O carisma dos fundadores

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

A Teologia a respeito dos fundadores é relativamente recente, pois só a partir do Concílio Vaticano II prestou-se, com maior empenho, atenção nessas manifestações surgidas às vezes até mesmo no laicato, reconhecendo sua legitimidade de uma forma genérica[1].

E deve-se ao Papa Paulo VI a menção textual a esse carisma em documento do Magistério Pontifício, no qual, ademais, confirma a presença da inspiração divina na missão dos fundadores: “Só assim podereis despertar de novo os corações para a Verdade e para o amor divino, segundo o carisma dos vossos fundadores, suscitados por Deus na sua Igreja”[2].

Posteriormente, João Paulo II usou essa expressão em diversos documentos, como, por exemplo, na Mensagem à XIV assembleia geral da Conferência dos religiosos do Brasil: “Anima-vos aquilo que é o sentido ínsito à vida consagrada: crescer no conhecimento e no amor, para serdes testemunhas e profetas de Cristo no mundo de hoje, em fidelidade dinâmica à vocação religiosa e ao carisma dos vossos fundadores”[3].

Esse carisma que anima o fundador tem a peculiaridade de poder abarcar todas as categorias de fiéis, sem distinção, quanto aos ministérios ou estados de vida, constituindo um anúncio forte da fé, o qual dá origem também a um impulso missionário[4].

Essa “inspiração fundamental” dos fundadores — Ratzinger no-la explica de forma muito clara[5] — é a identidade deles com Cristo e com o Evangelho. Fazendo um paralelismo entre a história da conversão de Santo Antão e a de São Francisco de Assis, o Pontífice afirma serem idênticos os impulsos que encontramos num e noutro: tomar o Evangelho séria e rigorosamente ao pé da letra, seguir Cristo em pobreza total e conformar toda a sua vida à dEle.

Outros autores, nas últimas décadas, aprofundaram o estudo da matéria. Trata-se de pesquisar e auscultar a presença santificante do Espírito na Igreja, Sua forma de agir e o modo de transmitir esse verdadeiro tesouro espiritual, de um movimento ou família religiosa, que é o carisma fundacional.

Tanto mais que esse dom é difícil de ser expresso na sua totalidade, em termos humanos, em doutrinas e regras. Como definir e diferenciar, por exemplo, o carisma franciscano do dominicano? Ambos são mendicantes, ambos dedicam-se à evangelização. No entanto, apesar de semelhantes, bem se pode aplicar a eles o dito de São Paulo: “uma é a claridade do sol, outra a claridade da lua e outra a claridade das estrelas, e ainda uma estrela difere da outra na claridade”[6].

A fundação, pois, baseia-se numa forma radical e peculiar de viver o Evangelho em sua totalidade, com uma sólida e profunda formação cristã, que se transmite por um método pedagógico específico, segundo o carisma de cada movimento.


[1] Cf AA, n. 3.

[2] Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelica Testificatio, n. 11, 29/6/1971. “Solum hoc modo animos hominum ad veritatem amoremque divinum amplectendum erigere poteritis secundum charisma Fundatorum vestrorum, quos Deus in Ecclesia sua excitavit”.

[3] João Paulo II, Mensagem aos participantes da XIV Assembleia Geral da Conferência dos religiosos do Brasil, 11/7/1986. “Il vostro scopo è di crescere nella conoscenza e nell’amore per essere testimoni e profeti di Cristo nel mondo d’oggi, in fedeltà dinamica alla vocazione religiosa e al carisma dei vostri fondatori”.

[4] Cf Id., Mensagem aos participantes do Congresso Mundial dos Movimentos Eclesiais, 27/5/1998.

[5] Cf J. Ratzinger, Os Movimentos na Igreja, presença do Espírito e esperança para os homens. São João de Estoril 2007, p. 45.

[6] I Cor 15, 41.

Liberdade e graça no homem ferido pelo pecado

Pe. Antônio Guerra, EP

Quem pode entender o pecado?”[1] Santo Agostinho comentava a ausência da inteligibilidade que existe no pecado

“Os delitos, de fato, quem os compreende? Pai, perdoa-os porque não sabem o que fazem. Por isto, disse, o servo é aquele que conserva essa doçura, suavidade de caridade e amor pela unidade. Mas eu mesmo que a conservo, ainda te peço, pois os delitos quem os compreende?”. [2]

O pecado é algo não inteligível e como tal, contrário à natureza inteligente. Nele muitas vezes encontramos esta procura da suavidade do deleite, como diz o Hiponense. Entretanto, esta é contrária à verdadeira suavidade que se fala na Dignitatis Humanae, com a qual a providência divina faz com que o homem: “possa conhecer cada vez mais a verdade imutável[3]. Mas a falsa suavidade que se encontra na transgressão da Lei Eterna turba os olhos que são feitos para a Verdade. Deteriorada a inteligência pela vontade pecaminosa, o homem perde a consciência reta.

A verdadeira liberdade ― afirmada na Gaudim et Spes ― é: “um sinal altíssimo da imagem divina”[4] impresso no homem que é criado à imagem e semelhança de Deus. Da liberdade provém a dignidade, quando: “libertando-se da escravidão das paixões, tende para o fim pela livre escolha do bem”[5].

