La forma y raíz de la amistad: el amor

Pe. Aumir Scomparinpensadores

El amigo, no solamente es elegido porque es el mejor, sino que también es el que está más unido a nosotros. Por lo tanto, es una realidad más propicia para el amor, y por lo mismo el amor a esa realidad es mejor[1].

Santo Tomás de Aquino refiriéndose al libro IX de la Ética nos dice: “la amistad que se tiene para el otro viene de la amistad que el hombre tiene para sí mismo”, a saber, el hombre se tiene para con el otro como para consigo mismo[2]. Más adelante afirma Santo Tomás que: “está el testimonio de la Escritura: ‘amarás a tu amigo como a ti mismo’ (Lev. 19, 18). Y como al amigo le amamos por caridad, por caridad debemos amarnos también a nosotros mismos’”[3].

Existe en el hombre una verdadera necesidad de la amistad. El hombre es un ser sociable. Este instinto está tan arraigado en él, que aunque se bastase a sí mismo y fuese independiente, necesitaría igualmente tener amigos que sean como otros él mismo, tanto para conocerse a sí mismo en el amigo como para satisfacer su necesidad de hacer el bien a los demás.

Por eso, Aristóteles nos dice que aunque una persona tenga todos los bienes en abundancia y se baste completamente a sí misma, tiene de todos modos necesidad de amar, y estas afecciones sólo son posibles con la amistad.

Así como cuando queremos ver nuestro propio semblante nos miramos en un espejo, así cuando queremos conocernos sinceramente, es preciso mirar a nuestro amigo, en el cual podemos vernos perfectamente, porque mi amigo, repito, es otro yo. Si es tan grato conocerse a sí mismo, y si no se puede con esto sin otro, que sea vuestro amigo, el hombre independiente tendrá cuando menos necesidad de la amistad para conocerse a sí mismo. Además, si es una cosa hermosa, como en efecto lo es, derramar en tomo suyo los bienes de la fortuna que se poseen, se puede preguntar: careciendo de amigo, ¿a quién podrá el hombre independiente hacer bien? ¿Con quién vivirá? Ciertamente no vivirá solo, porque vivir con otros seres semejantes a él es, a la vez, un placer y una necesidad. Si todas estas cosas son a la par bellas, agradables y necesarias, y si para tenerlas es indispensable la amistad, se sigue de aquí que el hombre independiente, por mucho que lo sea, tiene necesidad de la amistad[4].

Escribió San Dionisio que el amor es un poder unitivo, es por eso que la razón común de la amistad, entraña cierta unión, pues cada uno tiene en sí mismo una unidad superior a la unión. El amor con que uno se ama a sí mismo es forma y raíz de la amistad, así como la unidad es principio de unión. Aristóteles nos dice que lo amistoso para con otro proviene de lo amistoso para con uno mismo.

Para el Dr. Angélico, el objeto propio del amor es el bien. El amor surge de una cierta connaturalidad o complacencia del amante con el amado, porque es bueno para la persona lo que le es connatural y proporcionado:

Es preciso, pues, que aquello que es objeto del amor sea propiamente la causa del amor. Ahora bien, el objeto propio del amor es el bien, porque, como se ha dicho (q.26 a.1 y 2), el amor importa cierta connaturalidad o complacencia del amante con el amado, y para cada uno es bueno lo que le es connatural y proporcionado. Por consiguiente, se da por sentado que el bien es la causa propia del amor[5].

El Bien en su esencia es Dios, por tanto, hace parte de la naturaleza de la caridad la amistad del hombre con Dios y con todas las cosas de Dios, dentro de las cuales está el propio hombre. Por eso, el hombre debe por caridad amarse a sí mismo[6].

SCOMPARIN, Aumir. LA AMISTAD. Universidad Pontificia Bolivariana – Escuela de Teología, Filosofía y Humanidades. Licenciatura Canónica en Filosofía. Medellín, 2009. p. 44-46.


[1] S. Th., 2ª 2ª q.27, a.7

[2] Ibid., 1ª 2ª q.99, a.1, ad.3

[3] Ibid., 2ª 2ª q.25, a.4

[4] ARISTÓTELES, La gran moral, p. 103. L. II, cap. 17.

[5] S. Th. 1ª 2ª q.27, a.1.

[6] Ibid., 2ª 2ª q.25, a.4.

Os aspectos espirituais da sociedade temporal favorecem a contemplação

tibidaboMons. João S. Clá Dias, EP

Encontra-se generalizada a ideia de que a sociedade temporal existe apenas para satisfazer as necessidades materiais do homem. Ora, este é composto de alma e corpo, no qual o espírito ocupa a primazia.[1] Por isso, a sociedade temporal deve também atender aos anseios espirituais da alma humana, embora o aspecto sobrenatural pertença ao âmbito exclusivo da Igreja. O homem é, por natureza, um ser contemplativo, pois está destinado a ver a Deus face a face na eternidade. Portanto, já nesta vida ele deve exercitar essa capacidade, reconhecendo os reflexos de Deus na obra da Criação e, mais ainda, nos outros homens, que são a imagem mais perfeita do Criador no universo visível.

O homem poderá desenvolver a capacidade contemplativa, com maior grau de perfeição, no convívio humano e na consideração dos bens mais elevados que são o resultado da vida social, quer sejam os ambientes, a arte, a cultura e a civilização. Estes são elementos caracteristicamente espirituais produzidos pela sociedade temporal, e que grande influência têm sobre a alma humana. Animando com o espírito cristão as realidades temporais, objeto da contemplação mais imediata do homem, a alma humana terá muito mais facilidade de se elevar até as verdades da Fé. Dessa forma, a intimidade com Deus não se restringe apenas a determinados momentos reservados às obrigações religiosas, mas se estende a todo o operar humano, tal como a respiração não se interrompe em nenhum momento da existência. Ela é natural, sem esforço, contínua e aprazível.

A doutrina do Concílio Vaticano II, expressa no Decreto Apostolicam Actuositatem, é igualmente clara ao ressaltar a importância da esfera temporal no plano salvífico de Deus:

 

A obra redentora de Cristo, que por natureza visa salvar os homens, compreende também a restauração de toda a ordem temporal. Daí que a missão da Igreja consiste não só em levar aos homens a mensagem e a graça de Cristo, mas também em penetrar e atuar com o espírito do Evangelho as realidades temporais. Por este motivo, os leigos, realizando esta missão da Igreja, exercem o seu apostolado tanto na Igreja como no mundo, tanto na ordem espiritual como na temporal. Estas ordens, embora distintas, estão de tal modo unidas no único desígnio divino que o próprio Deus pretende reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, dum modo incoativo na terra, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã. (AA, n. 5)

É importante salientar aqui como o Concílio Vaticano II, ainda nos dias em que o assunto não havia adquirido o devido destaque nos meios eclesiais, deu novo impulso ao papel dos leigos na Igreja. Nele se anteciparam os imensos desafios que o terceiro milênio reservava. Com efeito, um deles é a “Consecratio Mundi”. Quase se poderia dizer, caso a Igreja não fosse imortal, ser essa uma questão de vida ou morte. Se no século XXI a Igreja não conseguisse influenciar as realidades temporais com o espírito cristão, os erros e a mentalidade secularista desta época poderiam, em certa medida, dessacralizá-la.

Diante dessa perspectiva, compete aos leigos zelar para que os ambientes, a arte, os costumes, as leis e as instituições, de alto a baixo na escala social, estejam todos impregnados do espírito cristão de forma que a obra redentora de Cristo produza também seus efeitos na esfera temporal. Deverá ela refletir, a seu modo, a luz e o esplendor daquele que subiu aos céus para “levar tudo à plenitude” (Ef 4, 10).

 


[1] Cf. ARISTÓTELES. De Anima. L. II, lição IV. In: SÃO TOMÁS DE AQUINO. Comentario al libro del alma de Aristóteles. Buenos Aires: Fundación Arché, 1979, p. 170.

Costumes pagãos entre os cristãos do Séc. V: Soluções e propostas nos Sermões de São Leão Magno

Diác. José de Andrade, EP

Leão MagnoVida e obra

            São Leão Magno (400-461),[1] Papa e Doutor da Igreja de personalidade vigorosa, nasceu em Toscana e foi educado em Roma onde se distinguiu por suas iniciativas junto ao clero desta cidade, mesmo antes de aceder ao pontificado. Foi conselheiro sucessivamente dos papas Celestino I (†432) e Xisto III (†440) e foi muito respeitado como teólogo e diplomata. Como Papa, reinou durante 21 anos e foi o primeiro que recebeu o título de Magno (grande).

            Em sua atuação no plano político, a História registrou e imortalizou suas duas intervenções: fragilizado Valentiniano III, Imperador Romano, sem forças, idade e credibilidade para enfrentar as hordas inimigas, foi o Papa São Leão Magno quem interveio junto a Átila, rei dos Hunos, em 452, garantindo o recuo de seu exército, e junto a Genserico, em 455, obtendo do líder militar dos Vândalos a garantia do respeito aos habitantes e igrejas de Roma, durante o saque realizado.

            Como teólogo, deixou-nos várias Cartas e Sermões,[2] tratando temas de cristologia e eclesiologia. Seu zelo pastoral, manifestado em suas pregações e cerimônias litúrgicas que transpiravam muita espiritualidade, foi excepcional.

            Tomou posição em uma série de conflitos disciplinares e doutrinários, em particular relativos ao pelagianismo e o maniqueísmo. Elaborou ainda uma Epístola Dogmática sobre o grave problema tratado no Concílio de Calcedônia, a condenação da heresia monofisita, o que provocou uma forte reação de adesão dos padres conciliares e a famosa proclamação unanime: “Pedro falou pela boca de Leão!”.

            Combateu também o paganismo, em meio à evangelização do Ocidente, problema que grassava na época quer fosse entre os Romanos ou entre os Bárbaros. Este foi um período extremamente difícil e um verdadeiro desafio para os Pontífices deste século. Bento XVI, em suas catequeses na audiência geral de quarta-feira, dedicou a São Leão Magno um belo pronunciamento, no qual destaca seu papel neste âmbito:

Os tempos nos quais viveu o Papa Leão eram muito difíceis: o repetir-se das invasões bárbaras, o progressivo enfraquecimento no Ocidente da autoridade imperial e uma longa crise social tinham imposto que o Bispo de Roma […] assumisse um papel de relevo também nas vicissitudes civis e políticas.

[…] Consciente do momento histórico no qual vivia e da transformação que se estava a verificar num período de profunda crise da Roma pagã para a cristã, Leão Magno soube estar próximo do povo e dos fiéis com a ação pastoral e com a pregação.[3]

 

            O Santo Padre salientou ainda na audiência a forma como o histórico Pontífice e Doutor da Igreja “contrastou as superstições pagãs”.[4] No período em que viveu São Leão Magno era costume, mesmo entre os cristãos, possuírem velhos costumes que não largavam com facilidade, tradições pagãs enraizadas que, mesmo após o batismo, tardavam em serem abandonadas.

