Ele é o “Príncipe da Paz” – Meditação de Natal

presepio-01Mons. João S. Clá Dias, EP

I – Divina solução para os problemas atuais

“O presépio de Belém nos mostra o Homem perfeito que, unindo numa só pessoa a natureza divina e a natureza humana, restitui a esta a melhor parte de seus privilégios, perdidos pelo pecado, e a plenitude dos benefícios daí decorrentes. Donde se segue que não temos outro meio de sermos homens – tanto do ponto de vista espiritual quanto do social – senão o de nos aproximarmos do Homem perfeito, da plena estatura da vita de Cristo: ‘donec occurramus in virum perfectum, in mensuram ætatis plenitudinis Christi’”. 1

O caminho para obter a harmonia, a concórdia e a paz

Por essa razão, ajoelhando-nos diante do Menino Deus – como o fizeram os Sagrados Esposos, os pastores, os Reis Magos e tantos outros -, estaremos contemplando os mais altos ensinamentos para ordenar toda a nossa vida cristã e social. Naquela Manjedoura se encontra “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6).

Naquele Menino vemos o Redentor, iniciando a Aula Magna do Seu Magistério, não ainda por meio de palavras, mas ensinando-nos, com não menor eloqüência, através do exemplo, o único e excelente meio para o restabelecimento da antiga atmosfera de nosso éden perdido: o espírito de sacrifício, de pobreza e de resignação no sofrimento.

Inúteis são as grandes assembléias para discutir de forma acalorada os dramas que, hoje em dia, atravessam as nações. Basta-nos essa belíssima lição posta diante de nossos olhos para recuperarmos nossa dignidade, nossa justiça original e até mesmo para a humanidade viver na harmonia, a concórdia e a paz que em tão alto grau existia no Paraíso Terrestre.

Nem a ciência com todo o seu progresso, nem a política com sua multissecular experiência, nem sequer o auxílio de todas as riquezas, são eficazes para solucionar os inúmeros problemas atuais. Se a sociedade resolvesse enveredar pelas vias que o Salvador nos oferece na simples recordação de Seu Santo Natal, viveria feliz, em meio à tranqüilidade universal.

Ele quis ser tudo para todos, e os seus não O receberam

Quão maravilhosa não teria sido a história de uma família que, por piedade e compaixão, tivesse aberto suas portas, na mais bela de todas as noites, para dar hospitalidade àqueles predestinados e bem-aventurados pais? Porém, narra-nos São Lucas que não houve lugar para eles em nenhuma hospedagem (cf. Lc 2, 7). Diz-nos São João: “Ele veio aos seus, e os seus não O receberam” (Jo 1, 11).

Mais terrível ainda é a conduta dos povos, nações, e da própria humanidade dos presentes dias, que não só não querem ver nascer em seu meio esse Menino Deus e Sua Santa Igreja, mas, pior ainda, dão- Lhes as costas, e além de caluniá-Los e persegui-Los, põem-Lhes toda espécie de obstáculos para o exercício de Sua missão.

O Menino-Mestre não poderia ter escolhido melhor meio para colocar- Se à disposição de todos, manifestando um caráter de universalidade em Seu nascimento. Realizou-o em lugar público de livre acesso, sem que ninguém pudesse ser impedido de aproximar- se. Quis nascer pobre para facilitar a todos irem até Ele e, por outro lado, quis descender de sangue real para que os nobres não se sentissem inclinados a desprezá-Lo. Portanto, não chamou uma única classe social, mas quis ser tudo para todos.

Entretanto, os seus não só não O receberam, como, depois de Ele ter devolvido a vista aos cegos, a fala aos mudos, a audição aos surdos, a deambulação aos paralíticos, a saúde aos leprosos, a vida aos mortos, crucificaram- No. Triste e incompreensível acontecimento que se renova até os dias de hoje.

Porém, é por cima de todas as infidelidades que, na noite de Natal, ainda nos dias atuais, recordamos aquele canto: “Gloria in altis simis Deo et in terra pax hominibus bonæ voluntatis” – Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens objeto da Boa Vontade de Deus (Lc 2, 14).

II – A paz cantada e oferecida pelos anjos

“E subitamente apareceu com o Anjo uma multidão da milícia celeste louvando a Deus e dizendo: ‘Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens objeto da Boa Vontade de Deus’” (Lc 2, 13-14).

