A abertura a Deus como problema do senso e senso do problema em Juan Alfaro

Pe. François Bandet, EP

Na sua reflexão, Alfaro parte da experiência real do homem no próprio ato de existir. O que sou eu? Coisa que o homem se interroga a si mesmo e em cujo ato ele deve também tomar posição a seu respeito, enfrentando um problema que o estimula a procurar uma resposta. Não se trata de uma pergunta meramente teórica, mas conseqüentemente prática porque coloca em questão a sua liberdade.

No indagar a possível resposta a tal questão, qualquer um rende-se à evidência de não ser plenamente ele próprio, que é chamado a construir-se, a ser mais ele próprio através do liame com os outros. O paradoxo do homem de ser ele próprio, não podendo ao mesmo tempo ser plenamente ele próprio, faz do homem um mistério somente a ele próprio.

O homem toma também conta de não existir desde sempre e para sempre. De onde a revelação da limitação da experiência humana. A experiência de não vir ao mundo por ele próprio e de ter recebido uma existência não optada, resulta necessariamente na dúvida: “De onde venho? Porque vivo?”.[1] A morte faz que o momento transitório da nossa existência seja irreversível e irrepetível. Inicialmente é melhor formular a pergunta de um modo mais simples: “Vale a pena viver? A vida merece ser tomada a sério?”

Neste sentido, a fórmula de Kant permanece sempre muito atual: “O que posso saber, o que devo fazer, o que me é permitido esperar?”.[2] Trata-se de três aspectos de uma mesma questão: “O que é o homem?”.[3]

O homem é permanentemente projetado ao porvir esperado, mesmo posta qualquer outra meta em acréscimo.

O homem é livre e empenha a própria liberdade na decisão concreta que não pode realizar e levar ao fim sem interrogar-se o porquê disto. O porquê de toda a opção leva a que observe por si a questão do sentido último da existência humana. Em tal perspectiva, a questão do sentido último da vida toma um caráter transcendental. O homem poderá tomar o sentido da própria vida em apenas um ato que envolve toda a sua pessoa. Não basta o puramente contemplativo “conhece-te a ti mesmo”; é preciso o “constrói-te” a ti mesmo na autenticidade.[4] O homem pode ser definido como o criador da linguagem, da técnica, da cultura, da história etc. Porém, a característica mais evidente do ser humano é o fato que ele tem como destino procurar o sentido último da sua vida: “O homem foi posto no mundo à procura de si mesmo e do seu fim”.[5]

Segundo Alfaro, o problema do sentido último da vida transcende o campo do empiricamente verificável e, portanto, supera a competência da ciência. Isto quer dizer que o problema do sentido último implica que a resposta não possa ser evidente. Se fosse evidente, de fato, o homem não seria livre. Uma demonstração evidente do sentido último da vida permanece, por enquanto, excluída. Pode-se, em vez disso, fazer não tanto uma demonstração mas uma exposição, isto é, uma compreensão dos motivos, suficiente para justificar a opção, pois uma demonstração da evidência não deixaria a possibilidade da opção.

Posto isto, agora, onde se pode chegar, de onde se deve partir e como se deve proceder? Alfaro diz que se pode chegar à compreensão da resposta a dar ao problema do sentido da vida humana.[6] Por esse motivo, precisa saber de onde se deve partir; o ponto de partida será a esperança, e em concreto, a experiência essencial que é a experiência que o homem vive no ato de existir: a experiência do mundo, da morte e da história. Partir da experiência humana total é de importância decisiva para a reflexão sobre o problema do sentido da vida.

Uma vez assumido como ponto de partida a experiência humana total, o passo seguinte terá caráter fenomenológico: A realidade “aparece” no fenômeno, que é o apontamento do seu “mostrar-se” originário. O Homem, desta forma, não pode contentar-se a viver e experimentar, renunciando a entender a realidade. Então, após a análise formal do problema do sentido da vida humana, será necessário entrar na discussão sobre se a vida tem ou não sentido.