Porém, ferida a alma pelo pecado voluntariamente cometido, o homem somente consegue realizar tal libertação das paixões com a ajuda da divina graça. Não esqueçamos que na DH, o Concílio cita como fonte os textos de São Tomás, nos quais fica claro que: “devido à corrupção da natureza se inclina ao bem privado, enquanto não seja curado pela graça divina[6].

O mesmo repete a Gaudium et Spes: “A liberdade do homem, ferida pelo pecado, só com a ajuda da graça divina pode tornar plenamente efetiva esta orientação para Deus[7].


[1] Salmo 18, 13.

[2] Santo Agostinho, Super Salmos, 18.

[3] DH 3.

[4] Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037.

[5] Ibidem.

[6] Suma Teológica I-II q. 109 a. 3 co.: “propter corruptionem na­tu­rae sequitur bonum privatum, nisi sanetur per gratiam Dei”.

[7] Gaudium et spes, 17: AAS 58 (1966) 1037.

A eficácia das obras com Fé

Pe. José Victorino de Andrade, EP

Na segunda metade do séc. IV, Juliano pretendeu que o Império Romano promovesse algumas ações caritativas em detrimento das eficientes e inovadoras práticas sociais cristãs. Não pretendia somar esforços, mas dividir ou mesmo totalizar, por isso, não tardou em perseguir os seguidores de Jesus. Entretanto, seria Juliano a sair desta vida precocemente, à semelhança de suas obras, morrendo numa desastrosa campanha contra os persas. E as obras sociais por ele estimuladas, imitações das ações caritativas impulsionadas pelo amor, revelaram a fragilidade e inconstância das ações puramente humanas.

Também hoje, a solidariedade que não tem seus fundamentos em Deus e no amor ao próximo, corre sempre o risco de ser instrumentalizada e reduzida a uma prestação de serviços. Para não ser manipulada por interesses que se desviam do bem comum e da dignidade humana, é sempre necessária uma referência que transcenda o homem e o seu egoísmo. Ora, o mandamento novo dado por Jesus (Jo 13, 34) leva os cristãos a um dinamismo próprio, pois continuamente estão chamados a conciliar, coerentemente, a Fé e as obras (Tg 2, 14).

A caridade praticada por uma coletividade tem sempre tendência a ser mais eficaz do que a dos indivíduos, mas esta corre sempre o risco de ser sufocada pelas exigências e desafios contemporâneos se não contar com uma colaboração ativa e efetiva de todas as instituições empenhadas na construção de um mundo mais justo e pacífico. Neste sentido, a Igreja tem um forte aporte a dar ao Estado: transforma a Fé num “serviço ao bem comum” fazendo com que a sociedade caminhe para um “futuro de esperança” (Lumen Fidei, n. 51). Sabe, ademais, que o que é de Deus permanece…

À ordem temporal, a Igreja lembra em seu Compêndio de Doutrina Social a responsabilidade de “tornar acessíveis às pessoas os bens necessários materiais, culturais, morais, espirituais”, tendo presente que o “fim da vida social é o bem comum historicamente realizável” (n. 168). E continua o documento: “O bem comum da sociedade não é um fim isolado em si mesmo; ele tem valor somente em referência à obtenção dos fins últimos da pessoa e ao bem comum universal de toda a criação. Deus é o fim último de suas criaturas e por motivo algum se pode privar o bem comum da sua dimensão transcendente” (n. 170).

A Verdadeira Estabilidade Matrimonial e Familiar

Familia2Pe. Álvaro Mejía Londoño EP

Deus que é Amor e criou o homem por amor, chamou-o também a amar criando o homem e a mulher; e chamou-os no matrimônio a uma íntima comunhão de vida e amor, de maneira a já não serem dois, mas uma só carne.[i] O homem se completa na união com o outro sexo. É assim que ele é impelido ao matrimônio, a uma ligação caracterizada pela unicidade e para sempre, um amor exclusivo e definitivo, “ícone do relacionamento de Deus com Seu povo e vice-versa; o modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano”.[ii]

Ao abençoá-los disse-lhes: “Crescei e multiplicai-vos”.[iii] Portanto, uma forma de vida em que se realiza aquela comunhão de pessoas que implica o exercício da faculdade procriativa, conforme afirmam diversas passagens da escritura: “[…] serão uma só carne”.[iv] São assim chamados a colaborar com Deus na geração e educação de novas vidas.

Fundado e estruturado com leis próprias — dadas pelo próprio Criador — e ordenado pela natureza à comunhão e ao bem dos cônjuges, à procriação e à educação dos filhos, o Divino Mestre ensina que, segundo desígnio original divino, a união matrimonial é indissolúvel pois, “o que Deus uniu, não o separe o homem” (Mc 10, 9). Ele quis, com uma santa pedagogia, ressaltar a Aliança de Deus com o povo de Israel, pré-figura da Aliança nova do Filho de Deus — Jesus Cristo — com Sua esposa, a Igreja Santa. Dessa forma, o matrimônio cristão é também sinal eficaz da aliança entre Cristo e a Igreja.