Trata-se de um fato de grandeza incomensurável. O Unigênito gerado desde toda a eternidade é idêntico ao Pai e desejou encarnar-Se para, de dentro de uma natureza criada, poder louvá-Lo com toda submissão. O Divino Infante, ao nascer, oferece ao Pai um culto perfeito, além de reconciliar com Deus a humanidade, tornando-a, assim, apta para glorificá- Lo.

Essa é a causa da grande glória que Lhe prestam os puros e celestiais espíritos, pois exaltam a maior obra de Deus, na qual Ele manifesta ao universo Sua sabedoria, Sua misericórdia, Seu poder e tantas outras perfeições absolutas. Cumpre, desse modo, com superabundância e fidelidade, Suas mais antigas promessas.

Os Anjos, no Céu, cantam em ação de graças pelo mais extraordinário benefício realizado por Deus ao homem. Eles mesmos, puros espíritos, obtiveram frutos de tão grande obra, e até mesmo a própria perseverança deles teve a Redenção como fonte.

Nasceu o “Príncipe da Paz”

Nascemos sob a ira de Deus, devido ao pecado de nossos primeiros pais, mas podemos ser reconciliados com Ele por esse Divino Nascimento que, ademais, nos traz a tranqüilidade da consciência, a paz da alma e a harmonia entre os homens (cf. Ef 2, 14; Cl 1, 20).

“Quando a paz começava a reinar, os Anjos diziam: ‘Glória nas alturas e paz na terra’ (Lc 2, 14). Quando, porém, os de baixo receberam a paz dos de cima, eles proclamaram: ‘Glória na terra e paz nos Céus’ (Lc 19, 38). Quando a Divindade desceu à terra e se revestiu de humanidade, os Anjos proclamavam: ‘Paz na terra’. E quando a humanidade subiu e foi elevada, imergiu na Divindade e sentou-se à sua direita, os meninos clamavam diante dela: ‘Paz nos Céus, hosana nas alturas!’ (Mt 21, 9). Assim, o Apóstolo pôde dizer: ‘Por intermédio dAquele que, ao preço do próprio sangue na cruz, restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus’ (Cl 1, 20).

“Os Anjos diziam: ‘Glória nas alturas e paz na terra’; e os meninos: ‘Paz nos Céus e glória na terra’ (Lc 19, 38). Aparece assim com clareza que, como a graça da misericórdia de Cristo alegra os pecadores na terra, assim também seu arrependimento atinge os Anjos do Céu” (cf. Lc 15, 7-10).2

O Menino louvado pelos Anjos é o “Príncipe da Paz” anunciado sete séculos antes por Isaías (9, 5) e que, anos mais tarde, afirmará serem bem-aventurados os pacíficos – aqueles que sabem estabelecer em si mesmos e nas almas dos outros o reino da paz – dando-lhes o título de Filhos de Deus.

Precioso dom que não nos será retirado

O beata nox! Sim, bendita noite que assiste ao nascimento de um Menino a inaugurar uma nova era histórica. Naquela noite foi oferecido à humanidade um precioso dom que não lhe seria retirado nem mes mo quando aquele Menino retornasse à eternidade: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração nem se atemorize” (Jo 14, 27).

Qual é o sentido destas palavras? Eis: Eu não vo-la dou como dão os homens que amam o mundo. Estes, com efeito, oferecem a paz, a fim de – livres de preocupações, de processos e de guerras – poderem gozar, não de Deus, mas do mundo, ao qual entregaram o seu afeto. E quando eles oferecem a paz aos justos, cessando de persegui-los, não é uma paz verdadeira, porque não há verdadeiro acordo onde os corações estão desunidos. Chamamos consortes àqueles que unem sua sorte. Aqueles que unem seus corações, do mesmo modo, devem se chamar concordes. Para nós, meus caríssimos irmãos, Jesus Cristo nos deixa a paz e nos dá sua paz, não como a dá o mundo, mas como a dá Aquele por quem foi criado o mundo. Ele no-la dá para que todos estejamos de acordo, para que estejamos unidos de coração e, tendo um só coração, o elevemos ao alto, não nos deixando corromper na terra”.3

A pseudo-paz que o mundo nos oferece

Todas as palavras de Jesus são de vida eterna e misteriosamente atraentes, mas, sendo recordadas bem junto ao Presépio, levam-nos a querer penetrar a fundo em seu significado, sobretudo, as que se referem à paz trazida a nós naquela noite. Qual será sua natureza? É ela que toda criatura humana com sofreguidão deseja, mas quão freqüentemente a busca onde ela não se encontra e, mais ainda, se equivoca quanto ao seu verdadeiro conteúdo e substância!

