O principal direito do ser humano

viewPe. Leopoldo Werner, EP

Enquanto ser vivo, o homem deve respeitar o ser que recebeu de Deus, o que o obriga a zelar pela manutenção de sua vida e de sua saúde e o proíbe matar-se.

Como corolário desta lei, não está em nosso poder o matar ou ferir nossos semelhantes, a não ser em legítima defesa, em determinadas condições. Este direito à vida está fundamentado na dignidade da pessoa humana, e ele se estende desde a concepção até sua morte natural. Esta dignidade diz respeito, por sua vez, aos bens do espírito tanto quanto aos bens do corpo, pois enquanto se está nesta vida eles são inseparáveis.

O direito à vida tem seus corolários: tudo o que se opõe à vida, à sua integridade física e moral, sua dignidade como pessoa humana, constituem violações que prejudicam gravemente o progresso da civilização, degradam os costumes e as instituições humanas e ofendem gravemente a honra devida ao Criador.

O mesmo Concílio Vaticano II, no quadro do devido respeito pela pessoa humana, oferece uma ampla exemplificação de tais atos: ‘Tudo quanto se opõe à vida, como são todas as espécies de homicídio, genocídio, aborto, eutanásia e suicídio voluntário; tudo o que viola a integridade da pessoa humana, como as mutilações, os tormentos corporais e mentais e as tentativas para violentar as próprias consciências; tudo quanto ofende a dignidade da pessoa humana, como as condições de vida infra-humanas, as prisões arbitrárias, as deportações, a escravidão, a prostituição, o comércio de mulheres e jovens; e também as condições degradantes de trabalho, em que os operários são tratados como meros instrumentos de lucro e não como pessoas livres e responsáveis. Todas estas coisas e outras semelhantes são infamantes; ao mesmo tempo que corrompem a civilização humana, desonram mais aqueles que assim procedem do que os que padecem injustamente; e ofendem gravemente a honra devida ao Criador’ (JOÃO PAULO II, 1993: 80).

Estes mesmos conceitos são também defendidos por homens de vários campos do saber. É como explica o conhecido jurísta brasileiro Ives Gandra:

“É evidente que o direito à vida implica outros direitos que lhe permitam ser exercido, que também são de direito natural, como o direito à educação, à liberdade de associação, ao trabalho, à saúde, à dignidade pertinente ao ser humano, à intimidade, a não ser afastado da convivência social, senão se lhe trouxer mal superior, a partir dos indícios de sua atuação pregressa.

O direito à vida é o principal direito do ser humano. Cabe ao Estado preservá-lo, desde a sua concepção, e preservá-lo tanto mais quanto mais insuficiente for o titular deste direito. Nenhum egoísmo ou interesse estatal pode superá-lo. Sempre que deixa de ser respeitado, a história tem demonstrado que a ordem jurídica que o avilta perde estabilidade futura e se deteriora rapidamente”. (GANDRA, 2009: 3)

Os aspectos espirituais da sociedade temporal favorecem a contemplação

Mons. João S. Clá Dias, EPbruxelas

Encontra-se generalizada a ideia de que a sociedade temporal existe apenas para satisfazer as necessidades materiais do homem. Ora, este é composto de alma e corpo, no qual o espírito ocupa a primazia.

O homem poderá desenvolver a capacidade contemplativa, com maior grau de perfeição, no convívio humano e na consideração dos bens mais elevados que são o resultado da vida social, quer sejam os ambientes, a arte, a cultura e a civilização. Estes são elementos caracteristicamente espirituais produzidos pela sociedade temporal, e que grande influência têm sobre a alma humana. Animando com o espírito cristão as realidades temporais, objeto da contemplação mais imediata do homem, a alma humana terá muito mais facilidade de se elevar até as verdades da Fé. Dessa forma, a intimidade com Deus não se restringe apenas a determinados momentos reservados às obrigações religiosas, mas se estende a todo o operar humano, tal como a respiração não se interrompe em nenhum momento da existência. Ela é natural, sem esforço, contínua e aprazível.

A doutrina do Concílio Vaticano II, expressa no Decreto Apostolicam Actuositatem, é igualmente clara ao ressaltar a importância da esfera temporal no plano salvífico de Deus:

A obra redentora de Cristo, que por natureza visa salvar os homens, compreende também a restauração de toda a ordem temporal. Daí que a missão da Igreja consiste não só em levar aos homens a mensagem e a graça de Cristo, mas também em penetrar e atuar com o espírito do Evangelho as realidades temporais. Por este motivo, os leigos, realizando esta missão da Igreja, exercem o seu apostolado tanto na Igreja como no mundo, tanto na ordem espiritual como na temporal. Estas ordens, embora distintas, estão de tal modo unidas no único desígnio divino que o próprio Deus pretende reintegrar, em Cristo, o universo inteiro, numa nova criatura, dum modo incoativo na terra, plenamente no último dia. O leigo, que é simultaneamente fiel e cidadão, deve sempre guiar-se, em ambas as ordens, por uma única consciência, a cristã. (AA, n. 5)

É importante salientar aqui como o Concílio Vaticano II, ainda nos dias em que o assunto não havia adquirido o devido destaque nos meios eclesiais, deu novo impulso ao papel dos leigos na Igreja. Nele se anteciparam os imensos desafios que o terceiro milênio reservava. Com efeito, um deles é a “Consecratio Mundi”. Se no século XXI a Igreja não conseguisse influenciar as realidades temporais com o espírito cristão, os erros e a mentalidade secularista desta época poderiam, em certa medida, dessacralizá-la.

Diante dessa perspectiva, compete aos leigos zelar para que os ambientes, a arte, os costumes, as leis e as instituições, de alto a baixo na escala social, estejam todos impregnados do espírito cristão de forma que a obra redentora de Cristo produza também seus efeitos na esfera temporal. Deverá ela refletir, a seu modo, a luz e o esplendor daquele que subiu aos céus para “levar tudo à plenitude” (Ef 4, 10).