que se estende sobre o tema, “o Corpo Místico de Cristo é, a maneira do corpo humano, um organismo espiritual que, unido a Cristo como a sua cabeça, vive a vida mesma de Cristo, animado pelo Espírito de Cristo”. E acrescenta ainda no fim do mesmo: “Esta luz […] ilumina a Igreja, que se mostra aos nossos olhos mais divina” (BOVER, 1967: 531). De fato, é conseqüência evidente de tudo isto – e que nos interessa para nosso estudo – que os atos da Igreja oficial são atos do próprio Cristo, o que os valoriza sem medida como assinala Pio XII (Encíclica Mystici Corporis, 91): “É preciso que nos acostumemos a ver na Igreja o próprio Cristo. Pois que é Cristo que vive na sua Igreja, por ela ensina, governa e santifica”.
A Igreja é também Esposa Mística de Cristo. Esta doutrina tem uma intima ligação com a do Corpo Místico. Efetivamente, “de todas as relações entre os homens […] nenhuma prende de maneira mais forte do que o vínculo do Matrimônio […] [e Deus quis assim] dar uma imagem dar uma imagem de Sua íntima e estreita união com a Igreja, de Seu imenso amor para conosco” (CATECISMO ROMANO, 1962: 333). Por isso, como nos ensina sinteticamente o Catecismo (796):
A unidade de Cristo e da Igreja, Cabeça e membros do Corpo, implica também a distinção entre ambos, numa relação pessoal. Este aspecto é, muitas vezes, expresso pela imagem do esposo e da esposa. O tema de Cristo Esposo da Igreja foi preparado pelos profetas e anunciado por João Batista. O próprio Senhor Se designou como “o Esposo” (Mc 2, 19). E o Apóstolo apresenta a Igreja e cada fiel, membro do seu Corpo, como uma esposa “desposada” com Cristo Senhor, para formar com Ele um só Espírito. Ela é a Esposa imaculada do Cordeiro imaculado que Cristo amou, pela qual Se entregou “para a santificar” (Ef 5, 26), que associou a Si por uma aliança eterna, e à qual não cessa de prestar cuidados como ao Seu próprio Corpo.
E conclui Santo Agostinho (apud CIC, 796):
Eis o Cristo total, Cabeça e Corpo, um só, formado de muitos […]. Quer seja a Cabeça que fale, quer sejam os membros, é Cristo que fala: fala desempenhando o papel de Cabeça (ex persona capitis), ou, então, desempenhando o papel do Corpo (ex persona corporis). Conforme ao que está escrito: “Serão os dois uma só carne. É esse um grande mistério; digo-o em relação a Cristo e à Igreja” (Ef 5, 31-32). E o próprio Senhor diz no Evangelho: “Já não são dois, mas uma só carne” (Mt 19, 6). Como vedes, temos, de algum modo, duas pessoas diferentes; no entanto, tornam-se uma só na união esponsal […] “Diz-se ‘Esposo’ enquanto Cabeça e ‘esposa’ enquanto Corpo”.
Efetivamente o matrimonio entre o homem e a mulher não é senão “um mistério, quer dizer um sinal sagrado daquele vínculo sacratíssimo que une Cristo Nosso Senhor à Igreja” (CATECISMO ROMANO, 1962: 333).
Assim, devemos considerar o matrimônio sacramental como um símbolo desta sublime união, e não o contrário, pois o mais alto é o esponsal de Cristo com a Igreja, simbolizado na união matrimonial natural elevada à categoria de sacramento, como assevera Sertillanges (1946: 268-269, tradução nossa):
São Paulo nos diz que [o matrimônio] significa a união de Cristo com a Igreja, e que, em conseqüência, tende, quanto nele está, a garantir os efeitos desta união e a causa disto é um grande sacramento. […] Há nele um símbolo, posto que a doação recíproca dos esposos com objeto de formar uma vida completa é a imagem da união, mais ampla, de toda a humanidade com seu Redentor.[5]
Esta eloqüente aplicação da referida figura nos pode fazer bem entender o valor dos atos da Igreja e quanto têm de aceitável e agradável à Divina Majestade como os de uma esposa amantíssima e perfeita (RAMIREZ, 1973: 1139).
MONTOJO MAGRO, Ignacio et all. O fundamento teológico da eficácia dos sacramentais. Centro Universitário Ítalo Brasileiro – Curso de Teologia. São Paulo, 2009. p. 35-37.