Não consistirá nesse equívoco a causa principal de o mundo estar quase sempre pervadido por guerras e catástrofes ao longo de vários milênios? Tudo fruto da pseudopaz que o mundo nos oferece, bem diferente da que os Anjos cantaram aos pastores, naquela bendita noite de Natal.

A esse propósito, comenta Orígenes: “Onde não está Jesus, há disputas e guerras, mas onde Ele está presente tudo é serenidade e paz”.4 Santo Agostinho afirma que a paz consiste em um “bem tão nobre que, mesmo entre coisas mortais e terrenas, nada há de mais grato ao ouvido, nem mais doce ao desejo, nem superior em excelência”.5 E São Beda acrescenta: “A verdadeira, a única paz das almas neste mundo consiste em estar cheias de amor de Deus e animadas da esperança do Céu, a ponto de considerar pouca coisa os êxitos ou reveses deste mundo. […] Engana-se quem imagina que poderá encontrar a paz no gozo dos bens deste mundo e nas suas riquezas. As freqüentes perturbações nesta terra e o fim deste mundo deveriam convencer o homem de que ele construiu sobre areia os fundamentos de sua paz”. 6

Paz e pecado não podem viver juntos

A paz cantada e oferecida pelos Anjos encontra-se na santidade para a qual todos nós somos chamados. Fomos criados por Deus e para Ele; enquanto a suma Verdade não ilumine nossa inteligência, enquanto o Bem supremo não ocupe um lugar primordial em nosso coração, serão frustrados nossos esforços em busca da paz. Num mesmo coração não podem viver juntos a paz e o pecado. “Não há paz no coração do homem carnal, nem no do homem entregue às coisas exteriores, mas somente no daquele que é fervoroso e espiritual”. 7 Por isso, quanto mais procuro a paz nos gozos deste mundo, mais me acusará minha consciência pelo fato de me colocar fora da ordem do universo, e sobretudo se, por desgraça, venha eu a abraçar as vias do pecado. Neste caso, serei objeto do ódio de Deus e dos raios de Sua santa cólera. Pior ainda será minha situação se eu conseguir abafar a voz de minha consciência; aí, no silêncio profundo de meu inveterado e pérfido coração, se evanescerão os remorsos, angústias e temores pela virtude perdida. E neste caso, a morte ocupará o lugar deixado em minha alma pela antiga paz.

Em realidade, o que é a verdadeira paz?

Diz-nos São Tomás de Aquino: “Quem tem um desejo, deseja também a paz, uma vez que ele almeja obter tranqüilamente e sem impedimentos o objeto desejado. E nisso consiste a paz, que Santo Agostinho define como ‘a tranqüilidade da ordem’”. 8 Portanto, nossos anseios sempre são acoplados a uma busca de paz. E a única capaz de satisfazer o coração humano é aquela oferecida pelos Anjos a toda a humanidade, na pessoa dos pastores.

Tranqüilidade e ordem são os elementos constitutivos dessa paz. Pode vir a existir tranqüilidade sem ordem, e vice-versa: em nenhum desses casos haverá verdadeira paz, ainda que desta possam existir aparências.

Não é por mera expansividade que os Anjos cantam em primeiro lugar: “Glória a Deus no mais alto dos Céus…” (Lc 2, 14), pois a verdadeira paz procede do Espírito Santo, como as plantas nascem das sementes ou das raízes, tal qual ressalta São Paulo: a paz é “fruto do Espírito Santo” (Gl 5, 22) e “está acima de todo entendimento” (Fl 4, 7). O Doutor Angélico afirma, e torna-se óbvio, que vive em perfeita ordem quem está unido a Deus, pois Ele ordena as potências da alma, com seus sentidos e faculdades, por ser Ele mesmo o primeiro princípio e último fim de toda a criação. Daí produzir essa união o repouso interior. Ademais, quando nossa união com Deus é plena, não pode haver perturbação porque tudo o que não é Deus, reputamos como sendo nada, conforme proclama São Paulo: “Se Deus está conosco, quem estará contra nós?” (Rm 8, 31).