O matrimônio não é, pois, uma união qualquer entre pessoas humanas. Foi instituído pelo Criador que o dotou de uma natureza própria, propriedades essenciais e finalidades.[v] Essa união entre o homem e a mulher foi elevada por Cristo à dignidade de Sacramento.

O sacramento do matrimônio constitui os cônjuges num estado público de vida da Igreja e, por isso, se faz uma celebração pública na qual o ministro é um testemunho. Pela sua própria natureza, o matrimônio rato e consumado entre batizados nunca pode ser dissolvido, devido à unidade exclusiva do amor conjugal. Mesmo que não possa ser possível uma convivência normal e que, por isso, recorram à separação, os cônjuges não são livres para contrair uma nova união, a não ser que o matrimônio seja expressamente declarado nulo pela Igreja. Recorda-nos São Marcos no seu Evangelho as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Quem se divorciar da sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar do seu marido e casar com outro, comete adultério”.[vi]

Conforme alocução de Bento XVI ao Tribunal da Rota Romana:
Os contraentes devem se comprometer de modo definitivo, precisamente porque o matrimônio é tal no desígnio da criação e da redenção. E a juridicidade essencial do matrimônio reside exatamente nesse vínculo, que para o homem e a mulher representa uma exigência de justiça e de amor ao qual, para o seu bem e para o bem de todos, eles não se podem subtrair sem contradizer aquilo que o próprio Deus realizou neles.[vii]

A família é um bem necessário e imprescindível para toda a sociedade, núcleo e realidade natural, fundamento da própria sociedade, e tem o direito de ser protegida e reconhecida pela sociedade e pelo Estado. Ela tem uma dimensão social única, pela sua natureza, posto que a procriação situa-se como princípio “genético” da sociedade, como lugar primário de transmissão e cultivo de valores e, conseqüentemente, como princípio da cultura e garantia da própria sobrevivência da sociedade. Podemos dizer com toda a segurança que o matrimônio tem as suas próprias leis, não dependendo do arbítrio das pessoas ou da sociedade. Não é um fenômeno meramente cultural e dependente do “sentir” subjetivo da época atual, mas tem como fundamento o próprio Deus.

É preciso ter presente que a estabilidade do matrimônio e da família não está exclusivamente confiada à intenção e à boa vontade dos implicados; ele tem um caráter institucional, adquire caráter público, inclusive após o reconhecimento jurídico por parte do Estado. Está em causa a própria dignidade do(s) gerado(s) ser o fruto de uniões íntimas permanentes, provir de pais unidos, estabilidade essa que deve ser do interesse de todos, sobretudo velando por estes que são os mais débeis: os filhos.
Com o matrimônio se assumem publicamente, mediante o pacto de amor conjugal, todas as responsabilidades do vínculo estabelecido. Dessa assunção pública de responsabilidades resulta um bem não só para os próprios cônjuges e filhos no seu crescimento afetivo e formativo, como também para os outros membros da família. Dessa forma, a família que tem por base o matrimônio é um bem fundamental e precioso para a sociedade inteira, cujos entrelaces mais firmes estão sob os valores que se manifestam nas relações familiares que encontram sua garantia no matrimônio estável. O bem gerado pelo matrimônio é básico para a própria Igreja, que reconhece na família a “Igreja doméstica” (Lumen gentium n.11, Decr. Apostolicam auctositatem, n.11). Tudo isso se vê comprometido com o abandono da instituição matrimonial implícito nas uniões de fato.[viii]

Uma pretendida equiparação entre família e uniões de fato vai contra a verdade das coisas, anulando diferenças substanciais e introduzindo “modelos” de família que de nenhum modo podem se comparar entre si, e que acabam por desacreditar injustamente a família tipo, que a história da humanidade de todos os tempos viu desde sempre, não como uma relação genérica, mas como uma realidade que tem a sua origem no matrimônio, ou seja, no pacto estipulado entre pessoas de sexo diverso, realizado a partir de uma eleição que se pretende recíproca e livre, e que compreende, pelo menos como projeto, uma relação procriadora.

Santo Agostinho e São Tomás nos ensinam que a lei positiva humana tem força quando é justa e não contradiz a lei natural. Doutra forma já não seria lei, senão corrupção da lei… É certo que há distinção entre lei moral e lei civil; distinção, porém, que não é separação e muito menos contradição, não podendo o poder civil, sob a égide de uma certa e questionável tolerância, registrar certas situações e colocar-lhes um selo de legalidade, como continua a acontecer um pouco por todo o lado.

