O hedonismo sofredor e a caridosa felicidade

Dom Miguel de Mañara fundador Santa Caridad Sevilla

Pe. José Victorino de Andrade, EP

Sócrates falava da eudaimonia, referindo-se ao homem que procura a felicidade como um princípio de vida. Na verdade, estamos sempre à procura dela. É muito raro, ou praticamente inexistente, aquele que não deseja ser feliz, ou que não quer ver o salutar sentimento de alegria estampada no rosto daqueles que o rodeiam. Porém, ser verdadeiramente feliz, não significa a permanente ausência de dificuldades nesta vida, mas conviver com elas, superá-las, deixar-se purificar e vencer pelo constante apelo à conversão.

Imagine qual destas duas personagens poderiam ser objeto de maior admiração: Um marinheiro que passou por tempestades e tormentas, com o rosto marcado pela aventura e pelas dificuldades que enfrentou… ou um barqueiro de água doce que rema em águas mansas e adormece embalado… A vida passa pelas dificuldades do nosso marinheiro, e há que remar contra a maré, contra o vento e as tempestades, que são os sofrimentos da vida. Entretanto, a mentalidade hedonista do homem contemporâneo, tende mais a identificar-se com o segundo elemento, o barqueiro… cuja vida mansa não quer ser interrompida por nada que quebre as delícias e os prazeres, em que até mesmo remar um pouco, custa muito.

Mas, a fuga ao infortúnio provoca geralmente um fenômeno adverso e incontornável. Pergunte-se, a quem tem mais experiência na vida, se nunca passou por uma doença, infelicidade, problemas… Entretanto, raramente procurados. Uma vez que o homem se depara diante deles, não se tornam vãos, e têm a capacidade de tornar as pessoas mais maduras, e por vezes até mesmo mais felizes. A patente alegria quando uma dor passou, é maior do que quando permanecemos sem o quadro doloroso; uma enfermidade debelada, acarreta uma satisfação acrescida. O desafio ultrapassado, maior júbilo. O que significa que a dificuldade passageira poderá ser uma ponte para um estado de felicidade maior do que a estabilidade permitiria.

Afinal, a dor e o sofrimento também parecem ser necessários a fim de que se manifestem alguns dos sentimentos mais elevados do ser humano, tais como o amor e a alteridade. Por exemplo, a atenção que é devotada a alguém quando está doente ou sofrendo. Fisicamente, a pessoa pode não estar bem, mas é sensível ao fato de que o carinho e a atenção a ela aumentaram. Por outro lado, o nosso amor pelos outros também dilata, quando vemos que estão necessitados ou com sofrimentos. E a solidariedade torna-se realidade, ou melhor, caridade, diante da perspectiva de todos aqueles pequeninos, aos quais Jesus devota o seu pedido de atenção (Mt 25, 40), fazendo-se além de servo, sofredor com eles (cf. Isaías 53).

A verdadeira felicidade

caminhoThiago de Oliveira Geraldo

Mesmo entre as diversas opiniões existentes na atualidade, a ordem moral prevalece sobre todas as demais relacionadas com o operar humano, pois diz respeito ao homem enquanto tal, e as outras ao homem em face a fins particulares.1

Para São Tomás, a moral não se restringe ao âmbito dos religiosos e muito menos a uma atitude particular, mas sustenta ele que o ato humano praticado afeta o ser humano no seu conjunto — “o homem enquanto homem e enquanto moral”.2

Entretanto, o ser humano não é inerte, mas movimenta-se em direção à felicidade que é própria à sua natureza, ou seja, a bem-aventurança. Portanto, o homem percorre uma caminhada neste mundo a fim de atingir a meta de plena felicidade — apesar de não a alcançar por inteiro nesta vida.3

Se a moral tomista, portanto, nos coloca diante da perspectiva da unidade do ser humano enquanto praticante do ato e desejoso da felicidade com vistas a um fim último, pode-se dizer que uma força intrínseca move o homem à prática do bem.4

A expressão “força intrínseca” ressalta o papel criador de Deus, que opera por meio das três Pessoas da Santíssima Trindade. Isto incorre em que o homem contém em si certas verdades estabelecidas por Deus, não com o intuito de aprisioná-lo numa moral cruel, mas de libertá-lo para a verdadeira felicidade que consiste em praticar os atos moralmente bons e, com isto, assemelhar-se mais a Ele.5

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1 Cf. JOÃO PAULO II. La perenne validità dell’etica tomista. In: Doctor Comunnis. Roma, 1992, ano XLV, n. 1, p. 4.

2 S Th I-II, q. 21, a. 2.

3 Cf. PIEPER, Josef. Felicidade e contemplação, lazer e culto. São Paulo: Herder, 1969, p. 17-18.

4 Cf. Veritatis Splendor, n. 7.

5 Cf. LAUAND, Luiz Jean. Tomás de Aquino, hoje. Curitiba: Champagnat, 1993, p. 41.