É-nos fácil compreender como o homem que está em paz com Deus também o estará consigo mesmo, assim como com os demais, pois o fundamento da verdadeira paz é viver em paz com Deus Nosso Senhor. Por isso nos diz São Cirilo: “Envergonhemonos de prescindir do dom da paz, que o Senhor nos deixou quando ia sair do mundo. A paz é um nome e uma coisa saborosa, a qual sabemos que provém de Deus, como diz o Apóstolo aos filipenses: a paz de Deus. E que ela é de Deus, mostra-o também quando diz aos efésios: Ele é nossa paz. A paz é um bem recomendado a todos, mas observado por poucos. Qual é a causa disso? Talvez a ambição de poder, a inveja, o ódio ao próximo, ou algo do gênero, que vemos naqueles que desconhecem o Senhor. A paz procede de Deus, o qual é quem une tudo […] Transmitea aos Anjos […] e se estende também a todas as criaturas que verdadeiramente a desejam”.9

Principal razão pela qual os homens de hoje não acham a paz

Se, como acima dissemos a paz é fruto do Espírito Santo, a base dela se encontra fixa na vida da graça e da caridade. Ora, o Autor da graça é Jesus Cristo: “A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo” (Jo 1, 17). E, portanto, é Ele também o autor da paz: “Cristo é a nossa paz” (Ef 2, 14).

Essa é a principal razão de não encontrarem os homens de hoje a verdadeira paz. Claro! Pois ela não surge dos tratados. Quando muito, aordem externa das nações consegue reparar os estragos materiais do pósguerra, mas somente a tranqüilidade e ordem da alma é que – enquantoelementos essenciais – trazem a autêntica paz. Esta se evanesceu do concerto das nações e nem sequer no interior das mesmas nós a podemos desfrutar.

E o que dizer das dissensões no seio das famílias, instituição que a cada passo ainda mais se deteriora pela agressão de vários fatores adversos conjugados: corrupção moral progressiva, desfazimento da autoridade paterna, generalizada violação da fidelidade conjugal, desprezo da Lei de Deus e até mesmo do bem social no cumprimento dos sagrados deveres para com os filhos?

Todas essas desordens têm sua causa no próprio homem atual, penetrado de descontentamento em seu coração, irmão siamês do fastio, acidez e inquietação. Quase toda criatura humana, hoje em dia, é possuída por um espírito de insubordinação a qualquer tipo de autoridade, seja ela eclesiástica, religiosa, política, familiar, etc. Sem falar da processiva perda do pudor, que constitui hoje o mal de todos os povos…

Magistério dos Papas

Sábias, a esse propósito, foram as palavras do Beato João XXIII em sua famosa Encíclica Pacem in Terris:

“A paz na terra, anseio profundo de todos os homens de todos os tempos, não se pode estabelecer nem consolidar senão no pleno respeito da ordem instituída por Deus. […] Contrasta clamorosamente com essa perfeita ordem universal, a desordem que reina entre indivíduos e povos, como se as suas mútuas relações não pudessem ser reguladas senão pela força. […]”

Em última análise, só haverá paz na sociedade humana, se essa estiver presente em cada um dos membros, se em cada um se instaurar a ordem querida por Deus. Assim interroga Santo Agostinho ao homem: ‘Quer a tua alma vencer tuas paixões? Submeta-se a quem está no alto e vencerá o que está em baixo. E haverá paz em ti, paz verdadeira, segura, ordenadíssima. Qual é a ordem dessa paz? Deus comandando a alma, a alma comandando o corpo. Nada mais ordenado’”.10

E em recente pronunciamento, Bento XVI, nosso Pontífice felizmente reinante, assim se exprimiu sobre o mesmo tema: “Em primeiro lugar, a paz deve ser construída nos corações.