Toda a sociedade está baseada na noção sólida de que a família é uma comum união de amor e de vida entre um homem e uma mulher, provavelmente geradora de vida. O amor humano entre sexos distintos que cria um vínculo de unidade estável e aberta à vida constitui uma verdade e um valor antropológico. A negação e ausência dessa fundamental e elementar verdade levaria à destruição do tecido social. Logo, dar às uniões do mesmo sexo um status de semelhança com as uniões propriamente matrimoniais constitui um atropelo e um desconhecimento do que é o bem comum e a verdade do homem, do que é e comporta o verdadeiro matrimônio, exigência interna do amor conjugal que faz do casal heterossexual partícipe da ação criadora de Deus.
Não existe nenhum fundamento para assimilar ou estabelecer analogias, nem mesmo as remotas, diante das uniões homossexuais e o desígnio de Deus sobre o matrimônio e a família. O matrimônio é santo, enquanto as relações homossexuais contrastam com a lei moral natural. Na realidade, as relações homossexuais não permitem o dom da vida pelo ato sexual. Não são frutos de uma verdadeira complementação afetiva e sexual. Não podem receber aprovação em caso algum.[ix]

Nessas uniões, encontramos uma impossibilidade objetiva de fazer frutificar o matrimônio mediante a transmissão da vida, que é realmente o projeto do próprio Deus, na própria estrutura do ser humano. Há uma ausência radical de caráter sexual, tanto no plano físico-biológico como no psicológico, que apenas se dá na relação homem-mulher.

Há uma série de razões que se opõem a essas uniões:

a) De ordem racional — As leis devem ser conformes o direito natural; o Estado não pode legalizá-las sem faltar ao dever de promover e tutelar uma instituição essencial para o bem comum, como é o matrimônio. Estaria obscurecendo a percepção de alguns valores fundamentais frente ao corpo social. O costume tem força de lei e, portanto, qual será o efeito desses “reconhecimentos” para as novas gerações?

b) De ordem biológica e antropológica — Há uma ausência completa, impossível de complementaridade sexual; não se promove a ajuda mútua dos sexos, como no verdadeiro matrimônio, e não há a possibilidade de transmissão de vida. Com a eventual adoção infantil, a ausência da bipolaridade sexual cria obstáculos ao desenvolvimento normal das crianças.

c) De ordem social A sociedade deve a sua sobrevivência à família estabelecida sobre o verdadeiro matrimônio. O reconhecimento dessas uniões leva a uma redefinição do conceito de matrimônio, pois perderia a referência essencial aos fatores associados à heterosexualidade, especialmente à procriação e à educação.

d) De ordem jurídica — O matrimônio tem a grande missão de garantir a ordem da procriação e como tal é de interesse público; por isso é brindado com um reconhecimento institucional. Isso até pela sobrevivência da própria sociedade.

Termino as considerações feitas com este texto de São Josemaría Escrivá, que tanta importância deu à família:
É verdadeiramente infinita a ternura de Nosso Senhor. Reparemos com que delicadeza trata os Seus filhos. Fez do matrimônio um vínculo santo, imagem da união de Cristo com a Sua Igreja (cf. Ef 5, 32), um grande Sacramento em que se alicerça a família cristã, que há de ser, com a graça de Deus, um ambiente de paz e de concórdia, escola de santidade. Os pais são cooperadores de Deus. Daí procede o amável dever de veneração que cabe aos filhos. Com razão se pode chamar o quarto mandamento de dulcíssimo preceito do Decálogo. […] Quando se vive o matrimônio como Deus quer, santamente, o lar torna-se um recanto de paz, luminoso e alegre.[x]


[i]Cf. Mt 19, 6.

[ii] BENTO XVI, Deus Caritas Est, 11.

[iii] Gn 1, 28.

[iv] Ef 5, 31; 1 Cor 6, 16; Gn 2, 24.

[v] Cf. Gaudium et spes, n. 48.

[vi] Mc 10, 11-12.

[vii] BENTO XVI. Discurso por ocasião da inauguração do Ano Judiciário do Tribunal da Rota Romana. 27 jan. 2007.

[viii] Conselho Pontifício para a Família. Família – Matrimônio e “Uniões de fato”. 26 jul. 2000.

[ix] Congregação para a Doutrina da fé. Considerações a cerca dos projetos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais. 3 jun. 2003; Catecismo da Igreja Católica, n. 2357.

[x] ESCRIVÁ, Josemaría. 7 jan. 2007. Disponível em: <http://www.opusdei.org.br/art.php?p=5149>. Acesso em: set. 2008.

Os apetites humanos

Mons. João S. Clá Dias, EP

Todas as coisas apetecem o bem, diz São Tomás, até mesmo as que carecem de conhecimento.[1] O Aquinate assim define essa natural propensão dos seres:

“Por isso, já que todas as coisas estão ordenadas e dirigidas por Deus ao bem, e em cada uma delas há um princípio pelo qual elas tendem ao fim, como dirigindo-se ao fim, deve-se dizer que todas as coisas naturais apetecem o bem por natureza”.[2]

Esse primeiro tipo de inclinação — chamado apetite natural — é uma tendência sempre atual, que relaciona uma forma a seu bem ou à sua perfeição. Por exemplo, um corpo pesado inclina-se de maneira constante para baixo. O homem, como criatura que é, compartilha o apetite natural com todos os outros seres. São Tomás afirma ainda:

“A ordem dos preceitos da lei natural é conforme à ordem das inclinações naturais. Pois a primeira inclinação que existe no homem, de acordo com a natureza que ele tem de comum com todas as substâncias, é para o bem, no sentido de que toda substância procura a conservação do seu ser, segundo sua natureza”.[3]