           

O Problema do Paganismo

            Desde o Édito de Milão, em 313, os cristãos viveram em uma quase ininterrupta paz e prosperidade. Apenas a passagem de Juliano o apóstata tinha abalado o cristianismo com suas medidas que favoreciam o paganismo, equiparando em uma primeira etapa o culto aos deuses ao culto dos “galileus”, como ele apelidava, e promovendo a ereção de hospícios e albergues, movidos por princípios pagãos e promovidos pelo Estado, a fim de usar um princípio até então fundamentalmente cristão: a caridade.[5] A segunda etapa seria a perseguição e o silenciamento daqueles que adoravam um só Deus encarnado, morto e ressuscitado para a salvação de muitos.

            Morto Juliano, em 363, em uma célebre e desastrosa campanha contra os persas, e cessada a perseguição, o Cristianismo continuaria a florescer. Entretanto, com o passar do tempo e a virada do século, “os cristãos pouco habituados à luta haviam perdido o costume de combater e sucumbiam ao primeiro embate. Não tendo inimigos violentos que os obrigassem a viver atentos, muitos se tinham acostumado a uma vida mole e pouco cristã”.[6] Conta-nos também Daniel-Rops que a sociedade batizada, no início do séc. V já não tinha o vigor de outros tempos, pois “à medida que o cristianismo ia crescendo no meio de uma sociedade pagã, era-lhe mais difícil preservar-se da contaminação”.[7]

            O Papa São Leão Magno deparar-se-ia com esse joio que nascia em meio ao trigo, passando para a História a sua indignação ao ver os fiéis, antes de entrarem para o culto cristão no interior da primitiva edificação construída sobre o túmulo de São Pedro, saudando com costumeiro gesto ritual o sol invictus.[8] Sua indignação transparece de modo especial no Sermão 22, onde faz uma forte crítica contra aqueles que veneram os astros: “O coração desses homens está envolto em cujo coração está envolto em trevas, e eles são estranhos a todo o progresso da verdadeira luz, porque ainda seguem os erros mais estultos do paganismo”.[9]

            Verifica-se assim que, com verdadeiro zelo e solicitude pastoral, São Leão Magno servir-se-ia de um singular instrumento para instruir a comunidade cristã: seus sermões. Neles, exortava “o clero e os fiéis a viver o batismo imitando a Cristo, e à preservação na fé perante o perigo das heresias e dos costumes pagãos”.[10]

 

A importância dos Sermões em São Leão Magno[11]

            Nos primeiros séculos do cristianismo, o sermão assumia uma enorme importância não só na instrução e catequização dos membros da Igreja, como na própria evangelização e expansão do cristianismo. Transmitia um ensinamento dogmático ou moral e propunha uma firme adesão à fé, diferindo de certa forma da homilia na medida em que não se resumia apenas a uma exposição da mensagem contida nas escrituras. Entretanto, São Leão Magno fazia questão de incorporar a temática de seus sermões ao contexto litúrgico, enfatizando o aspecto soteriológico da cristologia e falando da presença de Cristo, Senhor e Salvador. O querigma assume, nos sermões do Pontífice, muito mais do que um mero pronunciamento histórico de um evento passado, mas o próprio anúncio da

 

morte e ressurreição de Cristo apresentado e vivido na fé pela comunidade como realidade presente: ação salvífica de Deus, em Cristo, por obra do Espírito Santo que está presente na “palavra” anunciada pelo apóstolo. Por isso, os ouvintes do querigma não podem permanecer indiferentes. São convidados a se converter e a crer. […] Por esta razão, São Leão se preocupa em apresentar a doutrina de maneira clara, mas firme, sempre de acordo com a tradição dos antepassados.[12]

 

            É notório observar em seus ensinamentos o atento respeito à Tradição, não só aos Padres da Igreja que o antecederam como, sobretudo, à autoridade das Sagradas Escrituras. No séc. V a Igreja possuía uma admirável riqueza doutrinária, um tesouro cada vez mais enriquecido pelos padres apologetas, doutores e santos, concílios e sínodos, entre disputas teológicas e decisões dogmáticas, reações a heresias e a excessos… São Leão Magno não era alheio a tudo isso e sabia a responsabilidade que lhe era inerente enquanto sucessor de Pedro. Ao mesmo tempo, em seu pontificado,

 

a Providência ia dotando o Papado do prestígio, da admiração e daquela força moral que viriam a ser, entre outros, os grandes recursos da Igreja. […] Não é sem uma razão providencial que santo Ambrósio por este tempo pôde escrever, Ubi Petrus, Ibi Ecclesia, e que de um sermão de Santo Agostinho pudesse ter sido extraída a famosa fórmula: Roma locuta, causa finita![13]

 

            Esta força e importância na Igreja é indiscutivelmente atribuída a São Leão, justificando inteiramente a nomenclatura de Magno, que São Gregório receberia mais tarde, constituindo assim o rol dos Pontífices que até nossos dias receberam esse título. Em seus escritos apresenta-se a força moral de um Papa, cujo exemplo de vida, linguagem “desassombrada” e ortodoxia de doutrina, elevá-lo-iam aos altares enquanto Santo, Padre e Doutor da Igreja.

            Os escritos que chegaram até nós são de uma clareza e elevação de linguagem características. Significativas também as cláusulas rítmicas e a cadência literária. Porém, não só o aspecto externo marcaria as suas intervenções, mas também sua “beleza mística”.[14]

            E não é por acaso que os seus sermões atravessaram os séculos. Organizados inicialmente pelo próprio autor e seus colaboradores, passaram a estar presentes em certo número de homiliarios e coleções reunidas e compiladas ao longo da história. O seu conteúdo foi usado nas mais variadas épocas litúrgicas ao longo dos tempos, o que constituiu, certamente, um dos principais agentes de transmissão.[15] 

 

Propostas contra o paganismo nos Sermões de São Leão Magno[16]

            Visando formar não só os neófitos, como também aqueles que eram já bem instruídos, São Leão Magno fazia questão de aproveitar as principais festas litúrgicas para acrescentar o “obséquio de sua palavra”.[17]

            Um dos principais pontos que o Pontífice pretendia chamar a atenção dos presentes na assembléia era a consideração da graça recebida com o Batismo, o que pressupunha largar o paganismo em que outrora viviam, e o ressurgir para uma vida nova, adorando um só Deus: “Pereça o que é velho, surja a novidade. […] ‘Ninguém pode servir a dois senhores’ (Mt 6, 24; Lc 16, 13)” (Sermão 71, 1). Estas alocuções visavam assim a integridade de todos os batizados, diante das solicitações do mundo e das insidias demoníacas, dando-se conta da condição de filhos de Deus e do resgate recebido pela morte de Jesus na Cruz:

 

Arrancados assim por tão alto preço e por tão grande mistério ao poder das trevas e libertados dos laços da antiga escravidão, tomai cuidado, caríssimos, para que o diabo não corrompa a integridade de vossas almas mediante algum artifício. Tudo o que vos foi inculcado contra a fé cristã, tudo o que vos for aconselhado em oposição aos mandamentos de Deus, tudo isso vem dos enganos do diabo: é ele que, por inúmeros artifícios, se esforça para vos desviar da vida eterna, aproveitando certas ocasiões ligadas à fraqueza humana, para fazer recair nos laços de sua própria morte as almas incautas e negligentes. Lembrem-se, pois, todos aqueles que foram regenerados pela água e pelo Espírito Santo, daquilo a que renunciaram […] (Sermão 52, 5)

 

            Esta consideração de que, uma vez membros da Igreja, somos portadores de uma vida nova que a todos chama à plenitude, leva São Leão Magno a considerar o inverso: aquele que se imiscui com os que andam nas trevas “se encontrará tanto mais próximo da morte quanto mais longe estiver da luz católica” (Sermão 47, 2). Desta forma, pretendia o Pontífice que aqueles que tivessem ingressado nos caminhos da verdade, não se deixassem aliciar por atrativos enganadores (Cf. Sermão 74, 5).

            Para ele, a força para trilhar os caminhos do Senhor e não olhar para trás viriam da Redenção, com a qual todos se deveriam configurar, e que impele à missão e à evangelização. A Cruz toma então um valor mais que simbólico para todos os cristãos. Significativas são as suas numerosas considerações neste âmbito; a título de exemplo:

“Como será a nossa participação na morte de Cristo, senão deixando de ser aquilo que fomos?” (Sermão 50, 1).

“Tomar a cruz é morte aos apetites, extinção dos vícios, fuga da vaidade, abdicação de todo o erro” (Sermão 72, 5)

“Confirme-se, segundo a pregação do sacratíssimo Evangelho, a fé de todos. Ninguém se envergonhe da cruz de Cristo, pela qual o mundo foi remido” (Sermão 51, 8).

            Entretanto, ensina os presentes a terem um amor pela Igreja e à fé na qual foram instruídos que os animasse a não vacilar na sã doutrina e nos costumes cristãos, voltando os olhos para os antigos cultos pagãos. Como vimos já anteriormente, uma das questões que mais preocupava São Leão Magno era o dos astros. Advertia ele em um dos sermões:

Caríssimos, quanto a vós, descendência santa de nossa mãe católica, que fostes instruídos pelo Espírito Santo de Deus na escola da verdade […] Não vos contamineis, pois, com o erro daqueles que maculam sobretudo sua observância, ‘que servem à criatura, ao invés do Criador’ (Rm 1, 25), dedicando uma abstinência tresloucada aos astros do céu: […] instituíram seu jejum para honrar ao mesmo tempo os astros e para desprezar a ressurreição do Senhor. Afastam-se assim, do mistério da salvação. […] e como para dissimular sua incredulidade, eles ousam penetrar em nossas assembléias […] (Sermão 42, 5).

 

            Notava São Leão Magno que alguns destes cultos pagãos se tinham infiltrado no seio da Igreja. Algumas medidas precisavam ser tomadas. Sem dúvida nenhuma, que a maior delas seria o exemplo e a integridade de vida, apoiados na vida sobrenatural e na piedade cristã. E a solução para estes problemas que minavam a Igreja encontrava-se na santidade dos católicos. E estes veriam na oração e no amor ao próximo um forte escudo e amparo contra o maligno, conforme ele confirma à assembléia dos batizados ao aconselhá-los que:

 

Todas as vezes que a cegueira dos pagãos os conduzisse com maior intensidade às suas superstições, o povo de Deus perseverasse ainda mais devotamente nas orações e nas obras de caridade. Pois, na verdade, quanto mais os espíritos imundos se alegram com o erro dos pagãos, tanto mais se sentem derrotados pela observância da verdadeira religião e, assim, o crescimento da justiça consome o autor da maldade (Sermão 8).

