A Santa Missa, fonte da santidade sacerdotal

Mons. João S. Clá Dias, EP

“Se conhecêssemos o valor da Missa, morreríamos. Para celebrá-la dignamente, o sacerdote deveria ser santo. Quando estivermos no Céu, então veremos o que é a Missa, e como tantas vezes a celebramos sem a devida reverência, adoração, recolhimento”.[1]

No decreto Presbyterorum ordinis, o Concílio Vaticano II, em perfeita harmonia com a doutrina tomista, resume de forma admirável a centralidade da Eucaristia na vida espiritual do sacerdote, como seu principal meio de santificação. Logo no início, afirma que a Ordem dos presbíteros foi constituída por Deus “para oferecer o Sacrifício, perdoar os pecados e exercer oficialmente o ofício sacerdotal em nome de Cristo a favor dos homens”.[2]

Recorda, em seguida, que é por meio do ministério ordenado que o sacrifício espiritual dos fiéis se consuma em união com o sacrifício de Cristo, oferecido na Eucaristia de modo incruento e sacramental. E afirma que “para isto tende e nisto se consuma o ministério dos presbíteros. Com efeito, o seu ministério, que começa pela pregação evangélica, tira do sacrifício de Cristo a sua força e a sua virtude”.[3] O que equivale a dizer que o sacerdote vive para a Celebração Eucarística e é dela que deve haurir a força para progredir na prática da virtude.

Prosseguindo, ressalta o decreto conciliar: “Os restantes sacramentos, porém, assim como todos os ministérios eclesiásticos e obras de apostolado, estão vinculados com a sagrada Eucaristia e a ela se ordenam.[4] Com efeito, na santíssima Eucaristia está contido todo o tesouro espiritual da Igreja,[5] isto é, o próprio Cristo”.[6] E mesmo quem é chamado a uma vocação missionária, não pode esquecer que a própria evangelização deve ter como meta o Sacramento do altar e dele nutrir-se: “A Eucaristia aparece como fonte e coroa de toda a evangelização”.[7] Pois no Sacrifício Eucarístico se exerce a própria obra da Redenção.[8]

Garrigou-Lagrange sintetiza com precisão esta doutrina:

“O sacerdote deve considerar-se ordenado principalmente para oferecer o Sacrifício da Missa. Em sua vida, este Sacrifício é mais importante que o estudo e as obras exteriores de apostolado. Com efeito, o seu estudo deve ordenar-se ao conhecimento cada vez mais profundo do mistério de Cristo, supremo Sacerdote, e o seu apostolado deve derivar da união com Cristo, Sacerdote principal”.[9]

Royo Marín, ao comentar a exortação do Pontifical Romano, feita pelo Bispo aos ordenandos, afirma com ênfase que a Santa Missa é “a função mais alta e augusta do sacerdote de Cristo”.[10] E, conhecedor das múltiplas ocupações pastorais de um sacerdote, que podem facilmente desviá-lo do cerne da sua vocação de mediador entre Deus e os homens, reforça a mesma ideia, logo em seguida, com inflamadas palavras de zelo sacerdotal:

“Esta é a função sacerdotal por excelência, a primeira e mais sublime de todas, a mais essencial e indispensável para toda a Igreja, e ao mesmo tempo fonte e manancial mais puro de sua própria santidade sacerdotal. É-se sacerdote, antes de tudo e sobretudo, para glorificar a Deus mediante o oferecimento do Santo Sacrifício da Missa”.[11]

Talvez receoso de que suas palavras não penetrem suficientemente o espírito de seus leitores, irmãos no sacerdócio, Royo Marín enumera algumas ocupações legítimas que poderiam servir de pretexto a uma diminuição do zelo eucarístico, insistindo de novo na centralidade do Sacrifício da Missa:

