Os novos carismas na Igreja

José Manuel Jiménez AleixandreEncontro

Todo o novo carisma é passível de conflitos, já que vem ao encontro, ou às verdades do Evangelho esquecidas,[1] ou a manifestações da vida cristã nunca vistas.[2] Isso é motivo de desentendimentos com a autoridade hierárquica, posta pelo mesmo Cristo Jesus, seu fundador, para reger o Povo de Deus.

            O documento Mutuae relationes, em 1978, relembrava esta verdade, tantas vezes esquecida:

Todo carisma autêntico traz consigo certa dose de genuína novidade na vida espiritual da Igreja, bem como de particular operosidade que poderá talvez mostrar-se incômoda no ambiente e também criar dificuldades, pois não é fácil reconhecer sempre e logo sua proveniência do Espírito (n. 12).   

   É da competência da autoridade hierárquica “discernir os carismas”,[3] e para isso existem meios intelectuais, técnicos, pessoais e, acima de tudo, a graça própria ao seu oficio pastoral, ao qual o próprio Cristo confiou a tarefa do juízo.[4] Reconhecer ou discernir, todavia, não quer dizer estar na origem. Há outro, que não o hierarca, que viu primeiro.

 


[1] Numa conferência em 1998, no Congresso dos Movimentos, RATZINGER referiu-se algumas vezes à “vontade de viver radicalmente o Evangelho no seu todo”, característica dos movimentos. Desde Antão a Francisco, Bento a Inácio, todos os “novos” procuram combater “uma ideia angustiada e empobrecida da Igreja, pela qual se absolutiza a estrutura da igreja local, que não pode tolerar o novo conceito de anunciadores”, que reclama pelo Evangelho esquecido.

[2] O P. Jesús CASTELLANO, em Carismi per il terzo millenio, mostra, com base em Santa Teresa de Ávila, e na filosofia da linguagem, como o “sinal de uma nova experiência espiritual e social é a criação de uma nova linguagem” (grifo meu), e entre outros, cita as palavras de Santa Teresa na sua Vita sobre a dificuldade em exprimir adequadamente aquilo que ela via de novidade na fé: “Ó Deus meu, que pudesse ter a compreensão (entendimento) e a cultura (letras) e novas palavras para colocar à luz (encarecer) a vossa obra como a entende a minha alma” (Vita, 25, 17). A novidade que a mística percebia sobre a Igreja e sobre as almas exigia uma palavra nova, porque aquela em uso era incapaz de exprimir a sua experiência (op. cit., 82. grifo meu).

[3] De singular relevo a LG: “Estes carismas, quer sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com ação de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja. […] e o juízo acerca de sua autenticidade e reto uso, pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom (n. 12). […] Os sagrados pastores […] seu cargo sublime consiste em pastorear de tal modo os fiéis e de tal modo reconhecer os seus serviços e carismas, que todos, cada um segundo o seu modo próprio, cooperem na obra comum” (n. 30) (grifo meu).

[4] S. Paulo exorta aos tessalonicenses a respeitar a autoridade hierárquica e a “não apagar o espírito nem desprezar a profecia” (1Ts 5, 19-21). O Concílio, por meio da AA 3, retoma este ensinamento: “A recepção destes carismas, mesmo dos mais simples, […] e, simultaneamente, em comunhão com os outros irmãos em Cristo, sobretudo com os próprios pastores; a estes compete julgar da sua autenticidade e exercício ordenado, não de modo a apagarem o Espírito, mas para que tudo apreciem e retenham o que é bom” (cf. 1 Ts 5, 12; 19; 21. Grifo meu).