Conforme Frei Abelardo Lobato, O.P., “o apetite natural se manifesta de modo magnífico na lex naturalis do homem, uma esplêndida participação da lei eterna”.[4] E acrescenta:

“Tomás de Aquino colocou em relevo de muitos modos tudo o que é conatural ao homem. A natureza compreende a totalidade, é determinada pela espécie, e tem um peso ontológico que se inclina para os bens convenientes a ela, com anterioridade aos dinamismos das potências. Na esfera do conhecer há que se admitir conhecimentos por conaturalidade e por instinto, que brotam espontaneamente do espírito do homem”.[5]

Note-se que tal conhecimento por conaturalidade, por se tratar de um conhecimento instintivo prévio, reveste-se da maior importância na determinação dos atos humanos. Lobato afirma que esse apetite natural “tende para o bem de modo determinado e bem seguro”.[6]

Além do apetite natural, os animais dispõem ainda do apetite sensitivo, ao qual, no caso do homem, acrescenta-se o apetite racional. Estes dois apetites supõem o conhecimento sensível e o intelectual.

Segundo Lobato, este é um dos pontos fundamentais da antropologia tomista — os três tipos de apetites do homem — que constituem justamente a primeira base, o primeiro substrato da tendência e movimento do ser humano para o bem.

Sendo passivas, as potências apetitivas se distinguem pelos princípios motores que as determinam. O fato de o objeto desejado ser apreendido pelo sentido ou pela inteligência não constitui uma circunstância puramente acidental: a afetividade sensível orienta-se para os bens particulares, considerados como tais; o apetite racional — a vontade — sempre visará a esses bens particulares sob a razão universal de bem. Assim como a atividade da razão tende à verdade, a da vontade tende para o bem.

Depois de lembrar a “persistência e determinação” dos apetites naturais, Lobato diz que isso só é compreensível se for referido ao próprio Autor da natureza,

“que deu a cada ser uma tendência para os bens que lhe convêm. Daí procede o ímpeto de conservar, manter e acrescentar o próprio ser. No homem, o apetite natural está na base de todas as suas inclinações. Enquanto é homo viator, é homem de desejos”.[7]

O apetite sensitivo procede da forma e do conhecimento sensível, sendo comum aos homens e aos animais irracionais. A atividade sensitiva humana conta com duas potências distintas, pelas quais tende ao bem, quando este se apresenta simplesmente como tal (bonum simpliciter), ou se dispõe ao esforço para obtê-lo, quando é preciso vencer dificuldades e obstáculos (bonum arduum). No primeiro caso temos o apetite concupiscível; no segundo, o irascível. O mal sensível também é objeto das potências sensitivas, causa repugnância à concuspicência e provoca no irascível a disposição para a luta, a fim de evitá-lo.

De modo sucinto, Lobato define o apetite sensitivo como sendo

“o movimento do sujeito em direção aos bens concretos, que o conhecimento descobriu na esfera do sensível, nos entes reais, e os apetece aqui e agora como algo que lhe agrada, que lhe é útil, ou algum mal de que ele foge porque se lhe mostra nocivo”.[8]

Os atos do apetite sensitivo (concupiscíveis e irascíveis) são acompanhados de modificações corporais. Costuma-se denominá-los paixões, designando uma tendência ou um movimento de caráter ativo, ou uma afeição aparentemente passiva. Em si mesmas, as paixões não são boas nem más. No homem elas recebem uma influência da razão e da vontade. Na medida em que essa influência seja voluntária e livre, haverá bondade ou malícia moral.

Entre as principais paixões, as pertencentes ao concupiscível são a alegria, a tristeza, o amor e o ódio. Ao irascível pertencem a audácia, o temor, a esperança e semelhantes.[9]

O apetite irascível apela para faculdades mais intelectivas, diferentemente do apetite concupiscível; para desejar bastam sensações ou imagens; para se encolerizar é preciso tomar consciência das relações abstratas ao alcance apenas dos sentidos internos superiores, a cogitativa e a memória, e envolver mais a razão.

As tendências estáveis adquiridas por repetição de atos são chamadas hábitos. Estes podem ser maus (vícios), ou bons (virtudes).

Acima do apetite sensitivo, coloca-se o apetite racional, chamado também de vontade, sobre o qual falaremos mais adiante.


[1] De Veritate, q. 22, a. 1: “Dicendum quod omnia bonum appetunt, non solum habentia cognitionem sed etiam quae sunt cognitionis expertia”.

[2] De Veritate, q. 22, a. 1.

[3] S. Th. I-II, q. 94, a. 2. “Inest enim primo inclinatio homini ad bonum secundum naturam in qua communicat cum omnibus substantiis: prout scilicet quaelibet substantia appetit conservationem sui esse secundum suam naturam”.

[4] LOBATO, Abelardo. El hombre en cuerpo y alma. Tratado I: El cuerpo humano. In: El Pensamiento de Tomás de Aquino para el hombre de Hoy. Vol. 1. Valencia: Edicep, 1994. p. 212.

[5] Ibidem, p. 212-213.

