A verdade deve ser buscada na Igreja de Cristo

Pe. Antônio Guerra, EP

A Verdade que o homem procura por conaturalidade ― e também por obrigação moral ― não pode ser procurada em qualquer lugar, pois não a encontraria. A verdade deve ser procurada onde ela se encontra. Ela é única, insubstituível, e deve corresponder aos anseios mais profundos do ser humano. Depois da Encarnação do Verbo, a verdade deve ser buscada na Igreja fundada por Jesus Cristo Nosso Senhor. Ele que é a Verdade, deixou-nos a Igreja como sacramento de santificação, a qual, como mãe amorosa e paciente, ensina o homem a chegar até a Verdade íntegra e incomensurável, Jesus, filho de Maria.

Conhecida a Verdade em sua Igreja, o homem tem o direito e a obrigação de abraçá-la e segui-la. Entretanto, deve-se recordar as dificuldades decorrentes da natureza limitada do homem e dos desfiguramentos oriundos do pecado original. Já antes da queda de nossos primeiros pais, o homem não conseguiria chegar totalmente a esse conhecimento da verdade a não ser com a ajuda divina. São Tomás é muito claro ao tratar da hipótese de o homem ter sido criado em estado de pura natureza, sem a graça

O homem em estado de integridade ordenava o amor de si mesmo ao amor de Deus como seu fim, e outro tanto com o amor que tinha às demais coisas. E assim amava a Deus mais que a si mesmo e por cima de tudo. Mas no estado de natureza decaída o homem fraqueja neste terreno, porque o apetite da vontade racional, devido à corrupção da natureza, se inclina ao bem privado, enquanto não seja curado pela graça divina. Devemos, pois, concluir que o homem, em estado de integridade, não necessitava de um dom gratuito acrescido aos bens de sua natureza para amar a Deus sobre todas as coisas, ainda que necessitasse do impulso da moção divina. Mas no estado de corrupção necessita o homem, inclusive para lograr este amor, do auxílio da graça que cure sua natureza[1].

Nessa hipótese que o homem tivesse sido criado sem a graça ― a qual lhe tivesse sido concedida depois ― “em estado de natureza íntegra” não precisava da graça para amar a Deus mais do que a si mesmo, pois esse amor, já o vimos, é conatural ao homem.

Ele precisava, porém, do impulso da moção divina”[2] para chegar a amar ao Criador mais do que a si mesmo. Esse amor a Deus sobre todas as coisas o homem o praticava sem o auxílio da graça. Bastava a ele certo auxílio de Deus.

Porém, no estado de natureza corrompida pelo pecado original, o homem, para ter esse amor a Deus mais do que a si mesmo, precisa do auxílio da graça, que: “cure sua natureza[3]. Sem a divina graça o homem (batizado ou não) muito dificilmente (quiçá seja impossível) encontrará em si forças para procurar a Verdade e amar inteiramente o Bem.


[1] Suma Teológica I-II q. 109, a. 3 co.

[2] Suma Teológica I-II q. 109, a.3 co.

[3] Ibidem.

O Temporal e o Espiritual na Sociedade

bento-e-presidente            Diác. José Victorino de Andrade, EP 

 

 

            Seria um erro pensarmos que a esfera temporal e a espiritual se redundam numa só, sobretudo pelos diferentes domínios que envolvem o Estado e a Religião, conforme afirmou o Papa Bento XVI, na sua viagem à França:

 

Parece-me evidente que hoje a laicidade por si mesma não está em contradição com a fé. Aliás, diria que é um fruto da fé, porque a fé cristã desde o início era uma religião universal, portanto, não identificável com um Estado, uma religião presente em todos os Estados e diferente dos Estados. Para os cristãos foi sempre claro que a religião e a fé não estão na esfera política, mas colocam-se noutra esfera da vida humana… A política, o Estado não é uma religião mas uma realidade profana com uma missão específica.[1]

 