De fato é neles que se desenvolvem sentimentos que podem alimentá-la ou, ao contrário, ameaçá-la, enfraquecê-la, sufocá-la. Aliás, o coração do homem é o lugar das intervenções de Deus. Portanto, ao lado da dimensão ‘horizontal’ das relações com os outros homens, revela- se de importância fundamental, nesta matéria, a dimensão ‘vertical’ da relação de cada um com Deus, no qual tudo tem o seu fundamento”.11

Glória no Céu e paz na terra

Por isso, neste Natal, em meio aos múltiplos dramas atuais, ecoam mais do que nunca para nós os cânticos dos Anjos, como outrora para os pastores. Eles nos oferecem a verdadeira paz, a cada um de nós em particular, convidando-nos a subordinarmos nossas paixões à razão, e esta, à Fé. Oferecem- nos também o término da luta civil, da luta de classes e das próprias guerras entre as nações, com a condição de observarmos cuidadosamente as exigências impostas pela hierarquia e pela justiça. Em síntese, é-nos indispensável, para recebermos dos Anjos essa oferta tão ansiada por nós, estarmos em ordem com Deus, reconhecendo nEle o nosso Legislador e Senhor, e amando-O com todo entusiasmo.

É o que, com tanta lógica e unção, comenta São Cirilo: “Não O olhes simplesmente como um menino depositado num presépio, mas em nossa pobreza devemos vê-Lo rico como Deus, e por isso é glorificado inclusive pelos Anjos: ‘Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade’. Pois os Anjos e todas as potências superiores conservam a ordem que lhes foi dispensada e estão em paz com Deus. De modo algum se opõem ao que Lhe agrada, mas estão firmemente estabelecidos na justiça e na santidade. Nós somos desgraçados ao colocar nossos próprios desejos em oposição à vontade do Senhor, e nos colocamos nas fileiras de seus inimigos. Isso foi abolido por Cristo, pois Ele mesmo é a nossa paz (cf. Ef 2, 14) e nos une por sua mediação com Deus Pai, tirando o pecado, causa de nossa inimizade, justificando-nos pela fé e aproximando os que estão distantes. Além disso, modelou os dois povos em um homem novo, fazendo a paz e reconciliando ambos em um só corpo com o Pai (cf. Ef 2, 15-16). Com efeito, agradou a Deus Pai reunir nEle todas as coisas, e unir os de cima com os de baixo, os do Céu e os da terra, e dizer que há um só rebanho. Cristo tem sido para nós paz e boa vontade”.12 E com não menor espiritualidade, acrescenta São Jerônimo: “Glória no Céu, onde não há dissensão alguma, e paz na terra, onde há guerras diariamente. ‘E paz na terra’. E em quem essa paz? Nos homens. […] ‘Paz aos homens de boa vontade’, isto é, àqueles que recebem Cristo recém-nascido”. 13(Revista Arautos do Evangelho, Dez/2008, n. 84, p. 10 à 19)

1 PIO X, São. Discurso de 23/12/1903 apud Lettres Apostoliques de S. S. Pie X. Paris: Maison de la Bonne Presse, v. I, p. 210.

2 EPHREM DE NISIBE, Saint. Commentaire de l’Évanglile Concordant ou Diatessaron, Lc 2, 14. Paris: Éditions du Cerf, 1966, p. 73.

3 AUGUSTINUS HIPPONENSIS, Sanctus. In Evangelium Ioannis, t. 77.

4 Apud: AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea, in Mt. c. 27, l. 4.

5 AUGUSTINUS HIPPONENSIS, Sanctus. De Civitate Dei. L. XIX, 11

6 BEDA VENERABILIS, Sanctus. Homilia XI in Vigilia Pentecostes.

7 KEMPIS, Tomás de. Imitación de Cristo, Libro I, cap. 6, 2.

8 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica II-II, q. 29, a. 2.

9 Apud: AQUINO, São Tomás de. Catena Aurea, in Lc 24, vv. 36-40.

10 JOÃO XXIII, Carta Encíclica Pacem in Terris, 11/4/1963, nn. 1, 4 e 164.

11 BENTO XVI, Mensagem no XX aniversário do Encontro Inter-Religioso de Oração pela Paz, 2/9/2006.

12 CIRILLUS ALEXANDRINUS, Sanctus. Commentarii in Lucam, 2, 14.

13 HIERONYMUS PRESBYTERUS, Sanctus. Homilia de Nativitate Domini, n. 65 (Morin n. 394).

O Filho de Deus com a Sua encarnação uniu-se, de certo modo, a todo o homem

Diác. Francisco Berrizbeitia, EP

Trata-se aqui de um antigo ensinamento enraizado no Novo Testamento[1] e que o Concílio Vaticano II propõe: “O Filho de Deus com a encarnação uniu-se, de certo modo, a todo o Homem.” Isto nos esclarece que, por um lado, a união hipostática só a fez Cristo uma vez com a Encarnação na Sua humanidade em concreto e, portanto, essa hipóstase está completa nEle e não com a humanidade.

