Amor e holocausto

Mons. João S. Clá Dias, EP

Para São Tomás, a essência do oferecimento de Jesus, como vítima na Cruz, encontra seu verdadeiro valor espiritual não só na paciência com que suportou a Paixão, ou no auge da dor moral e física a que foi submetido. Ele chama a atenção para a obediência suprema da Divina Vítima, disposta a sofrer o auge de humilhação e dor, até à morte. Com efeito, abdicando de Sua vontade humana — “não seja feito como Eu quero, mas como Tu queres”(Mt 26, 39) — contradiz a soberba do homem pecador (cf. Rm 5, 19), conferindo assim méritos infinitos a Seus sofrimentos e morte.[1]

É notória, como ressalta o próprio Doutor Angélico, a ligação íntima entre a obediência de Cristo e Sua ardente caridade. Sua obediência exímia “procedia da dileção que possuía pelo Pai e por nós”.[2] Ao mesmo tempo, por atingir o extremo de submissão e humilhação, mostrou-nos “a largura, o comprimento, a altura e a profundidade” de Seu amor “que ultrapassa todo o conhecimento” (Ef 3, 18-19).

Ao provar no artigo 2 da questão 22 que Cristo foi sacerdote e vítima ao mesmo tempo, São Tomás dá como principal argumento as palavras do Apóstolo: “Cristo nos amou e Se entregou a Deus por nós em oblação, como vítima agradável” (Ef 5, 2). Parece depreender-se daí que o amor de Jesus por nós foi a causa de Sua total entrega em holocausto.[3]


[1] Cf. Super Philip. cap. 2, lec. 2.
[2]Super Rom. cap. 1, lec. 5.
[3] Cf. Super Eph. cap. 3, lec. 5.

APOSTOLADO E AMOR À CRUZ

pescadorPadre Mário Corti, S. J.

 

“O apóstolo que diz ou protesta querer salvar as almas e se cerca de comodidade, e foge à mortificação e abnegação, se assemelha ao açougueiro que não quer manchar‑se de sangue, ou ao coveiro que teme tocar nos mortos. É claro que errou o ofício.

 

S. Pedro Claver, o apóstolo dos negros pobres, aos que o aconselhavam a resguardar‑se e poupar‑se nas fadigas, dizia:

 

“‑ Não é apto para o mister de pescador, que tem medo de molhar os pés”.

 

O Ven. Chevrier, comentando a passagem evangélica: “Se o grão de trigo caído em terra não morre, fica só”, dizia:

 

“‑ O apóstolo, como o grão de trigo, deve ser atirado ao chão, soterrado, para apodrecer; retalhado, peneirado, moído, amassado, cozido, comido: só nessas condições torna‑se útil às almas”.

 

A beata Canossa dizia muitas vezes às suas irmãs:

 

“‑ Devemos ser para as almas como o limão que se deixa se espremer até que não sobre mais nele uma só gota de suco”.

 

O Pe. Olivaint, S. J., que morreu mártir, exprimia o mesmo pensamento desta forma:

 

“‑ Senhor, esta manhã junto ao altar, era eu o sacerdote, e Tu a vítima; agora, Tu o sacerdote e eu a vítima”.

 

S. Carlos Borromeu, aos que o aconselhavam a omitir as penitências e reduzir as austeridades, respondia:

 

“‑ O apóstolo é comparado pelo Divino Redentor à lâmpada. E não pode ajudar as almas a não ser consumindo‑se a si mesmo”.

Padre Mário Corti, S. J., Viver em graça, Edições Paulinas, primeira edição, 1957, pp. 265 e 266.