 

            Em seu 96º Sermão, também apelidado de Tratado contra a heresia de Êutiques, São Leão Magno revela a consciência que tem de seu ministério e de sua importância diante daqueles que queriam manchar a ortodoxia e a santidade da Igreja, e mostra-se preocupado com a imprescindível vigilância diante dos erros que surgiam: “O nosso ministério pastoral deve velar para que a deturpação da heresia não prejudique o rebanho do Senhor e mostrar como evitar a astúcia dos lobos e ladrões” (Sermão 96, 1). Entende-se deste modo porque, falecendo São Leão Magno em 461, o Papa Sérgio I reconheceria sua exemplaridade, compondo um apropriado epitáfio que o define como um verdadeiro e atento pastor: “A velar para que o lobo, sempre à espreita, não dizime o rebanho”.[18]

 Victorino de Andrade, José. Costumes pagãos entre os cristãos do Séc. V: Soluções e propostas nos Sermões de São Leão Magno. Mestrado en Teologia Moral. Universidad Pontificia Bolivariana, 2010.


[1] Para a história de São Leão Magno e respectivas datas baseamo-nos em BOGAZ, A.; COUTO, M.; HANSEN, J. Patrística: caminhos da tradição cristã. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2009. Também em GLAVAN, Arnóbio. História da Igreja. São Paulo: Curso São Tomás de Aquino – ITTA, 2003. Por fim, em DROBNER, Hubertus. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003.

[2] Conservam-se hoje 143 Cartas e 96 sermões considerados autênticos. Johannes Quasten confirma este número, embora levanta a possibilidade de mais um sermão (97) de acordo com a nova edição crítica de A. Chavasse. Apud INSTITUTO PATRISTICO AUGUSTINIANUM. Patrología. Dir. BERARDINO, Angelo. Madrid: BAC, 1993. p. 727-728.

[3] BENTO XVI. São Leão Magno. Audiência Geral – Sala Paulo VI. Quarta-feira, 5 de Março de 2008. In: <www.vatican.va>. Último acesso em 9 de jul 2010.

[4] Idem.

[5] Cf. LLORCA, Bernardino. Historia de la Iglesia Católica. 6. ed. Madrid: BAC, 2005. Vol. I. p. 420.

[6] Idem, p. 481.

[7] DANIEL-ROPS. A Igreja dos tempos Bárbaros. São Paulo: Quadrante, 1991. p. 253.  

[8] Idem, p. 254.

[9] Continuando a expressar sua indignação, São Leão Magno condena aqueles que “não conseguindo elevar os olhos do seu espírito acima do que contemplam com seus olhos corporais, honram com o culto reservado a Deus, os luminares colocados a serviço do mundo. Longe das almas cristãs essa superstição ímpia e essa mentira monstruosa. O sol, a lua e os astros são úteis para aqueles que sabem tirar proveito deles; são belos para aqueles que os olham, seja; mas, que, por motivo deles sejam dadas graças ao seu autor e que seja adorado Deus que os criou, não a criatura que O serve”. PATRÍSTICA. Leão Magno: Sermões. 2. ed. Tradução SCHIRATO, Sérgio et all. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. 6. p. 42.

[10] INSTITUTO PATRISTICO AUGUSTINIANUM. Patrología. Dir. BERARDINO, Angelo. Madrid: BAC, 1993. p. 721.

[11] Para este capítulo baseamo-nos, sobretudo, na introdução da obra PATRÍSTICA. Leão Magno: Sermões. 2. ed. Tradução SCHIRATO, Sérgio et all. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. 6.

[12] PATRÍSTICA. Leão Magno: Sermões. 2. ed. Tradução SCHIRATO, Sérgio et all. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. 6. p. 15.

[13] GLAVAN, Arnóbio. História da Igreja. São Paulo: Curso São Tomás de Aquino – ITTA, 2003. p. 25.

[14] Poderemos encontrar sintéticas, mas profundas análises da linguagem usada por São Leão em suas cartas e sermões nos estudos do INSTITUTO PATRISTICO AUGUSTINIANUM. Op. Cit. p. 726-729. Loquaz também a frase “Para sempre, a Igreja proclamará a beleza mística de seus sermões” em BOGAZ, A.; COUTO, M.; HANSEN, J. Op. cit. p. 199. Quanto à linguagem “desassombrada”, DANIEL-ROPS. Op. cit. p. 111, usa a expressão partindo da análise de uma carta do pontífice datada de 10 agosto 1446.

[15] Cf. INSTITUTO PATRISTICO AUGUSTINIANUM. Op. Cit. p. 728.

[16] Todas as citações dos sermões foram extraídas da versão portuguesa em PATRÍSTICA. Leão Magno: Sermões. 2. ed. Tradução SCHIRATO, Sérgio et all. São Paulo: Paulus, 2005. Vol. 6. Limitar-nos-emos a citar, doravante, a respetiva referência.

[17] Cf. Sermão 76, 1. Importante também aqui a frase que revela dirigir-se a todos: “Doutos e indoutos não menosprezem o serviço prestado por nossos lábios”.

[18] Apud DANIEL-ROPS. A Igreja dos tempos Bárbaros. São Paulo: Quadrante, 1991. p. 112-113.

Mirar la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto a la luz del documento de Aparecida

Pe. Mário Sérgio Sperche

Na Sra CoromotoIntroducción

Es con María que Dios genera los misterios revelados y con Ella logra que sean percibidos, y así se explica en este dominio la importancia de la Estética (campo de lo perceptible) y el símbolo (mediación dinámica) en el ámbito de la relación Teologia – Mariología.[1]

“Es de creer que Dios adornó a su Madre con una belleza del todo celestial y divina”.[2] Por su dignidad, se le tributa el culto de hiperdulía, superior a la dulía que se debe a los santos, e inferior a la adoración, latría, que se debe exclusivamente a Dios. Esta veneración tiernísima – la que merece – ha hecho que la devoción del Pueblo de Dios desarrollase una iconografía rica en relación a las verdades de la Revelación; y así, en relación a la Santa Madre de Dios. Se crearon formas y expresiones cromáticas que hablaban por sí mismas y se constituyeron catequesis a veces tan completas cuanto grandes discursos.

A muchas de las representaciones de la Santísima Virgen a lo largo de la historia, se le atribuyen milagros y conversiones sorprendentes. Esto ya constituye por sí mismo, un indicio del agrado que Dios encuentra en esas bien acertadas expresiones artísticas, para reflejar principios marianos y fructificar la devoción de los pueblos.

¿Y si Dios quisiese Él mismo hacer una obra de arte? – Efectivamente, Él emplea y respeta, por así decir, principios simbólicos que han sido utilizados durante siglos, y que, a fin de cuentas, fueron inspirados por Él mismo. Los ejemplos no faltan: Nuestra Señora de las Lajas en Colombia, Nuestra Señora de Guadalupe (en Méjico) o Nuestra Señora de Coromoto (en Venezuela).

En cuanto a esta última, decía Mons. Omar Cordero en su libro La Coromoto y Venezuela:

Todo lo que por la Biblia, el Magisterio, la Tradición y los Concilios sabemos de María, podemos aplicarla a la Coromoto, pues la advocación local o nacional no destruye la identidad total de la Gran Señora, sino que la conserva aplicando a las circunstancias determinadas toda la riqueza teológica del Misterio de María.[3]

Venerando esta imagen en el seminario de los Heraldos, teniéndola delante de nuestros ojos, en el corazón, y recordando los complejos momentos de la Venezuela de nuestros días, aprovechamos para enriquecer la piedad de los que se acercan a la Virgen con la profundidad de significados y riquezas teológicas que la adornan y que se espera resumir en este trabajo. Como decía el entonces cardenal Ratzinger:

La piedad mariana estará siempre en tensión entre racionalidad teológica y afectividad creyente. Pertenece a su esencia, y a Ella le incumbe precisamente no dejar atrofiarse ninguna de las dos: no olvidar en el afecto la sobria medida de la ratio, pero tampoco ahogar con la sobriedad de una fe inteligente al corazón, que a menudo ve más que la pura razón.[4]

 

Una bellísima Señora apareció a un cacique y se torna la evangelizadora de los venezolanos

Dios permitió que a un cacique se le apareciera la Virgen, hablando en su lengua, exhortándolo a ser bautizado y poder ir al cielo. Pero el corazón se le endurecio, como al Faraón delante de Moisés. El 8 de septiembre de 1652 se enfureció y lanzó a Ella, una piedra, pero la Bella Mujer desapareció. Entre tanto, su imagen graciosa y pequeña permaneció en un pequeño objeto  en la mano del indio. Reconocido el milagro, la devoción comienza a propagarse y el Episcopado Venezolano la decreta como Patrona en 1942, reconociendo los bienes “de tal prenda de maternal amor”, y los “favores dispensados a sus devotos”. De particular importancia es el punto 4 del mismo documento:

“Esta devoción ha reavivado visiblemente la fe cristiana en nuestros pueblos y se ha traducido en notable mejoramiento de las costumbres entre las multitudes creyentes”.[5]

Nuestra Señora de Coromoto ha tenido así una gran importancia en la evangelización de Venezuela; en cristianizar esa nación, no aplastando la cultura local, sino sublimándola, pues ésta es la función del evangelio y de María junto a todos los pueblos del mundo; y el documento de los obispos lo reconoce. Por lo tanto, no es motivo de admiración que sea llamada  “evangelizadora de los venezolanos”.[6]

 

Ver la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto a la luz del documento de Aparecida

En la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto

Se puede hablar, partiendo de las raíces históricas de nuestra evangelización, de la realidad, un principio eclesiológico mariano inculturado que matiza, promueve y desarrolla la continua renovación espiritual, pastoral de nuestro continente en plena correlación con la acción del Espíritu Santo en la historia.[7]

Es decir, que Dios ha querido presentarnos a su Madre de una forma entendible a los pueblos Americanos. Realmente, si aquel Niño es Dios, como ensañaban los misioneros, una pregunta que naturalmente se pone a los ojos de los habitantes de la América donde recién comienza la evangelización, es ¿Quién es la Madre? Y los ojos van naturalmente a la Señora que sirve de trono a aquel Niño. Nadie más sino su verdadera Madre, podría tener una dignidad a la altura de ser el pedestal sobre el cual se presenta a la divinidad. Este cuadro maravilloso nos hace entender que:

Ella misma visita este continente en las mariofanías de la primera evangelización

La Virgen está presente en la Imagen, de forma discreta por una parte, puesto que está en segundo plano, pero ella misma está sentada en un trono dorado y con corona, muestra de su realeza. En ésta postura, la catequesis americana puede fácilmente explicar que Ella no es Dios, el Niño sí, y a ella no se le debe atribuir adoración. Es por medio de la Virgen, que nos llega el mensaje de su Hijo. Según el documento de Aparecida:

La corona de la Virgen y del Niño, así como se pueden apreciar, son típicamente indígenas

Es decir, tanto Ella como Él poseen los atributos propios a quien tiene derecho a ceñir una corona. Y es por el gesto regio de ella, al presentarnos su Hijo, que se nos muestra el camino a ser seguido. Esta verdad, que ha permanecido inalterada durante siglos, la expresa de forma sintética el Cardenal de Caracas, Mons. Alí Lebrún, citado en el documento de Aparecida:

La Virgen es la gran misionera y la portadora de Cristo, y siempre en el Evangelio aparece trayéndonos a Cristo… De manera que, en el sitio de la aparición, la Virgen de Coromoto continuará cumpliendo esa misión de llevar las almas a Jesucristo, de reconciliar a los hombres con Dios, y de abrir su corazón de madre.