Podemos dizer também que graças a esse “certo modo” que se deu com a Encarnação, a união com toda a humanidade se fez no plano salvífico, pois constitui a base pela qual Cristo elevou o homem de sua miséria fazendo-o partícipe de Sua vida divina. Por isso, a Igreja ao proclamar na sua liturgia “O félix culpa[2], canta a alegria do Povo de Deus por, ao pecarem nossos primeiros pais, o Verbo fazer-se carne e resgatar o gênero humano com sua morte e ressurreição e nos conceder o dom do Espírito. Uma coisa está clara e é o mistério, a grandeza e a beleza a qual Cristo elevou o homem de sua prostração a participar de um convívio com a Trindade, a uma comunio com ela. Sem falar da promessa da Sua presença diária na Eucaristia. Jesus não se deixa vencer em graça e generosidade para com o homem.

A tradição dos primeiros padres da Igreja quis explicar-nos o contexto na figura do Bom Pastor e da ovelha perdida como símbolo de toda a humanidade pecadora. Assim o descreve Gregório de Nisa (contra Apoliarem XVI):[3]

Esta oveja somos nosotros, los hombres. Que nos hemos separado con el pecado de las cien ovejas razonables. El Salvador carga sobre las espaldas la oveja toda entera.  Porque no se ha perdido solo una parte, sino porque se había perdido toda entera, por eso toda entera ha sido acompañada. El pastor la lleva en sus espaldas, o sea en su divinidad. Por esta asunción llega a ser una sola cosa con Él.

É interessante constatar como esta idéia de Cristo estava enraizada profundamente na Igreja, de tal forma que as interpretações mais antigas na arte paleocristã, que se conhece de Cristo, pintam-no ou esculpem-no como o Bom Pastor, levando sobre os seus ombros a ovelha. Também na Liturgia está assinalado o quarto domingo depois da Páscoa, justamente como a festividade do Bom Pastor.

Santo Agostinho comenta o fato, também resgatado da tradição de que:

Cuando ora el cuerpo del Hijo no se separe de sí a su Cabeza, de tal manera que ésta sea un solo salvador de su cuerpo, nuestro Señor Jesucristo Hijo de Dios, que ora por nosotros, ora en nosotros y es invocado por nosotros.[4]

Esta constitui a misteriosa conexão que se estabeleceu na Encarnação de Cristo, como cabeça que salva o corpo e que, sendo cabeça, ficou indissoluvelmente unida ao corpo, de tal maneira que a plenitude deste último, causada pela cabeça, constitui a salvação do mesmo Cristo, já não pensável sem o corpo da sua Igreja. Portanto, temos dois movimentos: um da cabeça ao corpo e outro do corpo à cabeça. Nada do que ocorre na cabeça é alheio ao corpo e vice-versa.

Conclui-se com um pensamento do teólogo, hoje Papa Bento XVI, em 1968, sobre a GS 22:

Pela primeira vez num documento da Igreja temos uma versão completamente nova da teologia cristocêntrica. Sobre a base de Cristo, esta ousa apresentar a teologia como antropologia e se mostra radicalmente teológica pelo fato de ter incluído o homem no discurso de Deus por meio de Cristo, manifestando deste modo a profunda unidade da teologia.[5]


[1] Ver Jo 1, 12-14; Fl 2, 5-7; 4, 4-7; Ef 4, 20-23; Hb 2, 17; 1Jo 15, 19.

[2] O félix culpa, quae talem et tantum meruit habere redemptorem (Precónio da Vigília Pascal).

[3] LADARIA L.,  “Jesucristo, salvación de todos”, San Pablo-U.Comillas, Madrid 2007, p. 105.

[4] Idem, p. 106.