[6] Ibidem, p. 213.

[7] Loc. cit.

[8] Loc. cit.

[9] Cf. S. Th. I-II, q. 23, a. 1.

O vinho usado na Celebração Eucarística

Adaptado de: Samuel Alemão: Vinho de Missa in Noticias Sábado, 2 Fev 2008 / Os sabores da fé. In Expresso, 20 de Out 2001.

”Este é o Cálice do Meu sangue, o sangue da nova e eterna Aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim”. Com o cálice elevado, o sacerdote marca a solenidade… Depois de um breve compasso, baixa-o e bebe um pouco de vinho, prosseguindo com a liturgia. Esta é uma cena que se repete, desde os primórdios da Cristandade, em qualquer local onde tenha lugar a celebração da missa.

Na Idade Média, os vinhos de missa começaram a ser produzidos pelos monges beneditinos e cisterciences, grandes impulsionadores da vinha na Europa – explica António Ventura, enólogo das Caves D. Teodósio.

Porém, muitos crentes ignoram que tipo de vinho é usado para a consagração. Alguns interrogar-se-ão se será vinho comum, como aquele que bebemos à mesa, ou até se será sempre tinto. Desconhecem, inclusive, que também é engarrafado e, depois de aberto, colocado em pequenas galhetas, as quais são vertidas para o cálice durante a celebração. Há, entretanto, quem se preocupe com a qualidade do néctar.

”O vinho é uma arte, requer conhecimento. As uvas podem dar origem a algo bom ou ir parar às mãos de um mixordeiro”, afirma o cónego Álvaro Bizarro, que no Patriarcado supervisiona a produção enológica. Trata-se de uma pessoa abalizada- além de membro da Igreja, produz vinho há muito anos. É um apreciador e, como tal, gosta de saber que aquilo que os seus colegas bebem não é qualquer zurrapa.

”O vinho é o continuador da tradição. Foi usado, tal como o pão, como sinal da Aliança”, recorda o cónego, confessando que, apesar de toda a simbologia associada à cor do vinho, muitos são os padres que preferem usar vinho branco para evitar sujar os panos utilizados na celebração litúrgica. Apesar de muitos vinhos de missa poderem ser qualificados como licorosos, não é obrigatório que assim seja. Por norma, o que define o vinho de missa são os preceitos adoptados na sua elaboração e os seus componentes.

”Pedem-nos vinho feito de acordo com os processos naturais’ diz Francisco Antunes, enólogo das Caves Aliança, sediada em Sangalhos.

Existe uma ‘receita’ estabelecida para que o vinho seja considerado de acordo com os processos ‘naturais’. Para o conseguir limita-se a uma percentagem de 6 por cento a quantidade de produtos não vínicos utilizados na elaboração desse vinho, como sejam o ácido tartárico e os sulfitos. Por outro lado, também se estabelecem limites para o uso de produtos de origem vínica na feitura do vinho de missa. É o caso da aguardente, que serve para interromper o processo de fermentação, impedindo que o produto final seja muito doce. No caso das Caves Aliança, o Tabor resulta de um estágio em barricas de madeira antes utilizadas na produção de ‘bourbon’. Método que não se utiliza na Seminagro, cujos vinhos não são sujeitos a amadurecimento em madeira.

Como se disse, muito do vinho de missa pode ser encaixado na categoria dos licorosos, mas como salienta Mário Policarpo, que zela pela produção saída dos 17 hectares de vinha pertencentes ao Patriarcado de Lisboa, o importante é que existam uvas que valham a pena vinificar.

”Desde que façam vinho de qualidade, servem para fazer vinho de missa”, diz.

“Também se podem utilizar vinhos licorosos, semelhantes aos vinhos de missa. No dia do meu casamento, o frei dominicano que celebrou a cerimónia utilizou um velhíssimo Moscatel de Setúbal”, confessa Paulo Laureano, enólogo e consultor de vinhos em várias adegas de Portugal.

A preservação do direito à vida

Pe. Leopoldo Werner, EP

Enquanto ser vivo, o homem deve respeitar o ser que recebeu de Deus, o que o obriga a zelar pela manutenção de sua vida e de sua saúde e o proíbe matar-se a si próprio.

Como corolário desta lei, não está em nosso poder o matar ou ferir nossos semelhantes, a não ser em legítima defesa, em determinadas condições. Este direito à vida está fundamentado na dignidade da pessoa humana, e ele se estende desde a concepção até sua morte natural. Esta dignidade diz respeito, por sua vez, aos bens do espírito tanto quanto aos bens do corpo, pois enquanto se está nesta vida eles são inseparáveis.

O direito à vida tem seus corolários: tudo o que se opõe à vida, à sua integridade física e moral, sua dignidade como pessoa humana, constituem violações que prejudicam gravemente o progresso da civilização, degradam os costumes e as instituições humanas e ofendem gravemente a honra devida ao Criador. O Papa João Paulo II, na Veritatis Splendor, reafirma a doutrina do Vaticano II:

 “Tudo quanto se opõe à vida, como são todas as espécies de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador” (1993: 80).