            Várias vezes ele se referiu à sã laicidade, quer na visita feita aos EUA quer na visita à França; E chegou mesmo a advertir, ainda que: “onde a política quer ser redenção, ela promete demasiado. Onde pretende fazer a obra de Deus, não se torna divina, mas demoníaca”.[2] Não quer isto dizer que o Estado não tenha um papel na sacralização da sociedade e que esse papel pertença exclusivamente à Igreja. “Ambas as realidades devem estar abertas uma à outra”.[3]

            De acordo com José Ferrater Mora,

 

Aristóteles foi o primeiro a afirmar que a sociedade organizada num Estado tem de proporcionar a cada um dos membros o necessário para o seu bem-estar e felicidade como cidadãos. […] Foi, contudo, S. Tomás que o esclareceu amplamente (SUMA TEOLÓGICA), ao afirmar que a sociedade humana como tal tem fins próprios que são “fins naturais”, que há que atender e realizar. Os fins espirituais e o bem supremo não são incompatíveis com o bem comum da sociedade como tal; pertencem a outra ordem. Há que estabelecer como se relacionam as duas ordens mas sem destruir uma delas.[4]

 

            Ora, cabe ao Estado a assistência aos fins naturais da sociedade humana, enquanto os fins sobrenaturais parecem pertencer a outra ordem. Porém, elas relacionam-se, não se devem repelir, pois possuem ambos um fim sacral, conforme esboçou Corrêa de Oliveira:

 

O fim da sociedade e do Estado é a vida virtuosa em comum. Ora, as virtudes que o homem é chamado a praticar são as virtudes cristãs, e destas a primeira é o amor a Deus. A sociedade e o Estado têm, pois, um fim sacral. Por certo é à Igreja que pertencem os meios próprios para promover a salvação das almas. Mas a sociedade e o Estado têm meios instrumentais para o mesmo fim, isto é, meios que, movidos por um agente mais alto, produzem efeito superior a si mesmos.[5]

           

            A Igreja, reconhecendo todas as instituições que de alguma forma a auxiliam e se ordenam ao mesmo fim, procura a harmonia e aceita de braços estendidos a cooperação, para bem das almas, conforme afirmou João Paulo II:

 

Ao desempenhar a própria missão, de ordem espiritual, e sempre desejosa de manter o maior respeito pelas necessárias e legítimas instituições de ordem temporal, a Igreja nunca deixa de apreciar e alegrar-se com tudo aquilo que favorece a vivência da verdade integral do homem; não pode não congratular-se com os esforços que se envidam para tutelar e defender os direitos e liberdades fundamentais de cada pessoa humana; e rejubila e agradece ao Senhor da vida e da história, quando planificações e programas – de caráter político, econômico, social e cultural – são inspirados no respeito e amor da dignidade do homem, em demanda da “civilização do amor”.[6]

 

            E se este entendimento por vezes não existiu, não foi por desdém da Santa Sé em trabalhar por soluções conjuntas, mas porque estariam envolvidas questões que custariam ao Catolicismo uma transigência que jamais poderia aceitar, por serem contrárias à sua missão sobrenatural ou aos seus princípios mais básicos.

 

 

VICTORINO DE ANDRADE, José. A Igreja e o Verdadeiro Progresso: Sacralização e Pleno Desenvolvimento no mundo contemporâneo. 17 f. Trabalho (Mestrado em Teologia Moral) – UPB, 2009. p. 7 e 8.
 

[1] Entrevista concedida pelo Santo Padre aos jornalistas durante o voo para a França, 12 de Setembro de 2008. Presente em http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2008/september/documents/ hf_ben-xvi_spe_20080912_francia-interview_po.html. Último acesso em 23/02/2009

[2] Ratzinger, Joseph. Fé, Verdade, Tolerância. Traduções UCEDITORA: Lisboa, 2007. P. 105-106

[3] Idem.

[4] FERRATER MORA, José. Dicionário de Filosofia. Tradução de António José MASSANO; Manuel PALMEIRIM. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1978. p. 30-31.

[5] RCR, op. cit. 2. C

[6] Discurso do Papa João Paulo II aos Membros do Governo Português. 12 de Maio 1982