Mons. João Clá Dias, EP
O novo tipo de humanismo que nega a Deus e a religião,1 engendrado pelo secularismo atual, afeta uma boa parcela do mundo contemporâneo, bem como suas mais diversas atividades. Torna-se indispensável, por essa razão, que a influência da Igreja volte a permear o âmago da sociedade e da cultura. Eis a tarefa designada pelos Papas como a “Consecratio Mundi”, ou seja, influenciar as realidades temporais com o espírito cristão, uma verdadeira sacralização do mundo. São muito expressivas as palavras de Pio XII a esse respeito: “As relações entre a Igreja e o mundo exigem a intervenção dos apóstolos leigos”. Essa “é, no essencial, obra dos próprios leigos, de homens que estão intimamente entremeados à vida econômica e social, que participam do governo e das assembleias legislativas”. 2
Em numerosas ocasiões, o Servo de Deus João Paulo II destacou a importância da evangelização nos meios culturais. Através da Exortação Apostólica Christifidelis laici aquele saudoso Papa abordou de modo particular a sua urgência pastoral:
Perante o progresso de uma cultura que aparece divorciada não só da fé cristã mas até dos próprios valores humanos, bem como perante uma certa cultura científica e tecnológica incapaz de dar resposta à premente procura de verdade e de bem que arde no coração dos homens, a Igreja tem plena consciência da urgência pastoral de se dar à cultura uma atenção toda especial.
Por isso, a Igreja pede aos fiéis leigos que estejam presentes, em nome da coragem e da criatividade intelectual, nos lugares privilegiados da cultura, como são o mundo da escola e da universidade, os ambientes da investigação científica e técnica, os lugares da criação artística e da reflexão humanística. Tal presença tem como finalidade não só o reconhecimento e a eventual purificação dos elementos da cultura existente, criticamente avaliados, mas também a sua elevação, graças ao contributo das originais riquezas do Evangelho e da fé cristã (n. 44).
Com efeito, a “Consecratio Mundi” possui importância capital em ordem à salvação das almas e ao combate aos erros do secularismo. Uma evangelização eficaz não se pode limitar à sua mínima expressão, fazendo com que as pessoas peçam os Sacramentos e se arrependam de seus pecados à hora da morte, o que de si já seria uma conquista de inestimável valor.
Urge que os fiéis conformem suas existências às promessas do batismo. Mais que isso, é necessário que a vida, inclusive na sociedade temporal, seja uma preparação, um “noviciado” para a vida eterna.3 Para tanto, faz-se indispensável que a sociedade esteja impregnada do espírito cristão, de forma a facilitar a prática da virtude, pois, é esse o fim da vida em sociedade.
A vontade de Deus com respeito ao mundo é que os homens, em boa harmonia, edifiquem a ordem temporal e a aperfeiçoem constantemente. Todas as realidades que constituem a ordem temporal — os bens da vida e da família, a cultura, os bens econômicos, as artes e profissões, as instituições políticas, as relações internacionais e outras semelhantes, bem como a sua evolução e progresso — não só são meios para o fim último do homem, mas possuem valor próprio, que lhes vem de Deus, quer consideradas em si mesmas, quer como partes da ordem temporal total: «E viu Deus todas as coisas que fizera, e eram todas muito boas» (Gn 1, 31). Esta bondade natural das coisas adquire uma dignidade especial pela sua relação com a pessoa humana, para cujo serviço foram criadas. Finalmente, aprouve a Deus reunir todas as coisas em Cristo, quer as naturais quer as sobrenaturais, «de modo que em todas Ele tenha o primado» (Col 1, 18) (AA, n.7).
in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 10, Jan-Mar 2010. p. 13-14.
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1 “A Igreja ensina que a vida terrena deve ser comparada a um noviciado. O noviço deve adquirir os conhecimentos e as virtudes que o tornem apto para a vida religiosa. O homem deve adquirir na vida terrena os conhecimentos e as virtudes que o tornem apto para o Céu” (CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Ministerialidade da ordem temporal em relação à Igreja. Artigo não publicado, 1950 (Arquivo pessoal do Autor).
2 A este respeito, ver tanto a Gaudium et Spes n. 7, quanto a Fides et Ratio n. 46.
3 Discurso aos participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, Documentos pontifícios, 2 ed. no. 127. Petrópolis: Vozes, 1960. p. 18.