A polémica com o progredir da história e a solução paulina

Pe. José Victorino de Andrade, EP

Existe um debate em torno da existência ou não de um progresso linear na História. Alguns defendem uma evolução cíclica, outros, porém, consideram haver uma progressão, um trajeto rumo a um auge, tais como Hegel, Fichte, Schelling, ou Spencer.[1] Mistura-se muitas vezes esta ideia com um conceito de evolucionismo adaptado de Darwin e aplicado à sociologia e mesmo à História.

Alguns visaram uma alternativa, como Marx e Engels no materialismo histórico. Segundo eles, “a História não é um progresso linear e contínuo, uma seqüência de causas e efeitos, mas um processo de transformações sociais determinadas pelas contradições entre os meios de produção (a forma da propriedade) e as forças produtivas (o trabalho, seus instrumentos, as técnicas)”.[2] Spengler, na sua obra sobre A Decadência do Ocidente, apresenta as civilizações “como ciclos cerrados, onde a experiência humana surge, desenvolve-se, atinge o apogeu, entra em crepúsculo, definha e morre”.[3]

Nos nossos dias, estas perspectivas acabaram por fenecer e reconhecem-se pressupostos axiológicos geradores das civilizações, impossíveis de isolar, entre os quais se encontram as fontes espirituais[4]. Ratzinger, na sua obra Introdução ao Cristianismo, defendia que na perspectiva cristã “existe uma única história completa do mundo, a qual mantém um rumo geral e vai “adiante” com seus altos e baixos, nos progressos e regressos que a assinalem”[5]. E afirma: “O cristão tem certeza de que a história avança; ora, avanço, progresso exige o definitivo da direção – eis o que distingue o cristão do movimento em círculo, que não leva a meta nenhuma”[6].

Em 2006, já como Pontífice, ao comentar a passagem: “todas as coisas foram criadas por Ele e para Ele” (Col 1, 16), Bento XVI salientou que, com estas palavras, São Paulo “indica uma verdade muito importante: a história tem uma meta, tem uma direção. A história caminha para a humanidade unida em Cristo, vai assim para o homem perfeito, para o humanismo perfeito. Com outras palavras São Paulo nos diz: sim, há um progresso na história. Há – se quisermos – uma evolução da história”[7].


[1] A este respeito ver o 12º capítulo de ABBAGNANO, Nicola. História da filosofia. Lisboa: Presença, 2002. Vol. 11.

[2] CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. p. 537.

[3] REALE, Miguel. Filosofia do fireito. 19a. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 232.

[4] Loc. Cit.

[5] RATZINGER, Joseph. Introdução ao cristianismo. São Paulo: Herder, 1970. p. 154.

[6] Ibíd., p. 124.

[7] “[…] indica una verità molto importante: la storia ha una meta, ha una direzione. La storia va verso l’umanità unita in Cristo, va così verso l’uomo perfetto, verso l’umanesimo perfetto. Con altre parole san Paolo ci dice: sì, c’è progresso nella storia. C’è – se vogliamo – una evoluzione della storia”. (BENEDETTO XVI. Udienza generale: Mercoledì, 4/1/2006. In: Insegnamenti, II, 1 (2006). p. 11. Tradução minha).

A Igreja e o verdadeiro progresso

          image1954_043_1A sacralização do mundo envolve que a esfera espiritual anime de tal forma as realidades temporais, que as impregne do espírito da Igreja, isto é, as imbua do Preciosíssimo Sangue Redentor. De fato, a morte de Jesus na cruz teve profundas consequências, não só nas almas, mas também em toda a ordem do Universo, conforme o atesta João Paulo II em sua primeira encíclica:

 

Em Jesus Cristo, o mundo visível, criado por Deus para o homem aquele mundo que, entrando nele o pecado, foi submetido à caducidade readquire novamente o vínculo originário com a mesma fonte divina da Sapiência e do Amor.[1]

 