[5] GALLAGHER M., “Ludici per il corso TFC004”7, PUG, Roma 200, p. 10. (tradução nossa)

O Filho de Deus com a Sua encarnação uniu-se, de certo modo, a todo o homem

Diác. Francisco Berrizbeitia, EP

Trata-se aqui de um antigo ensinamento enraizado no Novo Testamento[1] e que o Concílio Vaticano II propõe: “O Filho de Deus com a encarnação uniu-se, de certo modo, a todo o Homem.” Isto nos esclarece que, por um lado, a união hipostática só a fez Cristo uma vez com a Encarnação na Sua humanidade em concreto e, portanto, essa hipóstase está completa nEle e não com a humanidade.

Podemos dizer também que graças a esse “certo modo” que se deu com a Encarnação, a união com toda a humanidade se fez no plano salvífico, pois constitui a base pela qual Cristo elevou o homem de sua miséria fazendo-o partícipe de Sua vida divina. Por isso, a Igreja ao proclamar na sua liturgia “O félix culpa[2], canta a alegria do Povo de Deus por, ao pecarem nossos primeiros pais, o Verbo fazer-se carne e resgatar o gênero humano com sua morte e ressurreição e nos conceder o dom do Espírito. Uma coisa está clara e é o mistério, a grandeza e a beleza a qual Cristo elevou o homem de sua prostração a participar de um convívio com a Trindade, a uma comunio com ela. Sem falar da promessa da Sua presença diária na Eucaristia. Jesus não se deixa vencer em graça e generosidade para com o homem.

A tradição dos primeiros padres da Igreja quis explicar-nos o contexto na figura do Bom Pastor e da ovelha perdida como símbolo de toda a humanidade pecadora. Assim o descreve Gregório de Nisa (contra Apoliarem XVI):[3]

Esta oveja somos nosotros, los hombres. Que nos hemos separado con el pecado de las cien ovejas razonables. El Salvador carga sobre las espaldas la oveja toda entera.  Porque no se ha perdido solo una parte, sino porque se había perdido toda entera, por eso toda entera ha sido acompañada. El pastor la lleva en sus espaldas, o sea en su divinidad. Por esta asunción llega a ser una sola cosa con Él.

É interessante constatar como esta idéia de Cristo estava enraizada profundamente na Igreja, de tal forma que as interpretações mais antigas na arte paleocristã, que se conhece de Cristo, pintam-no ou esculpem-no como o Bom Pastor, levando sobre os seus ombros a ovelha. Também na Liturgia está assinalado o quarto domingo depois da Páscoa, justamente como a festividade do Bom Pastor.

Santo Agostinho comenta o fato, também resgatado da tradição de que:

Cuando ora el cuerpo del Hijo no se separe de sí a su Cabeza, de tal manera que ésta sea un solo salvador de su cuerpo, nuestro Señor Jesucristo Hijo de Dios, que ora por nosotros, ora en nosotros y es invocado por nosotros.[4]

Esta constitui a misteriosa conexão que se estabeleceu na Encarnação de Cristo, como cabeça que salva o corpo e que, sendo cabeça, ficou indissoluvelmente unida ao corpo, de tal maneira que a plenitude deste último, causada pela cabeça, constitui a salvação do mesmo Cristo, já não pensável sem o corpo da sua Igreja. Portanto, temos dois movimentos: um da cabeça ao corpo e outro do corpo à cabeça. Nada do que ocorre na cabeça é alheio ao corpo e vice-versa.

Conclui-se com um pensamento do teólogo, hoje Papa Bento XVI, em 1968, sobre a GS 22:

Pela primeira vez num documento da Igreja temos uma versão completamente nova da teologia cristocêntrica. Sobre a base de Cristo, esta ousa apresentar a teologia como antropologia e se mostra radicalmente teológica pelo fato de ter incluído o homem no discurso de Deus por meio de Cristo, manifestando deste modo a profunda unidade da teologia.[5]


[1] Ver Jo 1, 12-14; Fl 2, 5-7; 4, 4-7; Ef 4, 20-23; Hb 2, 17; 1Jo 15, 19.

[2] O félix culpa, quae talem et tantum meruit habere redemptorem (Precónio da Vigília Pascal).

[3] LADARIA L.,  “Jesucristo, salvación de todos”, San Pablo-U.Comillas, Madrid 2007, p. 105.

[4] Idem, p. 106.

[5] GALLAGHER M., “Ludici per il corso TFC004”7, PUG, Roma 200, p. 10. (tradução nossa)

O verdadeiro sentido do Natal – O que comemoramos nesta data?

