Mons. João Clá Dias, EP
O Evangelho de São João, apresenta Cristo enquanto luz, vida e verdade, que se revela aos homens submersos nas trevas da ignorância e do pecado, e através dessa revelação, eleva-os à contemplação dos misteriosos e infinitos horizontes sobrenaturais da fé. Vemos, assim, o quanto é densa de significação essa aproximação que São João faz a respeito de vida e luz. Por outro lado, podemos deduzir até que ponto o pólo oposto estaria colocado na morte e trevas, não no sentido de que se possa considerá-las como uma potência incriada e em luta contra Deus como desejariam os maniqueus, ou os gnósticos, por exemplo. Mas de fato inteiramente aplicáveis aos que se blindam em relação à luz, ou seja, à Palavra de Deus, e depois de se lançarem nas trevas, acabam por conferir a morte ao seu espírito.
Se a vida se torna tal só quando se reconhece chamada por Deus e só nesta compreensão — de ser “luz” — é vida, é necessário que tenha também a possibilidade de recusar tal compreensão e tornar-se “trevas”. Trevas em S. João não significa, como no gnosticismo, uma substância eterna e contrária a Deus; mas é um ato histórico, isto é, a revolta que perpassa toda a história do homem contra o apelo da palavra divina e o fechar-se do homem em si mesmo. Por isso a condição do homem fechado em si e que procura manter essa orgulhosa auto-suficiência é caracterizada por João como matar a verdade e ser mentiroso (8, 30-47), buscar a glória (isto é, a luz aparente) dos homens em vez da glória (a verdadeira luz) de Deus (5,44; 7,18; 12,43)[1].
Em contraste com as “trevas”, compreendemos ainda melhor a pulcritude da “luz”, como também o porquê da afirmação de Jesus: “O teu olho é a luz de teu corpo. Se o teu olho for simples, todo o teu corpo será luminoso” (Mt 6, 22). De fato, pode-se assegurar que se teu olho é simples, teu interior será luminoso. Se tua intenção é reta, teu interior estará penetrado de luz. Se teu coração é puro, verá as coisas como realmente são. Assim, ter o interior luminoso significa ver as coisas em sua verdadeira luz, apreciá-las segundo seu justo valor, de dentro do prisma da eternidade e em função de suas relações com o Verbo de Deus.
Ao se perguntar Santo André de Creta, bispo, em seu sermão de Domingo de Ramos:
“Que luz é esta?”, respondeu logo a seguir com toda clareza: “Só pode ser aquela que ilumina a todo homem que vem ao mundo (cf. Jo 1,9). A luz eterna, luz que não conhece o tempo e revelada no tempo, luz manifestada pela carne e oculta por natureza, luz que envolveu os pastores e se fez para os magos guia do caminho. Luz que desde o princípio estava no mundo, por quem foi feito o mundo e o mundo não a conheceu. Luz que veio ao que era seu, e os seus não a receberam”[2].
Aí está esse Deus que “habita uma luz inacessível” (1 Tm 6, 16) na realização de Seu eterno desejo de comunicar Sua própria vida, “a luz dos homens” (Jo 1, 4). E daí se entende o porquê de os homens, quando abraçam o pecado, fecharem os olhos à luz procedente do Verbo, Vida de nossa vida, Luz de nossa inteligência. À salvação, prefere o pecador as desordenadas trevas de suas paixões, de suas más inclinações.
Aquela vida é a luz dos homens, mas os corações insensatos não podem compreendê-la, porque seus pecados não lhes permitem; e para que não suponham que essa luz não existe, pelo fato de que não podem vê-la, prossegue: “A luz resplandeceu nas trevas, e as trevas não a compreenderam”. Por isso, irmãos, assim como o homem cego colocado diante do sol, embora estando em sua presença, se considera como ausente dele, dessa maneira todo insensato, todo iníquo, todo ímpio é cego de coração. Está diante da sabedoria, mas como um cego, seus olhos não a podem enxergar: ela não está longe dele, mas ele é quem está longe dela[3].
[1] RATZINGER, Joseph. Dicionário de Teologia, de Heinrich Fries – III vol. – pág. 207 – Edições Loyola – São Paulo – 1987).
[2] Liturgia das Horas, Vol. II, tradução para o Brasil da 2ª edição, 1999, Editoras Vozes, p. 366
[3] AUGUSTINOS, In Evangelium Ioanenis Tractatus Centum Viginti Quatro, § 18-19. Disponível em <htpp://www.sant-agostino.it/latino/comento_vsg/index2.htm>. Acesso em: 24 jun. 2007. Tradução nossa.