Estes mesmos conceitos são também defendidos por homens de vários campos do saber. É como explica o conhecido jurísta brasileiro Ives Gandra:

“É evidente que o direito à vida implica outros direitos que lhe permitam ser exercido, que também são de direito natural, como o direito à educação, à liberdade de associação, ao trabalho, à saúde, à dignidade pertinente ao ser humano, à intimidade, a não ser afastado da convivência social, senão se lhe trouxer mal superior, a partir dos indícios de sua atuação pregressa.O direito à vida é o principal direito do ser humano. Cabe ao Estado preservá-lo, desde a sua concepção, e preservá-lo tanto mais quanto mais insuficiente for o titular deste direito. Nenhum egoísmo ou interesse estatal pode superá-lo. Sempre que deixa de ser respeitado, a história tem demonstrado que a ordem jurídica que o avilta perde estabilidade futura e se deteriora rapidamente” (GANDRA DA SILVA MARTINS, Ives. Fundamentos do direito natural à vida. In: http://www.academus.pro.br/professor/ivesgranda/artigos_fundamentos.htm. Acessado em 26/4/2009).

O papel da liturgia na santificação das almas

Alguns aportes para a Liturgia de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

 A liturgia torna possível exercer uma ação mais profunda nas almas, não só levando-as a participar mais ativamente nos sagrados mistérios, mas também abrindo para elas, através da beleza dos rituais, a via pulchritudinis, por excelência.

 Além da beleza que lhe é própria, a liturgia realiza por seu simbolismo e essência, e do modo mais esplendoroso possível, a sacralização das realidades temporais, em que se devem empenhar todos os fiéis. Na Celebração Eucarística, é o Céu que se liga à Terra, o espiritual ao temporal. É Cristo, ao mesmo tempo o arquétipo do gênero humano e o Filho de Deus, que se oferece ao Pai, para interceder por seus irmãos.

 É próprio à natureza humana tender a imitar aquilo que admira, e nisso consiste a melhor forma de aprendizado. Não se poderá negar que uma liturgia celebrada com a devida compenetração e manifestando toda a beleza que lhe é inerente há de ter uma ação benéfica sobre os fiéis, moldando a fundo sua mentalidade e levando-os a imitarem em alguma medida o ritual presenciado.

 Essa transposição do cerimonial não se cifra numa reprodução de gestos, mas em projetar para a vida temporal o ambiente de sacralidade presenciado nos atos litúrgicos. O pai ou a mãe que assistem a uma celebração esplendorosa, repetirão instintivamente no dia a dia, no “ritual” da igreja doméstica, o cerimonial da Igreja. Dar a bênção aos filhos, por exemplo, é uma forma de fazer presente o espírito católico na realidade temporal da família.

Extraído de:

 DIAS, João Scognamiglio Clá. Considerações sobre a gênese e o desenvolvimento do movimento dos Arautos do Evangelho e seu enquadramento jurídico, 2008. Tese de Mestrado em Direito Canônico — Pontifício Instituto de Direito Canônico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

Chamados por Deus a anunciar o Evangelho – Homilia do Papa Francisco na Catedral do Rio de Janeiro

Amados Irmãos em Cristo,

Vendo esta catedral lotada com Bispos,  sacerdotes, seminaristas, religiosos e religiosas vindos do mundo inteiro, penso  nas palavras do Salmo da Missa de hoje: «Que as nações vos glorifiquem, ó  Senhor» (Sl 66). Sim, estamos aqui reunidos para glorificar o Senhor; e o  fazemos reafirmando a nossa vontade de sermos seus instrumentos, para que não  somente algumas nações mas todas glorifiquem o Senhor. Com a mesma parresia –  coragem, ousadia – de Paulo e Barnabé, anunciemos o Evangelho aos nossos jovens  para que encontrem Cristo, luz para o caminho, e se tornem construtores de um  mundo mais fraterno. Neste sentido, queria refletir com vocês sobre três  aspectos da nossa vocação: chamados por Deus; chamados para anunciar o  Evangelho; chamados a promover a cultura do encontro.

1. Chamados por Deus. É importante reavivar  em nós esta realidade que, frequentemente, damos por descontada em meio a tantas  atividades do dia-a-dia: «Não fostes vós que me escolhestes, mas eu que vos  escolhi», diz-nos Jesus (Jo 15,16). Significa retornar à fonte da nossa chamada.  No início de nosso caminho vocacional, há uma eleição divina. Fomos chamados por  Deus, e chamados para permanecer com Jesus (cf. Mc 3, 14), unidos a Ele de um  modo tão profundo que nos permite dizer com São Paulo: «Eu vivo, mas não eu, é  Cristo que vive em mim» (Gal 2, 20). Este viver em Cristo configura realmente  tudo aquilo que somos e fazemos. E esta “vida em Cristo” é justamente o que  garante a nossa eficácia apostólica, a fecundidade do nosso serviço: «Eu vos  designei para irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça» (Jo  15,16). Não é a criatividade pastoral, não são as reuniões ou planejamentos que  garantem os frutos, mas ser fiel a Jesus, que nos diz com insistência:  «Permanecei em mim, e eu permanecerei em vós» (Jo 15, 4). E nós sabemos bem o  que isso significa: Contemplá-lo, adorá-lo e abraçá-lo, particularmente através  da nossa fidelidade à vida de oração, do nosso encontro diário com Ele presente  na Eucaristia e nas pessoas mais necessitadas. O “permanecer” com Cristo não é  se isolar, mas é um permanecer para ir ao encontro dos demais. Vem-me à cabeça  umas palavras da Bem-aventurada Madre Teresa de Calcutá: «Devemos estar muito  orgulhosas da nossa vocação, que nos dá a oportunidade de servir Cristo nos  pobres. É nas favelas, nos «cantegriles» nas Villas miseria, que nós devemos ir  procurar e servir a Cristo. Devemos ir até eles como o sacerdote se aproxima do  altar, cheio de alegria» (Mother Instructions, I, p.80). Jesus, Bom Pastor, é o  nosso verdadeiro tesouro; procuremos fixar sempre mais n’Ele o nosso coração  (cf. Lc 12, 34).

