A Via Pulchritudinis

                                       Mons. João Clá Diasbento-xvi-missa

Como meio de evangelização, a beleza na liturgia tem sido ao longo dos séculos a causa de incontáveis conversões. Não são raros os homens de letras que deixaram consignada em alguma de suas obras a influência exercida pelo pulchrum litúrgico no processo de seu retorno à Igreja. Um desses é Joris Karl Huysmans, autor das célebres obras “En route” e “La Cathédrale”.

Eles mencionam a atração irresistível que exerce a vista dos celebrantes vestindo belos paramentos, movendo-se por entre a névoa do incenso e o tilintar das campainhas, do resplandecer dos vitrais colorindo as paredes e o chão, dos acordes do órgão fazendo solo ou acompanhando o canto gregoriano e o polifônico, enchendo de sonoras harmonias os espaços entre os arcos góticos das catedrais.

Na Liturgia, o pulchrum não é um elemento secundário, com o qual se deve ou não contar, segundo circunstâncias e conveniências, mas ele tem um papel essencial. É o que Bento XVI afirma de modo claro, e por suas palavras vemos como é preciso proporcionar à beleza um lugar de honra nas celebrações:

A verdadeira beleza é o amor de Deus que nos foi definitivamente revelado no mistério pascal. A beleza da Liturgia pertence a este mistério; é expressão excelsa da glória de Deus e, de certa forma, constitui o céu que desce à terra. O memorial do sacrifício redentor traz em si mesmo os traços daquela beleza de Jesus testemunhada por Pedro, Tiago e João, quando o Mestre, a caminho de Jerusalém, quis transfigurar-Se diante deles (Mc 9, 2). Concluindo, a beleza não é um fator decorativo da ação litúrgica, mas seu elemento constitutivo, enquanto atributo do próprio Deus e da sua revelação. Tudo isto nos há de tornar conscientes da atenção que se deve prestar à ação litúrgica para que brilhe segundo a sua própria natureza.[1]

Por fim, cumpre lembrar a Assembléia Plenária do Pontifício Conselho para a Cultura, realizada nos dias 27 e 28 de março de 2006. Nela, colocou-se em evidência precisamente o papel da beleza na evangelização. Como acentuou o Cardeal Paul Poupard, presidente desse dicastério, “mais que o estudo dos aspectos filosóficos, bíblicos e teológicos da temática”, aquela Assembléia teria “uma finalidade eminentemente pastoral”, propondo-se a “oferecer aos bispos e às comunidades cristãs estratégias, projetos e propostas concretas para fazer que a via pulchritudinis seja percebida e vivida como uma via privilegiada e eficaz de evangelização, de transmissão da fé cristã e de diálogo com todos os homens e mulheres de boa vontade, mesmo que não-crentes”.

CLÁ DIAS, João. Oportunidades para a Igreja no século XXI. Elaboração do projeto de pesquisa: elementos constitutivos – 1ª. Parte. Centro Universitário Ítalo Brasileiro. São Paulo, 2007. p. 85-86.


[1] Exortação Apostólica pós-Sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 35.

A importância do Pulchrum na Evangelização

600x800-marMons. João Scognamiglio Clá Dias

No primeiro capítulo do Gênesis, contemplamos a Deus criando as maravilhas do universo ao longo de seis dias, e a cada entardecer, antes da noite, exclama o narrador: “E viu Deus que isso era bom” (Gn 1, 25). Ao concluir todas as maravilhas, “viu Deus tudo o que tinha feito, e tudo era muito bom” (Gn 1, 31). E o Livro dos Salmos canta: “Como são magníficas tuas obras, Senhor!” (Sl 91, 6). “Fizeste-as todas com sabedoria!” (Sl 103, 24).

Esta formosura de todo o universo criado é particularmente atraente para o homem. A beleza — o pulchrum, segundo a expressão latina, definido pela filosofia escolástica como o “esplendor da verdade” ou o “esplendor do bem” — atrai o homem. “Em virtude do próprio fato da criação, todas as coisas possuem consistência, verdade, bondade e leis próprias”.[1] O homem é chamado a degustar, apreciar e admirar essa maravilha que a ordem da criação lhe apresenta.

Nossa época, mais do que qualquer outra, tem necessidade desse conhecimento e dessa sabedoria:

Finalmente, a natureza espiritual da pessoa humana encontra e deve encontrar a sua perfeição na sabedoria, que suavemente atrai o espírito do homem à busca e ao amor da verdade e do bem, e graças à qual ele é levado por meio das coisas visíveis até as invisíveis […] Está ameaçado, com efeito, o destino do mundo, se não surgirem homens cheios de sabedoria […] Pelo dom do Espírito Santo, o homem chega a contemplar e saborear, na fé, o mistério do plano divino.[2]

A contemplação amorosa de Deus e das criaturas desabrocha no desejo de comunicá-la aos outros, de evangelizar, como ressaltava o Concilio:

O amor para com Deus e para com os homens é a alma de todo apostolado.[3]

Assim, a consideração do universo sobrenatural e natural serve como instrumento para que as pessoas saiam de seu egoísmo, dominem suas paixões desordenadas e contemplem os sinais de Deus em tudo quanto existe — incluindo as belas obras feitas pelos homens — e assim cheguem até Ele, O conheçam e amem tanto quanto é possível nesta terra.

Em vista disso, é preciso utilizar na evangelização os meios adequados.

A literatura e as artes são também, segundo a maneira que lhes é própria, de grande importância para a vida da Igreja […] Conseguem assim elevar a vida humana, que exprimem sob formas muito diferentes, segundo os tempos e lugares […] Desse modo, o conhecimento de Deus é mais perfeitamente manifestado; a pregação evangélica torna-se mais compreensível ao espírito dos homens e aparece como integrada nas suas condições normais de vida.[4]

Ao nosso alcance estão instrumentos de valores diversos, mas todos muito úteis, como as cerimônias litúrgicas, procissões, peças de teatro, cinema, concertos, e o próprio sermão… Este, sobretudo, deve ser pulcro, atraente, tendente a dar glória a Deus da melhor forma possível.

Também os estudos têm de ser feitos em função do pulchrum, e não apenas para adquirir conhecimentos. E o próprio conhecimento deve ser amoroso, esforçando-se por ver em cada aspecto o intuito de Deus, de modo a “contemplar e saborear o mistério do plano divino”.[5]

 

CLÁ DIAS, João. Oportunidades para a Igreja no século XXI. Elaboração do projeto de pesquisa: elementos constitutivos – 1ª. Parte. Centro Universitário Ítalo Brasileiro. São Paulo, 2007. p. 89-90.



[1] Gaudium et Spes, 36.

[2] Gaudium et Spes, 15.

[3] Lumen Gentium, 33.

[4] Gaudium et Spes, 62.

[5] Gaudium et Spes, 15.