“Por cima de todas as demais atividades sacerdotais, por cima inclusive de seu trabalho pastoral voltado para as almas, deverá colocar sempre em primeiro plano a digna e fervorosa celebração do Santo Sacrifício do Altar. Tudo quanto o distraia e estorve nesta função augusta deverá ser afastado pelo sacerdote com energia, lançando-o para longe de si. Sua função primária, ante a qual devem ceder todas as demais atividades, consiste — repetimos — na celebração do Santo Sacrifício da Missa, através do qual recebe Deus uma glorificação infinita”.[12]

Cabe salientar ainda que a Eucaristia não só confere a graça, como também a aumenta naquele que a recebe com as devidas disposições:

“O Sacramento da Eucaristia tem por si mesmo o poder de conferir a graça. […] A graça cresce e a vida espiritual aumenta, toda vez que se recebe realmente este Sacramento […] para que o homem seja perfeito em si mesmo pela união com Deus”.[13]

Bento XVI, ao tratar da vocação e espiritualidade sacerdotais, sob uma perspectiva pastoral, afirma que é por meio da oração que o sacerdote apascenta suas ovelhas. Os presbíteros, diz ele, têm “uma vocação particular para a oração, em sentido fortemente cristocêntrico: isto é, somos chamados a ‘permanecer’ em Cristo”. E, continua:

“O nosso ministério é totalmente ligado a este “permanecer” que equivale a rezar, e deriva dele a sua eficiência. […] A Celebração Eucarística é o maior e mais nobre ato de oração, e constitui o centro e a fonte da qual também as outras formas recebem a “linfa”: a Liturgia das Horas, a adoração eucarística, a lectio divina, o santo Rosário, a meditação”.[14]

Novamente, encontramos a Eucaristia no centro da vida sacerdotal.

CLÁ DIAS, João. A Santidade do sacerdote à luz de São Tomás de Aquino. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 8, jul-set 2009. p. 16-18.

[1]BENTO XVI. Carta para Proclamação do Ano Sacerdotal, 16 jun. 2009.

[2] PO, n. 2.

[3] Idem.

[4]Nota do texto original: “A Eucaristia é como que a consumação da vida espiritual, e o fim de todos os sacramentos” (S Th III, q. 73. a. 3 c); cf. S Th III, q. 65, a. 3.

[5] Nota do texto original: Cf. São Tomás, S Th III, q. 65, a. 3, ad 1; q. 79, a. 1 c. e ad 1.

[6] PO, n. 5

[7] Idem.

[8] Cf. idem, n. 13.

[9] GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. Op. cit., p. 38.

[10] ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología de la Perfección Cristiana. Madrid: BAC, 2001. p. 848.

[11] Idem, ibidem.

[12] Idem, p. 849.

[13]S Th III, q. 79, a. 1, ad 1.

[14] BENTO XVI. Homilia no Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 3/5/2009.

O vinho usado na Celebração Eucarística

Adaptado de: Samuel Alemão: Vinho de Missa in Noticias Sábado, 2 Fev 2008 / Os sabores da fé. In Expresso, 20 de Out 2001.

”Este é o Cálice do Meu sangue, o sangue da nova e eterna Aliança, que será derramado por vós e por todos para remissão dos pecados. Fazei isto em memória de mim”. Com o cálice elevado, o sacerdote marca a solenidade… Depois de um breve compasso, baixa-o e bebe um pouco de vinho, prosseguindo com a liturgia. Esta é uma cena que se repete, desde os primórdios da Cristandade, em qualquer local onde tenha lugar a celebração da missa.

Na Idade Média, os vinhos de missa começaram a ser produzidos pelos monges beneditinos e cisterciences, grandes impulsionadores da vinha na Europa – explica António Ventura, enólogo das Caves D. Teodósio.

Porém, muitos crentes ignoram que tipo de vinho é usado para a consagração. Alguns interrogar-se-ão se será vinho comum, como aquele que bebemos à mesa, ou até se será sempre tinto. Desconhecem, inclusive, que também é engarrafado e, depois de aberto, colocado em pequenas galhetas, as quais são vertidas para o cálice durante a celebração. Há, entretanto, quem se preocupe com a qualidade do néctar.