Según este documento, hay una simbología catequética que puede y debe ser hecha utilizando los elementos presentes en la Imagen de Coromoto y que constituyen una unión armoniosa, uniendo la gran familia cristiana y pasando por encima de razas, pueblos, naciones y períodos históricos

Esta presencia subyacente de la figura realizada de la Hija de Sión en la mariofanía de Coromoto, y confirmada en los textos litúrgicos propios, expresa la linearidad mariológica inter-testamentaria que confluye en lo eclesiológico: el paso desde la maternidad de Jerusalén, a la Maternidad de María, y de la maternidad de María a la maternidad de la Iglesia.

Volviendo la atención hacia Aquél que la Virgen nos presenta, nos deparamos con varios elementos pastorales que se deducen en la Imagen y que no serían difíciles de discernir por nuestros hermanos indígenas: El símbolo de la realeza, la corona, no debería estar en la cabeza del bebé, pues, a no ser algo extraordinario, no tendría él capacidad de gobernar. Ese algo extraordinario es que se trata de Dios, quien está bendiciendo. Pero si es bebé ¿Cómo puede bendecir, no siendo sacerdote? Apenas podría hacerlo si fuese Sacerdote, con S mayúscula, el origen de todo sacerdocio. Y en su gesto divino, nos muestra dos realidades. Dos dedos están unidos, simbolizando la unión hipostática entre aquel Bebé y la Segunda Persona de la Santísima Trinidad. Los otros tres dedos simbolizan la Santísima Trinidad. No deja de ser causa de una cierta sonrisa el constatar la candura con la cual con uno de los tres dedos, el pulgar, parece apuntar para sí mismo, como diciendo inocentemente: “Uno de los Tres soy Yo”. Hijo de Dios, verdadero Dios y verdadero Hombre. Como dice un sermón atribuido a San Cirilo de Alejandría en el Concilio de Éfeso:

 Por ti, el Hijo unigénito de Dios ha iluminado a los que vivían en tinieblas y en sombra de muerte; por ti, los profetas anunciaron las cosas futuras; por ti, los apóstoles predicaron la salvación a los gentiles; por ti, los muertos resucitan; por ti, reinan los reyes […][8]

El texto de San Cirilo se presta a una bella hermenéutica de la idea tan cantada por la Iglesia y que habla de la criatura que contiene a su Creador. La naturalidad con que la Virgen presenta al Niño no deja duda sobre la sacral naturalidad con la cual Criador y criatura conviven de un relacionamiento familiar. Es de notar también el orbe que está en la mano izquierda del Niño, símbolo de soberanía que seguramente no era conocido por las poblaciones indígenas, pero sí las europeas, constituyendo una invitación a la relación fraterna entre el Viejo y el Nuevo Mundo, lejos de discordias, conflictos étnicos o raciales que no son en nada conformes con las enseñanzas evangélicas.

SPERCHE, Mario et all. Maria en el arte: Mirar la Imagen de Nuestra Señora de Coromoto a la luz del documento de Aparecida. Mestrado en Teologia Moral. Universidad Pontificia Bolivariana, 2010.


[1] Cfr. ERASO, Miguel Iribertegui. La Belleza de María: Ensayo de teología estética. Salamanca-Madrid: Edibesa, 1997. p. 25.

[2] MARÍN, Antonio Royo. La Virgen María: Teología y espiritualidad marianas. 2 ed. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1996. p. 36.

[3] CORDERO, Omar Ramos. La Coromoto y Venezuela. Revisión de Alfonso Alfonzo VAZ. Coromoto: Don Bosco, [s.d.]. p. 1.

[4] RATZINGER, Joseph; BALTHASAR, Hans Urs Von. María, Iglesia Naciente. 2. ed. Madrid: Encuentro, 2006. p. 29.

[5] Apud. CORDERO, Omar Ramos. La Coromoto y Venezuela. Revisión de Alfonso Alfonzo VAZ. Coromoto: Don Bosco, [s.d.]. p. 8-9.

[6] Por ejemplo: FIGARI, Luis. Formación y Misión. Lima: Yovera, 2008. p. 42. También en la Letanía de las Advocaciones Latinoamericanas: “Santa Señora de Coromoto, evangelizadora de los venezolanos. Ruega por nosotros”.

[7] Todas las citas en cursiva son del documento de Aparecida.

[8] Homilia IV: PG 77, 992

A ordem do universo e os anjos

anjosPe. Edwaldo Marques, EP

Quem trata da ordem do universo não pode deixar de dizer uma palavra sobre o papel dos anjos na manutenção da ordem criada por Deus; igualmente, não pode deixar de considerar o papel do anjo da guarda na sua constante ação sobre cada homem em particular.

Evidentemente, Deus com seu poder infinito, não necessitaria do auxílio dos anjos para manter a ordem da criação por Ele estabelecida; porém, é inegável que o poder d’Ele tem um colorido de especial beleza porque é exercido através de toda uma hierarquia de seres espirituais, pois quanto mais é o número de intermediários  e de funções. tanto mais Deus pode manifestar a sua glória.

Como os anjos exercem suas funções em relação à ordem do universo?

Dom Vonier, na sua interessantíssima obra LES ANGES, baseada em São Tomás, nos ensina que o mundo físico está totalmente confiado à guarda dos anjos.

Afirma ele, em inteiro acordo com a maioria dos comentadores de São Tomas, que o universo mantém-se ordenado porque está assistido por anjos ordenadores. Assim, o incomensurável número de astros que circulam continuamente nos espaços celestes, obedecem a leis estabelecidas por Deus, porém, essas leis são continuamente tuteladas por guardiães celestes, porque Ele, na sua finita sabedoria, assim o quis (VORNIER, 1938, p. 54).

É muito de acordo com a arquitetura e a beleza que Deus coloca em tudo o que faz, essa consideração sobre o papel dos anjos na regência e na conservação da ordem universal.

Conforta-nos saber — e é muito conforme a natureza humana — estar o universo regido por uma tal estrutura.  Embora Deus, a rigor, não necessite de outros seres para governar e ordenar, Ele, na sua infinita sabedoria, determinou que as coisas assim fossem por ser mais conforme os planos estabelecidos por Ele, e mais de acordo com a natureza angélica e humana como Ele as criou.

São Tomás, na Suma Teológica, a propósito do tema faz as seguintes considerações, citando os santos Padres, Santo Agostinho, Damasceno e Orígenes:)

Os santos Padres, por sua vez, afirmaram, como os platônicos, que cada uma das diversas coisas corpóreas está sob a presidência de correspondentes substâncias espirituais.  Assim, por exemplo, Agostinho, afirma: “Cada uma das coisas visíveis deste mundo é confiada a um poder angélico”. — E Damasceno diz: “O diabo fazia parte dessas potências angélicas que presidiam à ordem terrestre”. — Orígenes, ao comentar a passagem do livro dos Números que diz “a jumenta viu o anjo”, diz que “o mundo precisa de anjos que governem os animais, dirijam o nascimento dos animais, o crescimento dos arbustos e plantações e de todas as outras coisas”.  Contudo, isso não deve ser afirmado, porque alguns anjos estão habilitados por sua natureza a presidir os animais, e outros as plantas, posto que qualquer anjo, mesmo o menor, tem uma potência mais elevada e mais universal que um gênero de coisas corporais.  Mas é por ordem da divina sabedoria, a qual prepôs diferentes dirigentes a diferentes coisas (AQUINO, 2002, Vol. II, questão 110, artigo I, p. 793-794).

A ordem material, alcançável pelos nossos sentidos, está, pois intimamente ligada com a ordem dos seres espirituais, ordem essa que só se pode conhecer pela revelação divina.

A ordem do universo, para ser perfeita, exige necessariamente que todos os seres formem um só conjunto, capaz de refletir nas suas partes e no seu todo, a excelência e a grandeza do Criador.

Todos os homens, individualmente considerados, serão julgados após a morte e receberão um prêmio ou um castigo eternos. O mesmo não se verifica no que diz respeito às nações; como tais, elas têm apenas existência terrena, não passarão para a eternidade.  O prêmio ou o castigo das nações se dá nesta terra.

No que diz respeito à ordem do universo, as nações têm um papel fundamental. A correspondência ou incorrespondência dos povos à graça divina, afeta de modo marcante, num sentido bom ou mau, a harmonia que Deus — para o bem dos homens — quer que exista na humanidade, e por conseqüência, em todo o conjunto do ser criado.

Também no âmbito das nações, está presente a ação dos anjos, pois todas as nações têm um anjo protetor para ajudá-las a andar nos caminhos de Deus.

A Sagrada Escritura nos traz a esse propósito várias ilustrações.

Quando chegou a ocasião, determinada por Deus, para os judeus exilados na Pérsia deixarem o cativeiro, travou-se uma polêmica entre os anjos tutelares da Pérsia e de Israel.

O anjo da Pérsia queria que os judeus permanecessem por mais tempo para benefício dos persas que estariam assim em contato com a religião verdadeira; o  anjo dos judeus argumentava em sentido oposto, pois era necessário que os israelitas voltassem para a terra que Deus lhes havia destinado.

O profeta Daniel, numa visão, teve conhecimento disso, deixando no seu livro o seguinte relato:

O príncipe do reino persa resistiu‑me durante vinte e um dias; porém Miguel, um dos primeiros príncipes, veio em meu socorro. Permaneci assim ao lado dos reis da Pérsia.

Aqui estou para fazer‑te compreender o que deve acontecer a teu povo nos últimos dias; pois essa visão diz respeito a tempos longínquos.

Enquanto assim me falava, eu mantinha meus olhos fixos no chão e permanecia mudo.

De repente, um ser de forma humana tocou‑me nos lábios. Abri a boca e falei; disse ao personagem que estava perto de mim: Meu senhor, essa visão transtornou‑me, e estou sem forças.

Como poderia o servo de meu senhor conversar com seu senhor, quando está sem forças e sem fôlego?

Então o ser em forma humana tocou‑me novamente e me reanimou.

Não temas nada, homem de predileção! Que a paz esteja contigo! Coragem, coragem! Enquanto ele me falava senti‑me reanimado. Fala, meu senhor, disse, pois tu me restituíste as minhas forças.

Sabes bem, prosseguiu ele, porque vim a ti? Vou voltar agora para lutar contra o príncipe da Pérsia, e no momento em que eu partir virá o príncipe de Javã (Grécia).

Mas (antes), far‑te‑ei conhecer o que está escrito no livro da verdade.

Contra esses adversários não há ninguém que me defenda a não ser Miguel, vosso príncipe [Dan 10,13-20s]. (Bíblia Sagrada, 1964, p. 1226).

