Via Pulchritudinis: caminho privilegiado

Diác. Felipe Ramos, EP

São Tomás não compôs nenhum tratado específico sobre a beleza, e tampouco a tratou de modo esquemático.

Por outro lado, o Aquinate interpreta o conceito de graduação para remeter a um máximo sempre no conceito dos transcendentais,[1] “facetas” do ser, por assim dizer. Os exemplos que ele nos oferece na quarta via são bonum, verum e nobile. Bonum e verum ele sempre enumerou entre os transcendentais,[2] mas e o nobile? Seria também um transcendental?

Não é possível dizer com absoluta certeza o que o Angélico quis dizer exatamente com nobile, pois há inclusive diversas interpretações. Uma delas é o conceito filosófico de valor que também pode ser interpretado como propriedade transcendental.[3]

Entretanto, podemos bem crer que ele quis se referir à beleza quando fala de nobreza na quarta via. Em outras obras relaciona a nobreza com a beleza: “Quia est nobilis, sive pulcher[4] ou “nobilitas enim seu pulchritudo[5] ou “nam ipse invenit res omnes secundum diversos gradus pulchritudinis et nobilitatis esse dispositas”.[6] Portanto, ele os toma nessas partes praticamente como sinônimos.

Independentemente do significado implícito da palavra nobile, podemos relacionar a beleza como uma das perfeições absolutas aplicáveis à quarta via. Mas faz-nos crer que de modo mais arquitetônico tratasse ele da beleza.

A apreensão do belo é mais misterioso e matizado do que parece. A beleza ― este “transcendental esquecido” segundo expressão de E. Gilson ― não é apenas uma qualidade sensorial (quae visa placent)[7], mas uma verdadeira “epifania do ser” em que Deus manifesta a Sua ação embelezadora[8] nas criaturas segundo um mais e um menos.

Quando entendemos o belo segundo os axiomas: “splendor veritatis”,[9] splendor bonitatis ou “splendor ordinis”,[10] contemplamos o esplendor da criação em seus diversos graus nos transcendentais.[11] Assim, o belo enquanto transcendental na linha do bonum,[12] possui propriedades fundamentais de integritas (perfeição), proportio (equilíbrio entre as partes) e claritas (clareza) do objeto conhecido. Desta forma, aquilo que é apetecível (bonum), inteligível (verum) e aprazível se torne como numa síntese, admirável.

Diante disso, a alma humana ao admirar o belo se eleva de tal maneira sobre si mesma que poderíamos glosar a São Paulo: não sou em quem vivo, mas é a própria Beleza que vive em mim. Tornamo-nos verdadeiramente reflexos d’Aquele que admiramos. Por isso, sob influxo de atração ao sublime, chegamos a ter um conhecimento de Deus superior ainda que as vias da verdade, a ponto que o conhecido esteja no conhecedor e o desejado esteja em quem o deseja[13]. Neste âmbito afirma o documento Via Pulchritudinis:

“Esse apelo aos filósofos pode surpreender, mas a Via Pulchritudinis não é, talvez, uma Via Veritatis na qual o homem se empenha por descobrir a bonitas do Deus de Amor, fonte de toda beleza, de toda verdade e de toda bondade? O belo, como também a verdade ou o bem, nos conduz a Deus, Verdade primeira, Bem supremo e Beleza. Mas o belo fala mais do que a verdade ou o bem. Dizer de um ser que é belo não significa apenas reconhecer nele uma inteligibilidade que o torna amável. E dizer, ao mesmo tempo, que especificando o nosso conhecimento ele nos atrai, também nos cativa através de um influxo capaz de despertar um maravilhar-se. Se ele expressa certo poder de atração, ainda mais, talvez, o belo expressa a própria realidade na perfeição de sua forma. Isso é a epifania. Ele a manifesta expressando sua íntima clareza. Se o bem expressa o desejável, o belo expressa ainda mais o esplendor e a luz de uma perfeição que se manifesta” (ASSEMBLEIA PLENÁRIA DOS BISPOS, 2007, p. 17).

Com muito propósito foi a Via Pulchritudinis qualificada como “caminho régio para conduzir a Deus” (Ass. Plen. dos BISPOS, 2007, p. 17). Quase que se poderia dizer que esta seria a única via para chegar a Deus pelo homem hodierno.

Ora, se utilizarmo-nos desta grande força de atração que é a beleza, ela poderá verdadeiramente salvar o mundo.[14] Caso contrário, esta terra só poderá tender a uma autêntica antinomia do desígnio divino nas criaturas.

In: Lumen Veritatis, n. 10.


[1] Ver o belo como transcendental: LOBATO, Abelardo apud PICKAVÉ, Martin, & AERTSEN Jan A.. Die Logik des Transzendentalen. Berlin: de Gruyter, 2003.

[2] No De Veritate I, 1 enumera ele seis: ens, res, unum, aliquid, verum, bonum. Já no I Sent., dist. 8, q. 1, a. 3. enumera apenas três: unum, verum, bonum.

[3] Ver MONDIN, Battista. Dizionario enciclopedico del pensiero di San Tommaso d’Aquino. Bologna: Ed. Studio Domenicano, 2000, p. 709-714.

[4] Super Epistolam B. Pauli ad Galatas lectura, cap. 2, lect. 2.

[5] Idem.

[6] In Symbolum Apostolorum, a. 1.

[7] S. Theol. Ia., q. 5 a. 4, ad 1.

[8] (Pulchrifica) Cf. In Div. Nom., IV, lect. 5, n. 340.

[9] Segundo Platão.

[10] Segundo Santo Agostinho.

[11] O belo é chamado por Maritain: «Splendeur de l’être et de tous les transcendantaux réunis». MARITAIN, Jacques ; MARITAIN, Raïssa. Oeuvres complètes 1, [1906 – 1920]. Fribourg, Suisse: Ed. Univ, 1986, p. 663.

[12] (Sola ratione differens). S. Theol. q. 27, a. 1, ad tertium.

[13] Cf. S. Theol. Ia., q. 8, a. 3, co.

[14] Cf. DOSTOIEVSKI, Fiodor Mikhailovitch, O idiota. (trad. José Geraldo Vieira) São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 422-423