”O vinho é uma arte, requer conhecimento. As uvas podem dar origem a algo bom ou ir parar às mãos de um mixordeiro”, afirma o cónego Álvaro Bizarro, que no Patriarcado supervisiona a produção enológica. Trata-se de uma pessoa abalizada- além de membro da Igreja, produz vinho há muito anos. É um apreciador e, como tal, gosta de saber que aquilo que os seus colegas bebem não é qualquer zurrapa.

”O vinho é o continuador da tradição. Foi usado, tal como o pão, como sinal da Aliança”, recorda o cónego, confessando que, apesar de toda a simbologia associada à cor do vinho, muitos são os padres que preferem usar vinho branco para evitar sujar os panos utilizados na celebração litúrgica. Apesar de muitos vinhos de missa poderem ser qualificados como licorosos, não é obrigatório que assim seja. Por norma, o que define o vinho de missa são os preceitos adoptados na sua elaboração e os seus componentes.

”Pedem-nos vinho feito de acordo com os processos naturais’ diz Francisco Antunes, enólogo das Caves Aliança, sediada em Sangalhos.

Existe uma ‘receita’ estabelecida para que o vinho seja considerado de acordo com os processos ‘naturais’. Para o conseguir limita-se a uma percentagem de 6 por cento a quantidade de produtos não vínicos utilizados na elaboração desse vinho, como sejam o ácido tartárico e os sulfitos. Por outro lado, também se estabelecem limites para o uso de produtos de origem vínica na feitura do vinho de missa. É o caso da aguardente, que serve para interromper o processo de fermentação, impedindo que o produto final seja muito doce. No caso das Caves Aliança, o Tabor resulta de um estágio em barricas de madeira antes utilizadas na produção de ‘bourbon’. Método que não se utiliza na Seminagro, cujos vinhos não são sujeitos a amadurecimento em madeira.

Como se disse, muito do vinho de missa pode ser encaixado na categoria dos licorosos, mas como salienta Mário Policarpo, que zela pela produção saída dos 17 hectares de vinha pertencentes ao Patriarcado de Lisboa, o importante é que existam uvas que valham a pena vinificar.

”Desde que façam vinho de qualidade, servem para fazer vinho de missa”, diz.

“Também se podem utilizar vinhos licorosos, semelhantes aos vinhos de missa. No dia do meu casamento, o frei dominicano que celebrou a cerimónia utilizou um velhíssimo Moscatel de Setúbal”, confessa Paulo Laureano, enólogo e consultor de vinhos em várias adegas de Portugal.

A Liturgia de Natal tem de ser anúncio de Jesus Cristo

D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboad-jose-policarpo
In: Agência Ecclesia
http://www.agencia.ecclesia.pt/

A Igreja tem, como missão prioritária, anunciar a salvação definitivamente realizada em Jesus Cristo. Fá-lo de muitos modos, mas o mais eficaz é o testemunho da vida, a fé traduzida em experiência de salvação. É a densidade do testemunho que dá autenticidade à palavra. As expressões da fé vivida que mais tocam os corações são a sua celebração pela comunidade crente e o amor fraterno. É por isso que a Liturgia é, na sua verdade mais profunda, anúncio da salvação e meio para a missão evangelizadora da Igreja.

Na Liturgia, de modo particular na celebração da Eucaristia, a comunidade cristã escuta a Palavra do Senhor com o coração aberto e comovido, acolhe o dom de Jesus Cristo que se entrega de novo à Sua Igreja, expressão do infinito amor de Deus por nós, une-se e identifica-se com Cristo a ponto de se entregar pela salvação de todo o género humano. Na Liturgia, a Igreja vive a salvação, identifica-se com Cristo, deseja renovar-se com a força do seu amor e participa já do júbilo da Pátria celeste. A celebração da Eucaristia é o momento da verdade da Igreja, que lhe dá autoridade para anunciar a salvação. A partir dela, os crentes são enviados, sempre de novo, para o meio do mundo, para anunciarem com a vida e com a palavra o dom da vida nova. A força anunciadora dessa vida e dessa palavra, é a da Eucaristia que celebraram. Toda a evangelização parte da Eucaristia e converge para a Eucaristia.