Naquele tempo, surgirá Miguel, o grande príncipe, o protetor dos filhos do seu povo. Será uma época de tal desolação, como jamais houve igual desde que as nações existem até aquele momento. Então, entre os filhos de teu povo, serão salvos todos aqueles que se acharem inscritos no livro [Dan 12,1] (Bíblia Sagrada, 1964, p.1229).

 O Eclesiástico nos revela que Deus “pôs um príncipe (um anjo) à testa de cada povo”  [Eclo, 17,14] (op. cit., p. 901).

* * *

 

Além dos anjos tutelares das nações, existem outros que Deus encarrega de determinadas missões para intervir em favor dos povos ou de pessoas.

Como, por exemplo, entre outros, a Sagrada Escritura apresenta os seguintes:

Josué encontrava‑se nas proximidades de Jericó. Levantando os olhos, viu diante de si um homem de pé, com uma espada desembainhada na mão. Josué foi contra ele: És dos nossos, disse ele, ou dos nossos inimigos?

Ele respondeu: Não; venho como chefe do exército do Senhor.

Josué prostrou‑se com o rosto por terra, e disse‑lhe: Que ordena o meu Senhor a seu servo?

E o chefe do exército do Senhor respondeu: Tira o calçado de teus pés, porque o lugar em que te encontras é santo. Assim fez Josué. [Jos 5, 13] (op. cit., p 262).

                                                     * * *

 Logo, porém, que Macabeu e os que estavam com ele souberam que Lísias sitiava suas fortalezas, rogaram ao Senhor, juntamente com o povo, entre gemidos e lágrimas, para que ele se dignasse enviar um bom anjo para salvar Israel [2Mac 11,6] (op. cit., p. 611).

                                                     * * *

 Quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e ias ocultar os mortos em tua casa durante o dia, para sepultá‑los quando viesse a noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor.

Mas porque eras agradável ao Senhor, foi preciso que a tentação te provasse.

Agora o Senhor enviou‑me para curar‑te e livrar do demônio Sara, mulher de teu filho.

Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor [Tob 12, 12-15] (op. cit., p. 534).

 

                                          * * *

Meu Deus enviou seu anjo e fechou a boca dos leões; eles não me fizeram mal algum, porque a seus olhos eu era inocente e porque contra ti também, ó rei, não cometi falta alguma [Dan 6,23] (op. cit., p. 1220).

                             * * *

 

O Novo Testamento também é pródigo em exemplos: “A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus” [Apc 8,4] (op. cit. , p. 1588).

                                                            * * *

“Não são todos os anjos, espíritos ao serviço de Deus, que lhes confia missões para o bem daqueles que devem herdar a salvação?” [Hbr 1,14] (op. cit., p. 1551).

                                                            * * *

Depois de sua partida, um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse: Levanta‑te, toma o menino e sua mãe e foge para o Egito; fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para o matar.

José levantou‑se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito [Mt 2,13] (op. cit., p.1308).

 

                                                             * * *

“Em seguida, o demônio o deixou (Nosso Senhor Jesus Cristo), e os anjos aproximaram‑se dele para servi‑lo” [Mt  4,11] (op. cit., p. 1309).

                                                             * * *

“Mas um anjo do Senhor abriu de noite as portas do cárcere e, conduzindo‑os para fora, disse‑lhes: ‘Ide e apresentai‑vos no templo e pregai ao povo as palavras desta vida’”  [At 5,19] (op. cit., p. 1440).

                                                              * * *

Um anjo do Senhor dirigiu‑se a Filipe e disse: Levanta‑te e vai para o sul, em direção do caminho que desce de Jerusalém a Gaza, a Deserta.

Filipe levantou‑se e partiu. Ora, um etíope, eunuco, ministro da rainha Candace, da Etiópia, e superintendente de todos os seus tesouros, tinha ido a Jerusalém para adorar [At 8,26] (op. cit., p. ).

 

                            * * *

De repente, apresentou‑se um anjo do Senhor, e uma luz brilhou no recinto. Tocando no lado de Pedro, o anjo despertou‑o: Levanta‑te depressa, disse ele. Caíram‑lhe as cadeias das mãos.

O anjo ordenou: Cinge‑te e calça as tuas sandálias. Ele assim o fez. O anjo acrescentou: Cobre‑te com a tua capa e segue‑me.

Pedro saiu e seguiu‑o, sem saber se era real o que se fazia por meio do anjo. Julgava estar sonhando.

Passaram o primeiro e o segundo postos da guarda. Chegaram ao portão de ferro, que dá para a cidade, o qual se lhes abriu por si mesmo. Saíram e tomaram juntos uma rua. Em seguida, de súbito, o anjo desapareceu.

Então Pedro tornou a si e disse: Agora vejo que o Senhor mandou verdadeiramente o seu anjo e me livrou da mão de Herodes e de tudo o que esperava o povo dos judeus [At 12,7] (op. cit.,  p. 1449).

 

                                          * * *

 

Revelação de Jesus Cristo, que lhe foi confiada por Deus para manifestar aos seus servos o que deve acontecer em breve. Ele, por sua vez, por intermédio de seu anjo, comunicou ao seu servo João [Apc 1,1] (op. cit., p. 1580).

 

                                          * * *

Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos atestar estas coisas a respeito das igrejas. Eu sou a raiz e o descendente de Davi, a estrela radiosa da manhã. [Apc 22,16] (op. cit., p. 1601)

 

                                          * * *

Refletiu um momento e dirigiu‑se para a casa de Maria, mãe de João, que tem por sobrenome Marcos, onde muitos se tinham reunido e faziam oração. Quando bateu à porta de entrada, uma criada, chamada Rode, adiantou-se para escutar. Mal reconheceu a voz de Pedro, de tanta alegria não abriu a porta, mas correndo para dentro, foi anunciar que era Pedro que estava à porta.  Disseram-lhe: Estás louca! Mas ela persistia em afirmar que era verdade. Diziam eles: Então é o seu anjo [At 12,15] (op. cit., p. 1450).

 

                                          * * *

Eu vi também, na mão direita do que estava assentado no trono, um livro escrito por dentro e por fora, selado com sete selos.

Vi então um anjo poderoso, que clamava em alta voz: Quem é digno de abrir o livro e desatar os seus selos? [Apc 5,1-2] (op. cit., p. 1584-1585).

 

                                                                               * * *

 

Considerar a intercomunicação e interpenetração das duas ordens de seres — os que são puros espíritos, como os anjos, e os que são compostos de espírito e matéria (os homens) — é altamente enriquecedor para a alma humana. tira-nos de uma visão terra-à-terra do que nos cerca, e transporta-nos para uma clave muito mais alta, na qual nos sentimos muito mais perto de Deus.

   

MARQUES, Edwaldo. A Ordem do Universo: Estudo e considerações a respeito da Ordem do Universo nas suas relações com a criação divina, com base na doutrina católica sobre o assunto. Centro Universitário Italo Brasileiro: Curso de Pós-Graduação em Teologia Tomista. São Paulo, 2007. p. 28-34.

Milhares de sacerdotes “tingem” São Pedro de branco em histórica cerimônia de conclusão do Ano Sacerdotal

Cidade do Vaticano (Sexta-feira, 11-06-2010, Gaudium Press) O Papa Bento XVI esteve à frente dos 15 mil sacerdotesFim ano sacerdotal presentes na Praça São Pedro pela missa de conclusão do Ano Sacerdotal, já considerada a maior concelebração na história da Igreja Católica e realizada na manhã desta sexta-feira. Foi uma cerimônia grandiosa, reunindo um impressionante e inédito número de padres em júbilo pela sua vocação ministerial, um mar branco cobrindo a Praça petrina no dia do Sagrado Coração de Jesus.

Logo no início da homilia da cerimônia, o Papa abordou temas dolorosos para a Igreja, como os casos de abuso cometidos por alguns padres católicos, e declarou “pedir insistentemente perdão a Deus e às pessoas envolvidas”. Apesar de o tema dos abusos ter dominado as notícias sobre a Igreja nos últimos meses e ter também estado presente nos discursos e na homilia, a celebração foi visivelmente um ato de festa da fé, do sacerdócio no seu fiel e jubiloso valor, o que foi demonstrado na emoção dos mais de 15 mil sacerdotes.

“Se o Ano Sacerdotal tivesse sido uma glorificação da nossa pessoal prestação humana, teria sido destruído por esses acontecimentos”, observa o Papa. “Mas o que ocorreu foi precisamente o oposto: nós crescemos em gratidão pelo dom de Deus (…)”.”Justamente neste ano de alegria pelo sacramento do sacerdócio, vieram à tona os pecados dos sacerdotes – principalmente o abuso às crianças”O “inimigo” da Igreja, que é o pecado. Diante de todos os presentes o pontífice pediu “insistentemente perdão a Deus e às pessoas envolvidas” e prometeu “fazer todo o possível para que tal abuso não possa nunca mais acontecer”.

Bento XVI garantiu que a Igreja irá investir e estar mais atenta à formação dos seminaristas para “avaliar a autenticidade da vocação” e também para acompanhar os sacerdotes “para que o Senhor os proteja e os guarde em situações penosas e nos perigos da vida”. O sacerdócio é como uma “pérola preciosa” que requer a coragem e a humildade à Deus, e “o dever de purificação, um dever que nos acompanha em direção ao futuro”.

Sobre os valores do sacerdócio, o Papa disse que o “perene fundamento” e “o válido critério, de cada ministério sacerdotal” é o sacerdócio de Jesus. “Deus quer que nós, como sacerdotes, em um pequeno ponto da história, compartilhemos as suas preocupações pelos homens” – recorda aos sacerdotes. Isto diz respeito a “conhecer” o seu rebanho. Mas “conhecer” – explica o pontífice – “não é nunca somente um saber externo assim como se conhece o número de telefone de uma pessoa”, “mas ser interiormente próximo ao outro”.

Ao fim de sua homilia, o Santo Padre afirmou que “o pastor precisa do bastão contra as feras selvagens que querem atacar” os fiéis e ele mesmo. “Justamente o uso do bastão pode ser um serviço de amor. Hoje vemos que não se trata de amor, quando se toleram comportamentos indignos da vida sacerdotal. Bem como não se trata de amor se se deixa proliferar a heresia, o desvio e o esfacelamento da fé, como se nós autonomamente inventássemos a fé”, observa o pontífice pedindo a todos os fiéis e aos sacerdotes em particular, para serem “água da vida em um mundo sedento”.

Mais de 15 mil sacerdotes de todo o mundo foram à Roma para as cerimônias de conclusão do Ano Sacerdotal

Depois da homilia, os sacerdotes renovaram as promessas sacerdotais, como na Quinta-Feira Santa, na Missa crismal.

Ao fim da missa o Papa dirigiu uma saudação a todos os presentes nas línguas próprias de cada grupo: francês, inglês, alemão, português, polonês e italiano. Aos sacerdotes de língua portuguesa disse: “Dou graças a Deus pelo que sois e pelo que fazeis, recordando a todos que nada jamais substituirá o ministério dos sacerdotes na vida da Igreja. A exemplo e sob o patrocínio do Santo Cura d’Ars, perseverai na amizade de Deus e deixai que as vossas mãos e os vossos lábios continuem a ser as mãos e os lábios de Cristo, único Redentor da humanidade. Bem hajam!”.”

