Ao narrar a obra dos seis dias, o Gênesis trata de duas criações de luz, uma no primeiro, outra no quarto dia. Numa primeira leitura, fica-se perplexo diante dessa repetição e, às vezes, chega-se até a imaginar a existência de algum lapso da parte do escritor sagrado. Entretanto, São Tomás trata com sabedoria sobre o aparente equívoco dessa passagem da Escritura, e com base na opinião de Santo Agostinho, interpreta a primeira das luzes criadas como significação do universo angélico surgido da onipotente ação de Deus, na aurora de sua ação ad extra: “Portanto, a formação da natureza espiritual é significada na criação da luz, para que se entenda que se trata da luz espiritual. A formação, pois, da natureza espiritual está em ser iluminada para aderir ao Verbo de Deus”[1]. A outra luz, constituída pelo sol, pela lua e pelas estrelas com a finalidade de iluminar a terra, foi adequadamente criada no quarto dia, pois “a luz mencionada no primeiro dia era espiritual, agora é feita a luz corporal”[2].
Porém, não é a respeito dessas luzes que São João trata na introdução de seu Evangelho. Para nos mostrar a substância e beleza de uma outra luz, infinitamente superior, ele ultrapassa os estreitos limites do tempo e recua aos infinitos horizontes da eternidade. “Enquanto os demais Evangelistas começam pela Encarnação, São João, indo além da Concepção, da Natividade, da educação e do desenvolvimento de Jesus, fala-nos de sua eterna geração, dizendo: ‘No princípio era o Verbo’”[3]. Esse princípio diz respeito ao ab æterno das Pessoas da Santíssima Trindade e do próprio Deus.
In: Lumen Veritatis, n. 2.