O sublime reflexo de Deus nas criaturas

aurora

Felipe de Azevedo Ramos

Vemos que no mundo sensível é fato evidente a graduação das perfeições transcendentais numa maravilhosa hierarquia. É fácil compreender que todas as coisas são ontologicamente boas secundum magis et minus. A apreensão dos graus se torna ainda mais evidente quando se considera o pulchrum, escada segura de contemplação hierárquica das coisas, com a qual atinge, em seu vértice, a sua Suma Perfeição.

Tal Perfeição, absolutamente desproporcional ao homem, nos é revelada por meio desse sublime reflexo de Deus nas criaturas: a beleza.

Ao analisar a Criação e sua multifacetada variedade podemos nos perguntar por que Deus quis criar tal imensidade de seres. Pois sendo Ele infinitamente perfeito, bastaria-se a Si mesmo, sem a absoluta necessidade de criá-los. Porém, na Sua infinita bondade e misericórdia, assim o desejou.

Ora, Seu intuito, ao criar quantidade insondável de seres, foi para que estes não somente refletissem Sua perfeição infinita, mas também a reproduzisse em seus mais variados graus. Deste modo se explica o caráter hierárquico que Deus imprimiu ao Universo.

Contudo, não poderia Deus originar uma única criatura que por si só refletisse todas as suas perfeições tão bem como o conjunto dos seres criados? Parece que isso seria metafisicamente impossível. Pois Deus criou um Universo composto de muitas criaturas para que elas, de um lado pela sua pluralidade, de outro pela sua hierarquização, espelhassem convenientemente a Sua beleza e perfeição divina. Pois assim como um acorde sonoro é belo pela formação de uma unidade harmoniosa numa “terça”, mais belo ainda quando acrescentamos apenas uma nota num acorde de “quinta”, constituindo o que se chama “consonância perfeita”. Analogamente, a ordem da criação é ainda mais bela por sua rica pluralidade, quando coesa na unidade. Portanto, o homem, ao contemplar o mundo ao seu redor pode — aliando-se com a quarta via, ou seja, a partir da observação da gradualidade dos seres criados — inferir nestes, os esplêndidos reflexos da divina Pulchritudo.

Deste modo, o espírito hierárquico dos diversos graus aliados à ordem, às desigualdades harmônicas, ao pulchrum, em suma, leva-nos de proche en proche até a demonstração da existência de Deus, à Sua consideração e, por fim, à contemplação de Sua Suma Perfeição, causa de todas as perfeições.

A criação é um livro no qual se lê a Santíssima Trindade

Dustan Soares de Miranda Filho

 

Deus fez um universo ordenado, chamado cristo-rei-do-universocosmos. Segundo o “Nouveau Petit Larousse illustré” (1952, p. 241), a palavra “cosmos” significa o universo “considerado em sua ordem”.

O vocábulo “ordem” provém de um termo grego que significa “reto” (SARAIVA, 1993, p. 826). Segundo o dicionário “Aurélio”, ordem é a “disposição conveniente dos meios para se obterem os fins” (FERREIRA, 1986, p. 1230).

Estudando a doutrina tomista, chegamos a uma noção mais ampla a respeito do que seja a ordem. Esta é a reta disposição das coisas segundo o seu fim próximo e remoto, físico e metafísico, natural e sobrenatural. E, como veremos, para que haja ordem entre os seres são necessárias a desigualdade e a hierarquia.’

Por sua vez, o vocábulo “universo” provém do latim “unus” e “vertere” (cf. SARAIVA, 1993, p. 1243), significando que todas as coisas convergem para o uno.

 

Multiplicidade, desigualdade e hierarquia das criaturas

O Altíssimo fez o mundo para refletir as perfeições divinas, que são infinitas. Ele não poderia criar apenas uma criatura, por mais perfeita que fosse, pois toda criatura é limitada. Por isso, criou múltiplos seres. Não só múltiplos, mas também diferentes; porque se iguais somente poderiam representar uma qualidade de Deus. É o que ensina o Doutor Angélico (AQUINO, 2002, vol. 2, p. 78).

São Tomás afirma taxativamente que Deus é o autor da desigualdade:

Como a sabedoria divina é causa da distinção entre as coisas, para a perfeição do universo, assim também é da desigualdade. Pois o universo não seria perfeito se se encontrasse nas coisas apenas um grau de bondade. (AQUINO, 2002, vol. 2, p. 81)

 E, na “Suma contra os gentios”, acrescenta:

A diversidade e desigualdade nas coisas criadas não provém do acaso; nem da diversidade da matéria; nem da intervenção de algumas causas ou mérito, mas do próprio querer divino, que quis dar à criatura a perfeição que a esta é possível ter. (AQUINO, 1952, vol. 1, p. 243)

Ora, entre os seres múltiplos e desiguais há ordem, ou seja, hierarquia. Analisando a etimologia da palavra ‘hierarquia’, verificamos que ela possui um sentido religioso. Provém dos vocábulos gregos ‘arquia’, que significa governo, e ‘hier’, “o primeiro elemento dos compostos eruditos com a idéia de sagrado” (BUENO, 1965, vol. 4, p. 1748). Por outro lado, ensina o “Catecismo da Igreja Católica”: “A hierarquia das criaturas é expressa pela ordem dos ‘ seis dias’, que vai do menos perfeito ao mais perfeito” (CIC 2001, p. 100, n. 342).

MIRANDA FILHO, Dustan et all. A Glória de Deus espelhada na Ordem do Universo. Centro Universitário Ítalo Brasileiro – Curso de teologia. São Paulo, 2009. p. 23-24.