Também em espanhol o Papa manifestou a sua alegria por este extraordinário evento. “Esta celebración se convierta en un vigoroso impulso para seguir viviendo con gozo, humildad y esperanza su sacerdocio, siendo mensajeros audaces del Evangelio, ministros fieles de los Sacramentos y testigos elocuentes de la caridad. Con los sentimientos de Cristo, Buen Pastor, os invito a continuar aspirando cada día a la santidad, sabiendo que no hay mayor felicidad en este mundo que gastar la vida por la gloria de Dios y el bien de las almas.”

Foram dispostas duas tribunas no átrio, também outras menores sobre as escadas, seis setores na Praça, todos reservados aos concelebrantes da missa com o Papa na conclusão do Ano Sacerdotal. Outros quatro setores menores foram ocupados pelas religiosas, sacerdotes e fiéis.

Hoje os sacerdotes que trabalham no Vaticano tiveram o dia livre para poder participar na cerimônia. A Praça de São Pedro, assim como ontem à noite, foi dominada pelos sacerdotes de todo o mundo. Antes da missa havia uma intensa atmosfera de preparação como aquela das sacristias das igrejas. Os fiéis aproveitavam a numerosa presença dos sacerdotes para a confissão, para tirar fotos deste histórico evento. Era tocante a alegria dos sacerdotes assim como a de Padre José, um sacerdote brasileiro presente à cerimônia, que declarou estar “muito feliz” de estar lá e celebrar a missa com o Papa.

O sacerdócio é sacramento e testemunho de fé, não ofício, afirma Bento XVI em vigília

Cidade do Vaticano (Sexta-feira, 11-06-2010, Gaudium Press) O Papa Bento XVI participou na noite desta quinta-feiraVigilia de uma grande vigília junto aos milhares de sacerdotes de todo o mundo, na espera da missa de sexta-feira pela conclusão do Ano Sacerdotal.

“Bem-vindo em meio a nós”, foi como o cardeal prefeito da Congregação para o Clero, Dom Claudio Hummes, saudou o Papa. “Todos os sacerdotes presentes, junto a seus coirmãos espalhados pelo mundo, desejam manifestar a sua mais filial devoção, sua profunda estima, seu apoio e afeto sinceros”. As palavras do cardeal foram confirmadas com um grande aplauso dos mais de 10 mil sacerdotes presentes à vigília.

“Obrigado de coração Santidade, por tudo que fez, está fazendo e fará por todos os sacerdotes, mesmo por aqueles perdidos”, prossegui o Cardeal Hummes em sua saudação. “Gostaríamos que o Ano Sacerdotal não terminasse nunca, isto é, não terminasse nunca a atenção de cada um para a santidade na própria identidade”, continuou.

O Santo Padre chegou à Praça em papamóvel, passando pelos setores. A parte da vigília com a presença do pontífice consistiu em cinco perguntas feitas por padres de cinco continentes. Os temas foram os mais significativos para os padres, como o desenrolar de sua ação pastoral, o celibato, a teologia. O pontífice reforçou a eles que não se pode “fazer o que se quer ou se deveria fazer, porque nossas forças são limitadas e a sociedade é cada vez mais diversificada e complicada”.

O sacerdócio não é uma profissão ” como qualquer trabalho. É o que diz o Santo Padre Bento XVI sobre a realidade da vocação sacerdotal no mundo de hoje, o testemunho da fé, do celibato e da teologia.

O Papa advertiu ainda contra “a arrogância da razão”, que obscura a presença de Deus no mundo. “Nós, teólogos, devemos usar a razão grande e ter coragem de ir além do positivismo e ir além da experiência. Não nos submetendo a todas as hipóteses do momento”, observo o Santo Padre.

“Há uma teologia que quer ser acadêmica e científica e que esquece a realidade vital, a presença de Deus, o seu falar hoje, e não somente no seu passado”. A “verdadeira teologia” é aquela que “vem do amor de Deus e de Cristo”, explicou o pontífice, que advertiu contra a “tentação” do clericalismo, mal “de todos os tempos”, e também de hoje.

Sobre o celibato, Bento XVI reforçou que o mundo deve pensar no seu futuro, não somente em se concentrar no hoje. O sacerdócio é aquele sinal do futuro que todo homem espera. O presente problema é entender o significado do celibato como “moda para não se casar” que promove o “viver sozinho e por si mesmo, enquanto o celibato é um sim definitivo”. São coisas diferentes, explica Bento XVI. “Se desaparecer o casamento entre o homem e a mulher, desaparece a raiz da nossa cultura”. As palavras do Papa são recebidas pelos padres presentes com um longo aplauso.

O mundo vê o escândalo no celibato, enquanto “não quer ver que existem também os escândalos dos nossos pecados, que obscuram o grande escândalo”. O Papa ressalta “enorme fidelidade” e “grande sinal da fé” no celibato.

O Papa pediu aos sacerdotes que “tornem possível para todos a Eucaristia dominical e para celebrá-la de forma a tornar visível o Senhor”, além de “serem presentes para os sofredores”.

A adoração do Santíssimo concluiu a vigília. Calor, alegria e também oração dominaram a atmosfera da praça. O Santo Padre foi recebido com um grande aplauso e um forte coro de “Bento, Bento”. O Papa estava sorridente.

Aos leigos e religiosas foram preparados somente dois setores na Praça São Pedro para a noite de quinta-feira, todos os outros foram reservados aos sacerdotes, aproximadamente 15 mil, em Roma para celebrar com o Santo Padre a conclusão do Ano Sacerdotal.

“Levantar e ir em missão”, pede Dom Claudio Hummes aos sacerdotes

D Claudio Hummes2Cidade do Vaticano (Quarta-feira, 09-06-2010, Gaudium Press) “Sejam bem-vindos! Aqui em Roma nós os amamos e os reconhecemos por aquilo que são e por aquilo que fazem como presbíteros na vida e na missão da Igreja”. Foi com essa calorosa saudação que o prefeito da Congregação para o Clero, Cardeal Claudio Hummes, recebeu os sacerdotes que chegaram em Roma para as celebrações da conclusão do Ano Sacerdotal, que começam hoje e terminam na próxima sexta-feira na solenidade do Sagrado Coração de Jesus. Para essa ocasião se espera a maior concelebração da história da Igreja, cerca de 15 mil sacerdotes do mundo todo reunidos.

O “renovar em cada um dos presbíteros a consciência e a atuação de sua verdadeira identidade sacerdotal e de sua espiritualidade específica” foi o objetivo do Ano Sacerdotal anunciado no ano passado pelo Santo Padre, como fez questão de salientar o cardeal Hummes. “Levantar e ir em missão” é o chamado para os sacerdotes de hoje.

 Segundo o purpurado, humilde, confiante e honrado é a imagem que todo sacerdote deveria passar em sua missão na Igreja, a todos os fiéis. O mundo precisa de “cristianização” nos países ocidentais já cristãos há séculos e que estão perdendo a fé e de também uma nova evangelização nos países onde o cristianismo ainda não é muito difundido, prossegiu.

Essa missão sacerdotal, para Dom Cláudio, deve acontecer primeiro com os mais pobres. “Esses são marginalizados e excluídos do altar dos bens materiais, sociais, culturais e frequentemente também o altar dos bens espirituais”, diz o cardeal Hummes, recordando que são eles os “destinatários privilegiados do Evangelho”.

Dom Mauro Piacenza, secretário da Congregação para o Clero, disse aos que estavam presentes à Basílica lateranense na adoração eucarística que para cada um deles a Igreja é Mãe e Esposa, “por cada um exulta, com cada um geme e em cada um confia”. Os sacerdotes são “aqueles escolhidos”, “amados” e envolvidos especialmente na Eucaristia por Jesus, explicou.

A cidade de Roma, nestes dias, até a próxima sexta-feira, será dominada pela numerosa presença de sacerdotes e religosas. As primeiras estatísticas registram a cifra de 9689 presenças nas celebrações da conclusão do Ano Sacerdotal. A América Latina é representada, atpe agora, pela Argentina com 88 padres, pelo Brasil com 194, pelo Chile com 32, pela Colômbia com 300, pelo Equador com 41, por Honduras com 32, pelo México com 198, pelo Paraguai com 60, pelo Perú com 3, pelo Uruguai com 8 e pela Venezuela com 29.

AS CINCO PROVAS OU VIAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS

tomas

Marcelo Rabelo (3º ano de Filosofia IFAT)

1.Apresentação geral das provas

As provas ou vias[1] da existência de Deus, mais do que demonstrações, são ‘contraprovas’, ou seja, “confirmações de uma verdade que a pessoa intimamente já possui”.[2] Não são abstrações de Deus, mas como interpretava Mondin, testemunhos recolhidos de Deus na natureza e na história a título de confirmação da voz daquele que já falou ao homem.[3] Estas vias procuram provar a existência de Deus tomando como ponto de partida o mundo, não o homem ou a idéia de Deus.

São Tomás de Aquino apresenta suas célebres cinco vias na S. Th. I, Q.2, a.3[4]. “Mesmo entre os contemporâneos, aqueles que negam Deus preocupam-se, sobretudo, em desmanchar essas famosas argumentações, que se sobressaem pela simplicidade, clareza, essencialidade e rigor lógico”.[5]

Antes de se iniciar este trabalho, propõe-se uma breve advertência de Mondin: as cinco vias não são criaturas de São Tomás de Aquino: não foi ele quem as descobriu; elas são resultados de uma longa tradição que remonta a Platão e Aristóteles, mas, “o vigor e a precisão com que as formula o Santo Doutor lhes dão um neto matriz de originalidade”.[6]

2. Contexto das cinco vias na Suma Teológica

O Aquinense questiona dois problemas fundamentais antecedentes à sua demonstração da existência de Deus. Primeiro se é evidente por si mesma; e se é possível demonstrá-la. Analisar-se-á sinteticamente estas duas questões.

Para justificar esta ordem, explica Royo Marín[7], tenha-se em conta que uma verdade pode ser evidente com uma evidência tão clara e imediata que não necessite demonstração alguma, como por exemplo, o todo é maior que as suas partes, o círculo é redondo, etc.; mas, pode-se tratar de uma verdade que não seja de evidencia imediata (a soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois retos); então, cabe perguntar se pode chegar a esta última verdade por via demonstração e, em caso afirmativo, como se demonstra.