Estamos a celebrar o Natal. A Liturgia desta noite tem de ser anúncio de Jesus Cristo, a expressão do amor de Deus por nós que Ele encarnou, isto é, humanizou, exprimiu na nossa realidade humana. O Natal é uma festa cristã enriquecida culturalmente de forma muito bela, exprimindo valores e anseios fundamentais da família humana: a harmonia, a paz, o calor da convivência, a partilha de dons, a descoberta da dimensão festiva da vida. Mas só a densidade da celebração litúrgica tem a força transformadora de um anúncio, se nela acolhermos de novo o Filho de Deus feito homem como manifestação do amor de Deus por nós, se nos abrirmos mais radicalmente ao dom da salvação.

[…]

 Esta celebração, pela densidade da sua fé, tem de ser anúncio, antes de mais para nós que aqui estamos reunidos com o Senhor e em seu nome. É a partir de nós, através do nosso testemunho, que será inevitável e espontâneo, à nossa sociedade, aos nossos irmãos e irmãs que celebram o Natal sem lhes captar a mensagem, a densidade da alegria. Que aqueles três anúncios da Palavra de Deus inspirem o nosso coração para acolher, de novo, o anúncio da salvação e orientem o nosso testemunho às pessoas que nos rodeiam. Sintetizemos o conteúdo dessa mensagem:

 * Antes de mais, Jesus, o Menino que nasceu em Belém, é o Filho de Deus. Ele é chamado Filho do Deus Altíssimo, tem todo o poder sobre os seus ombros, que se manifestará plenamente depois da ressurreição. Ele tem a realeza do Messias esperado: os cristãos aprenderam a chamar-lhe Senhor. Contemplar o presépio sem acreditar na divindade daquele Menino é não permitir que o nosso olhar penetre na profundidade do mistério.

 * Ele é o Salvador, porque é Deus, tem o poder de recriar. Só Deus nos pode salvar. Porque é homem, sabe como este último desafio de Deus se pode concretizar na nossa realidade humana. Ele sabe que o segredo do homem é o seu coração, e que se aceitar de Deus um coração novo, toda a sua vida mudará, porque será transformada pelo amor. Maria, a Mãe, a mulher de coração imaculado, diz-nos como isso é possível e onde nos levará.

 * Apontam-se, depois, os primeiros frutos da salvação nos corações renovados: a alegria, a paz, a justiça. O mundo actual perdeu o sentido da verdadeira alegria, e vai-se afastando dela. Procura-a por caminhos frenéticos de excitação, na busca de prazeres, de interesses, de fruição dos bens materiais, tudo isto em ritmos alucinantes, que provocam a solidão e, quase sempre, a tristeza. A alegria é experiência simples e profunda, brota dos corações puros e generosos.

A encarnação do Verbo de Deus ensina-nos que só o amor generoso, a experiência da generosidade, do dom e da partilha, a contemplação da beleza dos outros homens, meus irmãos, são caminhos da verdadeira paz. Só o Natal nos faz perceber que a justiça é a concretização da verdade profunda do homem, chamado a viver em comunhão com os outros homens e que só homens justos podem ser obreiros da justiça.

 4. Acolhamos a mensagem desta celebração, empenhando-nos nela e faremos, talvez, a experiência de uma alegria, que sendo humana, não se reduz a nenhuma realidade deste mundo. Talvez percebamos de novo o que queremos dizer uns aos outros quando nos saudamos, desejando “Bom Natal”, “Santo Natal”.

Veja o sermão na integra: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?tpl=&id=76916