Diác. Carlos Adriano, EPpresepio

Nas vésperas desta magna festa da Igreja – o Natal – que se aproxima cada vez mais, teceremos uma breve consideração teológica a respeito da comemoração da Natividade de Jesus.

            Ao celebrarmos uma data, temos em vista homenagearmos alguém, ou trazermos à memória um acontecimento concreto. Infelizmente, a festividade solene do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo vem sendo celebrada por muitos, sem que se tenha presente o seu verdadeiro sentido. Com frequência, o aniversariante desta solenidade instituída pela Igreja, não é ao menos recordado nas diversas festas que se dão entre os dias 24 e 25 de dezembro, em todas as partes do mundo. Pelo contrário, em muitos lugares ele é completamente esquecido, por vezes desprezado, e até mesmo ofendido. E é por isso que convém aos cristãos terem profundo conhecimento a propósito das diversas datas que a liturgia da Igreja exalta, entre elas, a que celebra o nascimento do Verbo Encarnado.

 

            Jesus, nome dado pelo anjo Gabriel ao anunciar a Maria Santíssima que ela conceberia o Filho de Deus, exprime ao mesmo tempo a identidade e a missão daquele que viria. Em hebraico quer dizer “Deus salva”. Jesus vem à terra para salvar os homens do pecado.[1]

            Por que Jesus é também chamado Cristo? O Catecismo da Igreja nos responde: “Cristo” em grego, “Messias” em hebraico, significa “ungido”. Jesus é o Cristo porque é consagrado por Deus, ungido pelo Espírito Santo para a missão redentora. Ele é o Messias esperado por Israel, enviado ao mundo pelo Pai. Jesus aceitou o título de Messias, precisando, porém, o seu sentido: “descido do céu” (Jo 3, 13), crucificado e depois ressuscitado, Ele é o Servo Sofredor “que dá a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20, 28). Do nome Cristo é que veio para nós o nome de cristãos.

            Jesus Cristo, a quem comemoramos o nascimento no Natal, é o Filho de Deus que se Encarnou no seio da Virgem Maria, por obra do Espírito Santo. Ele é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro Homem na unidade da sua Pessoa divina. Ele fez-se verdadeiramente nosso irmão, sem com isso deixar de ser Deus, Nosso Senhor.[2]

 

            Os homens foram criados para terem, como fim último, a eterna bem-aventurança, o convívio com Deus face a face para todo o sempre. O próprio Deus, ao criar o homem, inscreve em seu coração o desejo de vê-lO.[3]

            Contudo, o homem, deixou que se apagasse em seu coração a confiança em relação a seu Criador e desobedeceu-O. Nesta desobediência a Deus, denominada pecado, o homem coloca o seu coração nas coisas temporais em detrimento de Deus, perde a graça e a santidade, e, portanto, a herança que lhe é reservada, impedindo assim o convívio com Deus, para os qual todos são chamados.

            O Natal é a comemoração da vinda d’Aquele que redime e salva os homens do pecado, convocando-os para sua Igreja e tornando-os filhos adotivos de Deus. E tal como um filho recebe uma herança de seu pai, também os homens são pela Encarnação elevados à dignidade de filhos de Deus e de herdeiros do Céu. 

            Uma vez conhecido o homenageado neste tempo litúrgico, e algumas consequências de sua vinda à terra, enchamo-nos de santo júbilo nesta comemoração. Sigamos os dizeres de Bento XVI, Papa felizmente reinante, ao conduzirmos nosso estado de espírito para a festa que se aproxima, com a alegria da qual Maria Santíssima nos deu exemplo.

 

A alegria pelo fato de que Deus se fez Menino. Esta alegria, invisivelmente presente em nós, encoraja-nos a caminhar com confiança. Modelo e ajuda deste íntimo júbilo é a Virgem Maria, por meio da qual nos foi oferecido o Menino Jesus. Que Ela, discípula fiel do seu Filho, nos conceda a graça de viver este tempo litúrgico vigilantes e diligentes na esperança.[4]

 


[1] Cf. CEC 430

[2] Cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 85 e 87.

[3] Cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 2.

[4]CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS DO PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO, HOMILIA DO PAPA BENTO XVI, Basílica Vaticana, Sábado, 28 de Novembro de 2009.