2.1 A existência de Deus é evidente por si mesma?

São Tomás de Aquino[8] começa por responder a esta questão do seguinte modo: “Algo pode ser evidente por si de duas maneiras: seja em si mesmo e não[9] para nós; seja em si mesmo e para nós”.[10]

Evidente em si mesma e não para nós, é aquela cujo predicado está objetivamente contido no sujeito, mas cuja evidência não aparece diante de nós senão depois de uma laboriosa demonstração, como ocorre, por exemplo, com a maior parte dos teoremas matemáticos.[11]

Evidente em si mesma e para nós é aquela que não necessita de nenhuma reflexão, pois o predicado está contido no sujeito de modo imediato. Exemplo: o circulo é redondo.[12]

Digo, portanto, que a proposição Deus existe, enquanto tal, é evidente por si, porque nela o predicado é idêntico ao sujeito. Deus é seu próprio ser, como ficará mais claro adiante. Mas como não conhecemos a essência de Deus, esta proposição não é evidente para nós, precisa ser demonstrada por meio do que é mais conhecido para nós, ainda que por sua própria natureza seja menos conhecido, isto é, pelos efeitos.[13]

2.2 É possível demonstrar a existência de Deus?

Dir-se-ia que não, pois como muitos afirmaram e outros confirmaram, a existência de Deus é um artigo de . Ora, não é possível demonstrá-los, porque a simples demonstração geraria a ciência; entretanto a se refere ao que não vemos.[14] Logo, a existência de Deus não é demonstrável.[15]

Responde o Aquinense: Existem dois tipos de demonstração: uma pela causa (propter quid). Outra, pelos efeitos (quia). Sempre que um efeito é mais manifesto do que sua causa, recorremos a ele a fim de conhecer a sua causa.[16]

Ora, por qualquer efeito podemos demonstrar a existência de sua causa, se pelos menos os efeitos desta causa são mais conhecidos para nós, porque como os efeitos dependem da causa, estabelecida a existência dos efeitos, segue-se necessariamente a preexistência de sua causa. Por conseguinte, se a existência de Deus não é evidente para nós, pode ser demonstrada pelos efeitos por nós conhecidos.[17]

Quanto à primeira objeção, deve-se dizer, de acordo com São Tomás, que a existência de Deus e outras verdades referentes a Ele, acessíveis à razão natural, não são artigos de fé, mas preâmbulos dos artigos. A Fé, continua o Santo Doutor, pressupõe o conhecimento natural, como a perfeição o que é perfectível. São Tomás conclui daí um interessante corolário. Aquele que não consegue apreender algo referente a Deus e que é demonstrável em si para nós, pode receber esta demonstração como objeto de Fé.[18]

Assim, “partindo das obras de Deus, pode-se demonstrar sua existência, ainda que por elas não possamos conhecê-lo perfeitamente quanto à sua existência”.[19]

 

3. Exposição das cinco vias

Como é sabido, a demonstração filosófica ou racional da existência de Deus se apóia quase exclusivamente no chamado princípio de causalidade, cuja formulação mais popular é a seguinte: todo efeito tem necessariamente uma causa. O conceito de efeito leva consigo inevitavelmente a exigência de uma causa, “pois do contrário o efeito careceria de sentido e deixaria automaticamente de ser efeito”.[20]

Não é preciso uma explicação profunda do princípio filosófico de causalidade. Para o Pe. Royo Marín, isto “não é necessário para nenhuma pessoa de são juízo”.[21]

Demonstrar-se-á, afinal, as cinco vias. Nos explica Fraile, O.P. que cada prova é completa, apodíctica e concluinte por si só, tendo seu ponto de partida e de término. Todas coincidem na afirmação de que em uma série causal concatenada não se pode proceder indefinidamente até o infinito. E todas convergem também num mesmo ponto de chegada, que é a necessidade da existência de um Ser Supremo, e o qual chamamos de Deus. [22]

Seguindo o dominicano,[23] pode-se representá-las assim:

3.1 Movimento

São Tomás introduz a primeira via da seguinte forma: “A primeira, e a mais clara, parte do movimento”.[24]

Por movimento, entende o Doctor Angelicus, não só no sentido restringido do movimento local, senão amplamente por qualquer mutação – local, quantidade ou qualitativa – ou seja, por qualquer passagem de potência a ato.

A existência real do movimento ou mudanças nos seres do Universo é um fato evidente:

nossos sentidos atestam, com toda a certeza, que neste mundo algumas coisas se movem. Ora, tudo o que se move é movido por outro. Nada se move que não esteja em potência em relação ao termo de seu movimento; ao contrário, o que move o faz enquanto se encontra em ato. Mover nada mais é, portanto, do que levar algo da potência ao ato.[25]

A primeira via, na Suma Teológica, corre mais ágil do que a análoga primeira via na Suma contra os gentios. Explica Mondin, que isso se deve ao fato de que na obra mais madura, (Suma Teológica) para justificar a premissa tudo o que se move é movido por outro, São Tomás de Aquino não recorre mais à cosmologia aristotélica, mas à doutrina metafísica do ato e da potência. Por isso, para uma explicação conclusiva do movimento, é preciso ascender a um ato puro, isto é, a um princípio do movimento que seja, em si mesmo, não movido e imóvel.[26]

“Assim, se o que move é também movido, o é necessariamente por outro, e este por outro ainda. Ora, não se pode continuar até ao infinito, pois neste caso não haveria um primeiro motor. […] é então necessário chegar a um primeiro motor, não movido por nenhum outro”.[27]

Sobre esta via comentou Royo Marín, que o argumento é de uma força demonstrativa para qualquer espírito reflexivo acostumado a alta especulação filosófica. Este primeiro Motor Imóvel, infinitamente perfeito, recebe o nome: Deus.[28]

3.2 A causa eficiente

Entende-se em filosofia por causa eficiente aquela que, “ao atuar, produz um efeito distinto de si mesma. Assim, o escultor é a causa eficiente da estátua esculpida por ele; o pai é a causa eficiente de seu filho.[29] Na segunda via, São Tomás de Aquino não gasta palavras para evidenciar este principio como ponto de partida para a ascensão a Deus. Para Mondin[30], o Aquinense se preocupa apenas em justificar a impossibilidade de um regresso ad infinitum na ordem das causas. Analisemos agora as palavras de São Tomás:

Encontramos nas realidades sensíveis a existência de uma ordem entre as causas eficientes; mas não se encontra, nem é possível, algo que seja a causa eficiente de si próprio, porque desse modo seria anterior a si próprio: o que é impossível. Ora, tampouco é possível, entre as causas eficientes, continuar até o infinito, porque […] a primeira é a causa das intermediárias e as intermediárias são a causa da última. […] Portanto, se não existisse a primeira entre as causas eficientes, não haveria a última nem a intermediária. Mas se tivéssemos de continuar até o infinito na série das causas eficientes, não haveria causa primeira; assim sendo, não haveria efeito último, nem causa eficiente intermediária, o que evidentemente é falso.[31]

Como se vê, “o argumento desta segunda via é também de uma forte evidencia demonstrativa”. A conclusão do mesmo é muito simples, eis aqui: “Logo, é necessário afirmar uma causa eficiente primeira, a que todos chamam Deus”.[32]

3.3 A contingência dos seres

O argumento fundamental da terceira via para demonstrar a existência de Deus pode formular-se sinteticamente do seguinte modo: “A contingência das coisas do mundo nos leva com toda certeza ao conhecimento da existência de um Ser necessário que existe por si mesmo, ao que chamamos Deus.

Antes de seguirmos na exposição, faz-se mister precisar os conceitos de ser contingente e ser necessário.

O Ser contingente é aquele que existe, mas que poderia não existir. Ou também, aquele que começou a existir e deixará de existir algum dia, constituindo assim todos os seres corruptíveis do universo.[33]

Ser necessário é aquele que existe e não pode deixar de existir; ou também, aquele que, tendo a existência de si e por si mesmo, existiu sempre e não deixará jamais de existir.[34]

Prossigamos agora o pensamento de São Tomás:

Encontramos, entre as coisas, as que podem ser ou não ser, uma vez que algumas se encontram que nascem e perecem. Conseqüentemente podem ser e não ser. […] Se tudo pode não ser, houve um momento em que nada havia. Ora, se isso é verdadeiro, ainda agora não existiria; pois o que não é só passa a ser por intermédio de algo que ja é. Por conseguinte, se não houve ente algum, foi impossível que algo começasse a ser; logo, hoje, nada existiria. […] Assim, nem todos os entes são possíveis, mas é preciso que algo seja necessário entre as coisas. Ora, tudo o que é necessário tem, ou não, a causa de sua necessidade de um outro. Aqui também não é possível continuar até o infinito na série das coisas necessárias.

Nota-se neste argumento a utilização novamente do principio de causalidade, (pois o que é, só passa a ser por intermédio de algo que já é), entretanto, situado sobre outro ponto de vista distinto. Vejamos agora como a conclusão do argumento da terceira via segue a mesma linha de raciocínio da segunda. “Portanto, é necessário afirmar a existência de algo necessário por si mesmo, que não encontra alhures a causa de sua necessidade, mas que é causa da necessidade para os outros”.[35] E esta, quando questionada até o fim, leva a razão a reconhecer uma origem primeira, necessária, incontingente, absoluta: Deus

            3.4 Os graus de perfeição

A quarta via chega à existência de Deus pela consideração dos distintos graus de perfeição que se encontram nos seres criados. Talvez seja “a mais profunda desde o ponto de vista metafísico; e, por isso mesmo, é a mais difícil de captar pelos iniciados nas altas especulações filosóficas”.[36] Vamos expô-la brevemente, seguindo sempre o Doutor Angélico:

Encontra-se nas coisas algo mais ou menos bom, mais ou menos verdadeiro, mais ou menos nobre etc. Ora, mais e menos se dizem coisas diversas conforme elas se aproximam diferentemente daquilo que é em si o máximo.[37] Assim, mais quente é o que mais se aproxima do que é sumamente quente. Existe em grau supremo algo verdadeiro, bom, nobre e, conseqüentemente o ente em grau supremo. […] Por outro lado, o que se encontra no mais alto grau em determinado gênero é causa de tudo que é desse gênero: assim o fogo, que é quente, no mais alto grau, é causa do calor de todo e qualquer corpo aquecido. […] Existe então algo que é, para todos os outros entes, causa do ser, de bondade e de toda a perfeição: nós o chamamos Deus.[38]

Como se pode facilmente notar, a estrutura argumentativa da quarta via é inteiramente semelhante às anteriores. Parte de um fato experimental completamente certo e evidente – a existência de diversos graus de perfeição nos seres –, a razão natural se remonta a necessidade de um ser perfeitíssimo que tenha a perfeição em grau máximo. Este Ser, para Royo Marín,[39] é o manancial de todas as perfeições que encontramos em graus  diversos em todos os demais seres.