            Porém, de acordo com o mesmo documento, o mundo ficou sujeito a certa caducidade com o decorrer dos séculos, comprovada por uma autodestruição e desrespeito pelo meio ambiente e pelo próprio homem. Esta nova época em que nos encontramos, de vôos cósmicos, conquistas científicas e técnicas nunca alcançadas antes, parece gemer e sofrer.[2]

            Esta denuncia feita na Redemptor Hominis, poderia levar a uma superficial consideração de que a Igreja é contra o progresso, tal seria, pois, enquanto tal e na verdadeira acepção da palavra, é uma coisa boa. A este respeito, escreveu Paulo VI em seu último livro, ainda enquanto Cardeal Montini, em 1963:

 

A cristandade não é um obstáculo ao progresso moderno porque não o considera apenas nos seus aspetos técnicos e econômicos, mas no total de seu desenvolvimento. Os bens temporais poderão certamente ajudar o completo desenvolvimento do homem, mas eles não constituem o ideal da perfeição humana ou a essência do progresso social.[3]

 

            O problema com o aparente progresso, este sim, criticado pela Igreja, está no fato de ter vindo acompanhado de uma filosofia de vida que parecia dispensar Deus e confiar na mera técnica, ou no próprio homem, tal como advertiu o então cardeal Ratzinger:

 

Não é a expansão em si das possibilidades técnicas que é má, mas a arrogância iluminista que, em muitos casos, esmagou estruturas desenvolvidas e calcou as almas de homens cujas tradições religiosas e éticas foram postas de parte de forma displicente. O desenraizamento das almas e a destruição de estruturas comunitárias que então ocorreram, são certamente o principal motivo pelo qual a ajuda ao desenvolvimento apenas muito raramente tenha conduzido a resultados positivos.[4]

 

            Thomas S. Kuhn, chegou mesmo a colocar o dedo na ferida e a levantar o problema para onde caminhava a ciência em meados do séc. XX, pois, seu processo parecia partir de estágios primitivos e aparentava não levar a pesquisa para mais perto da verdade ou em direção a algo, o que significava que um número inquietante de problemas poderiam advir.[5] Kierkegaard alertava que, tornando-se a ciência um modo de vida, então esse seria o modo mais terrível de viver: “encantar todo o mundo e se extasiar com as descobertas e a genialidade, sem, no entanto, [o homem] conseguir compreender-se a si mesmo”.[6] De fato, a mentalidade que decorreu de um inebriamento científico causado por um progresso que parecia não ter limites, afastando o homem da Verdade para se tornar ele próprio o absoluto, desligou-o do âmbito sobrenatural, negligenciando pontes de diálogo e levou-o a procurar o terreno em detrimento do espiritual, a valorizar o corpo e a negligenciar a alma, o que contribuiu para uma profunda secularização na sociedade atual.

            A realidade à qual chegamos, exige cada vez mais que os fiéis membros da Igreja se tornem, com fidelidade e filialidade, testemunhos e sinais da presença cristã em todos os campos da sociedade humana.

 

Poderá citar este artigo desde que não negligencie a fonte:

VICTORINO DE ANDRADE, José. A Igreja e o Verdadeiro Progresso: Sacralização e Pleno Desenvolvimento no mundo contemporâneo. 17 f. Trabalho (Mestrado em Teologia Moral) – UPB, 2009. p. 2-3.


[1]JOÃO PAULO II. Redemptor Hominis, n. 8.

[2] Idem.

[3] MONTINI, Giovanni Battista. The Christian in the Material World. Baltimore: Helicon, 1964. (tradução minha).

[4] RATZINGER, Joseph. Fé, Verdade, Tolerância. Traduções UCEDITORA: Lisboa, 2007. P. 71

[5] Cf. REALE, Giovanni. História da Filosofia: Do romanismo até nossos dias. V. 3. São Paulo: Paulus, 1991. p. 1046.

[6] Idem, p. 250.