2. Chamados para anunciar o Evangelho.  Queridos bispos e sacerdotes, muitos de vocês, senão todos, vieram acompanhar  seus jovens à Jornada Mundial. Eles também ouviram as palavras do mandato de  Jesus: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações» (cf. Mt 28,19). É nosso  compromisso ajudá-los a fazer arder, no seu coração, o desejo de serem  discípulos missionários de Jesus. Certamente muitos, diante desse convite,  poderiam sentir-se um pouco atemorizados, imaginando que ser missionário  significa deixar necessariamente o País, a família e os amigos. Recordo o meu  sonho da juventude: partir missionário para o longínquo Japão. Mas Deus me  mostrou que o meu território de missão estava muito mais perto: na minha pátria.  Ajudemos os jovens a perceberem que ser discípulo missionário é uma consequência  de ser batizado, é parte essencial do ser cristão, e que o primeiro lugar onde  evangelizar é a própria casa, o ambiente de estudo ou de trabalho, a família e  os amigos.

Não poupemos forças na formação da  juventude! São Paulo usa uma bela expressão, que se tornou realidade na sua  vida, dirigindo-se aos seus cristãos: «Meus filhos, por vós sinto de novo as  dores do parto até Cristo ser formado em vós» (Gal 4, 19). Também nós façamos  que isso se torne realidade no nosso ministério! Ajudemos os nossos jovens a  descobrir a coragem e a alegria da fé, a alegria de ser pessoalmente amados por  Deus, que deu o seu Filho Jesus para nossa salvação. Eduquemo-los para a missão,  para sair, para partir. Jesus fez assim com os seus discípulos: não os manteve  colados a si, como uma galinha com os seus pintinhos; Ele os enviou! Não podemos  ficar encerrados na paróquia, nas nossas comunidades, quando há tanta gente  esperando o Evangelho! Não se trata simplesmente de abrir a porta para acolher,  mas de sair pela porta fora para procurar e encontrar. Decididamente pensemos a  pastoral a partir da periferia, daqueles que estão mais afastados, daqueles que  habitualmente não freqüentam a paróquia. Também eles são convidados para a Mesa  do Senhor.

3. Chamados a promover a cultura do  encontro. Em muitos ambientes, infelizmente, ganhou espaço a cultura da  exclusão, a “cultura do descartável”. Não há lugar para o idoso, nem para o  filho indesejado; não há tempo para se deter com o pobre caído à margem da  estrada. Às vezes parece que, para alguns, as relações humanas sejam regidas por  dois “dogmas” modernos: eficiência e pragmatismo. Queridos Bispos, sacerdotes,  religiosos e também vocês, seminaristas, que se preparam para o ministério,  tenham a coragem de ir contra a corrente. Não renunciemos a este dom de Deus: a  única família dos seus filhos. O encontro e o acolhimento de todos, a  solidariedade e a fraternidade são os elementos que tornam a nossa civilização  verdadeiramente humana.

Temos de ser servidores da comunhão e da  cultura do encontro. Permitam-me dizer: deveríamos ser quase obsessivos neste  aspecto! Não queremos ser presunçosos, impondo as “nossas verdades”. O que nos  guia é a certeza humilde e feliz de quem foi encontrado, alcançado e  transformado pela Verdade que é Cristo, e não pode deixar de anunciá-la (cf. Lc  24, 13-35).

Queridos irmãos e irmãs, fomos chamados por  Deus, chamados para anunciar o Evangelho e promover corajosamente a cultura do  encontro. A Virgem Maria seja o nosso modelo. Na sua vida, Ela deu «exemplo  daquele afeto maternal de que devem estar animados todos quantos cooperam na  missão apostólica que a Igreja, tem de regenerar os homens» (Conc. Ecum. Vat.  II, Cost. dogm. Lumen gentium, 65). Seja Ela a Estrela que guia com segurança  nossos passos ao encontro do Senhor. Amém.

In: http://www.gaudiumpress.org/content/49131-Leia-aqui-a-integra-da-homilia-do-Papa-na-Catedral-neste-sabado#ixzz2aNDa7AJf