3.5 A ordem do universo

Esta via merece um estudo mais amplo. Vejamos inicialmente a breve exposição de São Tomás:

A quinta via é tomada do governo das coisas. Com efeito, vemos que algumas que carecem de conhecimento, como os corpos físicos, agem em vista de um fim, o que se manifesta pelo fato de que, sempre ou na maioria das vezes, agem da mesma maneira, a fim de alcançarem o que é ótimo. Fica claro que não é por acaso, mas em virtude de uma intenção, que alcançam o fim. Ora, aquilo que não tem conhecimento não tende a um fim, a não ser dirigido por algo que conhece e que é inteligente, como a flecha pelo arqueiro. Logo, existe algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas ao fim, e a isso nós chamamos Deus.[40]

Nota-se que esta se eleva de uma multiplicidade ordenada a uma inteligência ordenadora. Para chegar a esta conclusão, o Aquinense utiliza o princípio de finalidade.[41]

Outro ponto que salta à vista, comparando a estrutura desta via com as outras, é a ausência da premissa regressum ad infinitum. Vários comentadores observam, entre eles Mondin, que esta lacuna é facilmente explicável, “pois Tomás de Aquino já havia citado várias vezes, nas vias precedentes, o absurdo de se tentar recorrer a uma série infinita”.[42]

Historicamente, esta via sempre foi a mais percorrida, antes e depois de São Tomás. A essa via, enumera Mondin[43], “recorreram Platão, Aristóteles, Zenão, Fílon, Clemente de Alexandria, Orígenes, Plotino, Agostinho, Anselmo, Boaventura, Descartes, Malebranche, Vico, Leibniz, Wolf, Rosmini e outros”. Estatísticas recentes confirmaram que mais de 80% dos americanos fundam a própria em Deus, na ordem do cosmos.[44]

Mas porque esta via é tão conhecida e assimilada, inclusive em nossos dias? Consideremos alguns aspectos citados por Royo Marín: “Vamos ilustrar esta quinta via com numerosos exemplos indiscutíveis, tomados do mundo que nos rodeia”.[45]

1.º Existem no firmamento celeste trilhões de astros, mais que os grãos de areia de todas as praias do mundo;

2.º Todos estes astros são de uma magnitude enorme;

3.º Todos se movem a rapidíssimas velocidades;

4.º Mas todos estão sujeitos pelas leis da matéria, que com suas complexas ações e reações mútuas criam um corpo de forças intricadíssimo;

5.º No entanto, conservam uma ordem tão perfeita que o astrônomo pode indicar em qualquer tempo a trajetória futura de qualquer astro.

Em mecânica, um dos problemas mais difíceis de resolver é o chamado dos três corpos, ou seja, determinar a posição de três massas que se influem mutuamente segundo as leis da gravidade. Neste problema se empenharam os mais potentes gênios matemáticos. Entretanto, a solução definitiva não se conhece.[46]

Se ao invés de três, são quatro os corpos, o problema se complica de um modo aterrador que não cabe no entendimento humano.[47] Mas se não nos enganamos, existem trilhões de corpos…

Prossigamos agora a solução de Royo Marín[48] a este problema dos trilhões de corpos.

1.º Tem de haver um entendimento que conheça e resolva o problemas das massas siderais;

2.º Que saiba em cada instante a posição exata de cada uma delas;

3.º E que por isso prevê e evite todas as infinitas contingências possíveis de desequilíbrio, em tão emaranhado e extenso campo de forças;

4.º Entendimento que tenha a seu serviço um poder tal, que consiga esse complexo ordenado e dinâmico de astros que se deslizam sem ruído e a menor vacilação, através do espaço, desde há mil milhões de anos;

5.º Este entendimento não é do homem;

6.º Logo, é de um ser superior ao homem a que chamamos Deus. Logo Deus existe!

Se não existe um Criador infinitamente sábio e poderoso, a ordem do mundo, desde as galáxias até ao grão de areia, deve-se atribuir ao azar. “não há solução intermediária”[49] Mas o azar não explica de nenhum modo esta ordem.

4. Considerações finais

A precaução com que São Tomás procede na estruturação de suas provas da existência de Deus tem sido insuficientemente observada pelos tomistas. Supostos os princípios metafísicos, o Aquinense não se apóia em nenhuma só lei do mundo físico, senão em fatos particulares deste.[50] Há coisas que se movem – não diz: tudo é movido –; Há graus do ser; por conseguinte, há um ser primeiro. Tal é sempre sua maneira de proceder.[51]

A tendência de tomistas modernos de deduzir do mundo visível, imediatamente como de um salto, o infinito, tem prejudicado o verdadeiro sentido das provas do Doutor Angélico. “São Tomás é o mais modesto entre todos os tomistas e, por conseguinte, o mais sábio”.[52] Manser esclarece esta ousada afirmação: as provas da existência de Deus, aponta sempre um só objetivo, que é demonstrar a existência de um ser primeiro, que não depende de nenhum outro e do qual todos dependem. Isto é tudo.

Por tudo quanto foi dito neste capítulo, depreende-se que a crença em Deus pertence as funções normais da inteligência humana.

Explica o prof. Corrêa de Oliveira[53] que, diante desta demonstração da existência de Deus através das cinco vias, só há três atitudes possíveis: ou o homem afirma, na plenitude de sua certeza, que há um Deus; ou nega com certeza não menor que Deus existe; ou duvida, perante a complexidade dos argumentos apresentados pró e contra a existência de Deus, e neste caso, “ou é positivista (abandonando completamente a esperança de encontrar a verdade em matéria religiosa), ou está em um período de formação, e espera que mais cedo ou mais tarde resolverá a questão”.[54] Mas, em qualquer caso, ou afirma, ou nega, ou duvida.

Para quem nega ou duvida, Royo Marín qualifica de ateu. E “o ateu é um caso clínico, como o de um que perde a razão. […] A incredulidade não consiste em não crer, senão em crer no mais difícil antes que o mais fácil”,[55]

Seria possível discutir com os modernos sobre o valor das provas de Deus? “é absolutamente inútil, enquanto subjetivistas, não admitem o valor real do princípio de causalidade”.[57] E consequentemente, colocam em dúvida toda transcendentalidade de nosso conhecimento. As vias tomistas para eles não têm nenhum valor. Entretanto, “só Kant merece menção especial”.[58]

A partir de Kant, a questão da existência de Deus tornou-se um dos pontos centrais da mudança de reflexão da filosofia. Ele procura demonstrar que qualquer argumentação especulativa sobre a realidade de Deus é vazia.[59] É também, o objeto da exposição do próximo capítulo.


[1] São Tomás de Aquino prefere usar o termo via aos termo argumento, provaou demonstração; quer indicar uma trajetória, um caminho a ser percorrido para alcançar uma meta que leva a mente a reconhecer a necessidade da existência de Deus.

[2] MONDIN, Battista. Quem é Deus?: elementos de teologia filosófica. Tradução de José Maria de Almeida. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005. p.183.

[3] Cf. Idem.

[4] O Doutor Angélico apresenta provas da existência de Deus em pelo menos uma dezena de escritos, exibindo classificações diversas, como na Suma contra Gentes, lib. I, cap. XIII, XV, XVI, XLIV; lib. II, cap. XV; lib. III, cap. XLIV. De Veritate, q.5, a.2. De Potentia, q.3, a.5. Compedium Theologiae, cap. III. Física, lib. VIII, lec. 2; lib. VIII, lec. 9 e seguintes. Metafísica, lib. XII, lec. 5 e seguintes.

[5] MONDIN, Battista. Op. Cit. p. 230.

[6] Cf. G. GUILHHERMO FRAILE, O. P. Historia de La filosofia: filosofia judia y musulmana; alta escolástica y decadência. Madrid: BAC, 1986. V.II 2º. p. 393.

[7] Cf. ROYO MARÍN, Antonio, O.P. Dios y su obra. Madrid: BAC, 1963. p.3-4.

[8] As citações da Suma Teológica deste trabalho são extraídas da 2.ed. São Paulo: Loyola, 2003.

[9] Grifo meu.

[10] S.Th. I, Q.2, a.1

[11] Cf. ROYO MARÍN, Antonio. Op. Cit., p.4.

[12] Idem.

[13] S.Th. I, Q.2, a.1

[14] Esta é a primeira objeção do próprio São Tomás sobre a possibilidade de demonstração. Ela merece um maior destaque, pois envolve uma das maiores originalidades de seu pensamento: o equilíbrio da relação entre fé e razão.

[15] Cf. S.Th. I, Q.2, a.2

[16] Idem.

[17] Idem.

[18] Cf. S.Th. I, Q.2 a.2 ad 1

[19] S.Th I, Q.3, a.2 ad 3

[20] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.9.

[21] Idem.

[22] Cf. G. GUILHHERMO FRAILE, O. P. Op. Cit., p. 393-394

[23] Cf. Idem. p. 394.

[24] S.Th. I, Q.2 a.3

[25] S.Th. I, Q.2 a.3

[26] Cf. MONDIN, Batista. Op. Cit., p.232.

[27] S.T. I q.2 a.3

[28] Cf. ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.11,14.

[29] Idem.

[30] Cf. MONDIN, Batista. Op. Cit., p.234.

[31] S.Th. I, Q.2 a.3

[32] Idem.

[33] Cf. ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.16.

[34] Idem.

[35] S.Th. I, Q.2 a.3

[36] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.18.

[37] Mondin explica muito bem que, quando São Tomás se refere aos termos graus e máximo, aparentemente a reflexão parece ser puramente no plano lógico e material. Assim, na escala das cores pode-se falar de um vermelho que é maximamente vermelho; qualquer outra tinta vermelha será mais ou menos vermelha na medida em que se aproxime mais ou menos do vermelho ideal. Mas o plano de São Tomás é ontológico: seu ponto de partida são graus de ser, graus de bondade, graus da verdade. (Cf. MONDIN, Batista. Op. Cit., p.237).

[38] S.Th. I, Q.2 a.3

[39] Cf. ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.19.

[40] S.T. I q.2 a.3

[41] O princípio de finalidade ou finalismo reconhece a presença de tendências voltadas para fins bens precisos. Na filosofia grega, o reconhecimento da importância do finalismo (isto é, da causa final) para uma adequada explicação do que acontece no universo é mérito de Aristóteles. Com o cristianismo, a explicação do finalismo torna-se mais completa, enquanto este recebe um adequado fundamento na criação: obra de um Deus generoso e providente, que produz todas as coisas para a consecução do bem do homem. Porém, apesar de todas as críticas e reservas que foram levantadas contra o finalismo, é preciso dizer que ele não só permanece sempre como uma explicação possível (ao menos para quem segue um sadio realismo), mas também como a explicação plenamente satisfatória para a maravilhosa ordem que reina tanto no microcosmo quanto no macrocosmo. (Cf. MONDIN, Batista. Op. Cit. p.427).

[42] MONDIN, Batista. Op. Cit., p.238.

[43] Idem, p.239.

[44] Cf. Idem.

[45] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.20.

[46] Cf. Idem.

[47] Idem.

[48] Idem.

[49] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p. 30

[50] Cf. MANSER, G. M., O. P.  La esencia del tomismo. 2.ed.  Madrid: Selecciones Gráficas, 1953, p.412.

[51] Idem, p.414.

[52] Idem, p.415.

[53] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Deus e a constituição. In: O legionário, n.76, 8 mar. 1931.

[54] Idem.

[55] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p. 30-31.

[56] CLÁ DIAS, João. Conferência proferida em 26 de mai. 1997.

[57] Cf. MANSER, G. M., O. P. Op. Cit. p.416.

[58] Idem.

[59] Cf. MONDIN, Op. Cit., p.89.