A antropologia esperançosa de Juan Alfaro

viewPe. François Bandet

Juan Alfaro confronta o problema do homem numa perspectiva global e existencial como presente em toda a ação humana, pois coloca questões que manam da fenomenologia da situação que tem a ver com o homem que vive em relação com os outros, com o mundo, a morte e a história. O problema de Deus deflui da experiência do sentido da vida humana. O homem não pode viver sem se interrogar a respeito do porquê da sua vida, e o problema de Deus será sempre o problema último. O problema de Deus é posterior à realidade visual e necessita de coragem e sinceridade, assim como estes são também necessários para enfrentar o problema último da vida. O “tendere sempre oltre” é difícil mas dá sentido à vida porque o problema de Deus não nasce da falta de sentido mas da própria existência do homem.

No mundo de hoje, no qual existe uma crise da metafísica e do sobrenatural, a questão do sentido da vida, sempre presente na história, ressurge, e Alfaro procura dar uma resposta a estes novos interrogativos da humanidade. O homem é por natureza aberto à transcendência, porque é aberto à questão existencial. O homem de hoje é muito consciente de si próprio e da própria liberdade; a partir da procura de como dar sentido à própria vida, ele é levado a uma abertura e confiança em relação a si mesmo e a Deus.

Não podemos falar, todavia, no “sentido da vida para mim”, mas devemos falar do “sentido da vida em si”. A verdade é o “sentido em si” que deve se tornar “sentido para mim”.

O homem não pode operar como homem sem a convicção de que a sua vida e a sua convicção têm senso. Mas como procurar o sentido da vida? Simplesmente abrindo os olhos à realidade da vida humana, como Alfaro procurou fazer. A primeira realidade da vida é aquela segundo a qual o homem tem um desejo de se conhecer a si próprio.

O problema de Deus poderá ser explicado apenas após aquele do sentido último da vida humana.

A realidade da morte para o homem impõe por si o problema do sentido último da existência humana e redunda num dilema: a morte é a alienação da pessoa humana ou é o dom de uma vida nova? O homem tem em si uma capacidade transcendente de esperança — esperançosa para responder a esta interrogação e tal capacidade se chama Deus. O homem pode encontrar Deus apenas na opção fundamental da sua liberdade de esperança, mas, no momento em que Deus se torna o mistério absoluto que não é possível demonstrar, mas que apenas se mostra, o homem poderá então encontrá-lo se estiver disposto a invocá-Lo, adorá-Lo, esperar nEle enquadrado na esperança — esperançosa.

Perigos e Efeitos Funestos do Desânimo

desanimoObra póstuma do Padre J. Michel, S.J.; “Tratado do Desânimo nas vias da Piedade”, Coleção Popular de Formação Espiritual, vol XXIX, Editora Vozes, Petrópolis RJ, 1952

CAPÍTULO I e II

            O desânimo é a tentação mais perigosa que o inimigo da salvação dos homens possa pôr por obra. Nas outras tentações, ele só ataca uma virtude em particular e mostra se a descoberto; no desânimo, ataca as todas, e esconde-se.

             Nas outras tentações, vê-se facilmente a cilada: na Religião, não raro na própria razão, e numa educação cristã, achamos sentimentos que as condenam: a vista do mal que não podemos disfarçar, a consciência, os princípios de Religião que despertam, servem de apoio para nos sustentarmos. No desânimo não achamos socorro algum; sentimos que a razão não basta para praticar todo o bem que Deus pede; por outro lado, não esperamos achar junto a Deus a proteção de que havemos mister para resistirmos às paixões. Achamo nos, pois, sem coragem, prontos a tudo abandonar; e é até aí que o demônio quer conduzir a alma desanimada.

            Nas outras tentações, vemos claramente que seria mal aderirmos a elas por um sentimento refletido: no desânimo, disfarçado sob mil formas, acreditamos ter razões as mais sólidas para nos deixarmos guiar por esse sentimento, que não consideramos como uma tentação. Entretanto, esse sentimento faz considerar como impossível a prática constante das virtudes, e expõe a alma a se deixar vencer por todas as paixões. É, pois, importante evitar essa cilada.

            O efeito mais funesto do desânimo é que a alma que nele cai não o considera uma tentação. A esperança e a confiança em Deus é tão mandada quanto a Fé e as outras virtudes

            O que faz o grande mal de uma alma desanimada é que, iludida por um temor excessivo que lhe disfarça os verdadeiros princípios, abatida pela vista das dificuldades contra as quais não acha em si mesma recurso algum, ela não considera esse estado como uma tentação. Se o encarasse sob este ponto de vista, desconfiaria das razões que o alimentam: e, assim, sairia dele bem mais cedo e mais facilmente.

            Bem certo é, entretanto, que se trata de uma tentação bem definida; porquanto todo sentimento que é oposto à lei de Deus, ou em si mesmo ou pelas conseqüências que pode ter, evidentemente é uma tentação. É assim que julgamos de todas as que podemos experimentar. Se nos vem um pensamento contra a Fé, um sentimento contra a Caridade, ou contra alguma outra virtude, consideramo lo como uma tentação, desviamo nos dele, e aplicamo-nos a produzir atos opostos a esse pensamento, a esse sentimento, que nos põe em perigo de ofender a Deus.

            Ora, a Esperança e a confiança em Deus é tão mandada quanto a Fé e as outras virtudes. O sentimento que vai contra a Esperança é, pois, tão proibido quanto o que vai contra a Fé, e contra qualquer outra virtude: é, pois, uma tentação bem caracterizada. A lei prescreve nos fazer amiúdes Atos de Fé, de Esperança e de Caridade: proíbe-nos, por isso mesmo, todo ato, todo sentimento refletido contrário a essas virtudes tão preciosas e tão salutares. Deve-se, pois, considerar o desânimo como uma tentação, e mesmo como uma tentação das mais perigosas, visto que expõe a alma cristã a abandonar toda obra de piedade.

            Para tornardes sensível a vós mesmos esse perigo, examinai a conduta ordinária dos homens. A esperança de ser bem sucedido, de se proporcionar um bem, de evitar um mal, numa palavra, de satisfazer algum desejo ou alguma paixão, é que os faz agir, é que os sustenta nas penas que eles têm de suportar, é que os anima nos obstáculos que eles têm a vencer.

            Tirai lhes toda esperança, e logo eles cairão na inação. Só um homem no delírio pode dar se movimentos por um objeto que ele desespera de poder adquirir. O mesmo efeito o desânimo produz na prática das virtudes; funda se no mesmo princípio, a falta dos meios para chegar ao fim que nos propomos.

            A alma cristã que não espera vencer se na prática de alguma virtude, nada ou quase nada empreende para se fortificar. Os esforços insuficientes que ela faz aumentam lhe a fraqueza; e, mais do que meio vencida pelo seu desânimo, ela se deixa facilmente arrastar à paixão que a domina. A vista da sua fraqueza lança a primeiramente na irresolução, na perturbação. Neste estado, todo ocupada da dificuldade que sente em combater, ela já não vê os princípios que devem guiá la. O temor de não ser bem sucedida impede a de enxergar os meios que deve adotar para vencer, e que Deus lhe apresenta: ela se entrega, pois, ao inimigo sem defesa. É como uma criança a quem a vista de um gigante que avança contra ela faz tremer, e que não pensa em que uma pedra basta para derrubá lo, se ela se servir dessa pedra em nome do Senhor. Essa alma, assim, desanimada, tem um socorro poderoso na bondade do Pai mais terno; e que é só reclamar esse socorro, para sair vitoriosa do combate.