O método que Alfaro segue é o seguinte:

a) Existencial: o ponto de partida é a realidade do homem;

b) Fenomenológico: Faz que a pergunta nasça da realidade completa e parte de um método que leva em consideração o ser numa situação concreta;

c) Transcendental: Procura a razão profunda que transcende o fenômeno e a existência.[7]

Dado que o homem não tem uma experiência imediata de Deus, deve aceitar que o problema de Deus será possível apenas enquanto experiência da qual nasce o problema do homem que culmina pela sua natureza em qualquer coisa que é outro homem, o mundo e a história. Para Alfaro isto significa então que o problema de Deus poderá surgir apenas enquanto conexo ao problema do homem.

É preciso dizer que se o homem não fosse constitutivamente aberto ao transcendente, não se poderia sequer se aproximar de Deus. O problema de Deus é correlato ao problema do homem.

Se não é possível dar ao problema do homem uma resposta “demonstrativa”, mas apenas “mostrativa”, analogamente seria impossível dar uma resposta “demonstrativa” ao problema de Deus.[8]


[1] Idem, ibidem, p. 12-13.

[2] Cf. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura (Kritik der reinen Vernunft).

[3] ALFARO, Juan. Dal problema dell’uomo al problema di Dio (1988), Queriniana, Brescia, 1991, p. 26.

[4] Idem, ibidem, p. 17.

[5] Idem, ibidem.

[6] Cf. Idem, ibidem, p. 19.

[7] Idem, ibidem, p. 21.

[8] Idem, ibidem., p. 23.

A antropologia esperançosa de Juan Alfaro

viewPe. François Bandet

Juan Alfaro confronta o problema do homem numa perspectiva global e existencial como presente em toda a ação humana, pois coloca questões que manam da fenomenologia da situação que tem a ver com o homem que vive em relação com os outros, com o mundo, a morte e a história. O problema de Deus deflui da experiência do sentido da vida humana. O homem não pode viver sem se interrogar a respeito do porquê da sua vida, e o problema de Deus será sempre o problema último. O problema de Deus é posterior à realidade visual e necessita de coragem e sinceridade, assim como estes são também necessários para enfrentar o problema último da vida. O “tendere sempre oltre” é difícil mas dá sentido à vida porque o problema de Deus não nasce da falta de sentido mas da própria existência do homem.

No mundo de hoje, no qual existe uma crise da metafísica e do sobrenatural, a questão do sentido da vida, sempre presente na história, ressurge, e Alfaro procura dar uma resposta a estes novos interrogativos da humanidade. O homem é por natureza aberto à transcendência, porque é aberto à questão existencial. O homem de hoje é muito consciente de si próprio e da própria liberdade; a partir da procura de como dar sentido à própria vida, ele é levado a uma abertura e confiança em relação a si mesmo e a Deus.

Não podemos falar, todavia, no “sentido da vida para mim”, mas devemos falar do “sentido da vida em si”. A verdade é o “sentido em si” que deve se tornar “sentido para mim”.

O homem não pode operar como homem sem a convicção de que a sua vida e a sua convicção têm senso. Mas como procurar o sentido da vida? Simplesmente abrindo os olhos à realidade da vida humana, como Alfaro procurou fazer. A primeira realidade da vida é aquela segundo a qual o homem tem um desejo de se conhecer a si próprio.

O problema de Deus poderá ser explicado apenas após aquele do sentido último da vida humana.

A realidade da morte para o homem impõe por si o problema do sentido último da existência humana e redunda num dilema: a morte é a alienação da pessoa humana ou é o dom de uma vida nova? O homem tem em si uma capacidade transcendente de esperança — esperançosa para responder a esta interrogação e tal capacidade se chama Deus. O homem pode encontrar Deus apenas na opção fundamental da sua liberdade de esperança, mas, no momento em que Deus se torna o mistério absoluto que não é possível demonstrar, mas que apenas se mostra, o homem poderá então encontrá-lo se estiver disposto a invocá-Lo, adorá-Lo, esperar nEle enquadrado na esperança — esperançosa.