O senso do maravilhoso capaz de regenerar o homem

auroraMons. João S. Clá Dias, EP

O homem é um todo substancial, harmonioso, constituído de um corpo cuja forma é a alma, e potências: vegetativa, sensitiva e intelectiva, que interatuam. Assim, se alguém, durante um passeio pelo campo, se encontra com um touro furioso, produz-se no organismo uma série de reações em cadeia: a glândula suprarrenal injeta imediatamente adrenalina no sangue, o coração se acelera, os brônquios se dilatam e a respiração também se acelera. A sensação de medo provoca reações fisiológicas que colocam o corpo em um estado correspondente à alma. Existem, pois, os estados físicos de medo, vaidade, coragem e muitos outros.

Entretanto, existe também o estado físico provocado pelo maravilhoso, que produz enorme bem estar e dispõe para o esforço e para a dedicação ao bem. A saúde se beneficia, uma série de indisposições orgânicas entram em ordem e se enfrentam melhor os estados de aflição e angústia. O deleite produzido pelo senso do maravilhoso é insuperável. Uma “experiência do maravilhoso” está ao alcance do homem e, quando bem assimilada, produz no organismo um efeito que poderá ser comparado a alguns medicamentos e antidepressivos. O que não quer dizer que os medicamentos não devam ser utilizados, mas a “maravilho-terapia” poderá favorecer uma recuperação mais rápida e eficaz.

Bosques, campinas, montanhas, as variações do céu diurno e noturno, as auroras e os ocasos, o mar majestoso… são remédios naturais postos por Deus à nossa disposição. Mas não são os únicos; também as obras humanas, as netas de Deus, segundo expressão de Dante.1

Faz parte da arte de bem viver o aproveitar tudo o que possa ser objeto de contemplação. O maravilhoso é o melhor da realidade, e aponta para o Absoluto. Os medievais eram especialistas nesta arte e fomentavam com naturalidade a “celestialização” das coisas; tudo o que faziam tendia ao ápice do maravilhoso. Comentava Dr. Plinio Corrêa de Oliveira que “a alma maravilhável é uma alma maravilhosa, capaz de fazer maravilhas”.2

O homem de hoje não perdeu a capacidade de admirar, por mais que a sociedade lhe faça muitos outros convites. É preciso proporcionar-lhe ocasiões para, maravilhando-se, discernir nas coisas aquilo que elas têm de belo, de bom e de verdadeiro, ou sua ausência, e com isto poder voltar-se para o essencial: Deus.

D. Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, descreve a adesão daquele que deixa “seduzir-se” pela Beleza que salva:

“É no interior da evidência objetiva, que se deixa perceber a partir do sujeito com a  primeira reação do ‘espanto’ e da ‘admiração’, que se encontra já a força que leva o homem a reconhecê-la como bela e, portanto, boa e verdadeira e por isso mesmo cheia de sentido para ser amada e seguida”.3

1 ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia. X vol. Trad. de Pinto de Campos J.; Augusto Falcão C. e Della Ninna A., São Paulo [s. d.]. Vol. II.  Inferno, canto XI, verso 105.

2 CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. A admiração é a nossa estrela de Belém: Pronunciamento. São Paulo, 13 maio 1988.

3 FISICHELLA, Rino. Introdução à Teologia Fundamental. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2006. p. 142.

Perigos e Efeitos Funestos do Desânimo

desanimoObra póstuma do Padre J. Michel, S.J.; “Tratado do Desânimo nas vias da Piedade”, Coleção Popular de Formação Espiritual, vol XXIX, Editora Vozes, Petrópolis RJ, 1952

CAPÍTULO I e II

            O desânimo é a tentação mais perigosa que o inimigo da salvação dos homens possa pôr por obra. Nas outras tentações, ele só ataca uma virtude em particular e mostra se a descoberto; no desânimo, ataca as todas, e esconde-se.

             Nas outras tentações, vê-se facilmente a cilada: na Religião, não raro na própria razão, e numa educação cristã, achamos sentimentos que as condenam: a vista do mal que não podemos disfarçar, a consciência, os princípios de Religião que despertam, servem de apoio para nos sustentarmos. No desânimo não achamos socorro algum; sentimos que a razão não basta para praticar todo o bem que Deus pede; por outro lado, não esperamos achar junto a Deus a proteção de que havemos mister para resistirmos às paixões. Achamo nos, pois, sem coragem, prontos a tudo abandonar; e é até aí que o demônio quer conduzir a alma desanimada.

            Nas outras tentações, vemos claramente que seria mal aderirmos a elas por um sentimento refletido: no desânimo, disfarçado sob mil formas, acreditamos ter razões as mais sólidas para nos deixarmos guiar por esse sentimento, que não consideramos como uma tentação. Entretanto, esse sentimento faz considerar como impossível a prática constante das virtudes, e expõe a alma a se deixar vencer por todas as paixões. É, pois, importante evitar essa cilada.

            O efeito mais funesto do desânimo é que a alma que nele cai não o considera uma tentação. A esperança e a confiança em Deus é tão mandada quanto a Fé e as outras virtudes

            O que faz o grande mal de uma alma desanimada é que, iludida por um temor excessivo que lhe disfarça os verdadeiros princípios, abatida pela vista das dificuldades contra as quais não acha em si mesma recurso algum, ela não considera esse estado como uma tentação. Se o encarasse sob este ponto de vista, desconfiaria das razões que o alimentam: e, assim, sairia dele bem mais cedo e mais facilmente.

            Bem certo é, entretanto, que se trata de uma tentação bem definida; porquanto todo sentimento que é oposto à lei de Deus, ou em si mesmo ou pelas conseqüências que pode ter, evidentemente é uma tentação. É assim que julgamos de todas as que podemos experimentar. Se nos vem um pensamento contra a Fé, um sentimento contra a Caridade, ou contra alguma outra virtude, consideramo lo como uma tentação, desviamo nos dele, e aplicamo-nos a produzir atos opostos a esse pensamento, a esse sentimento, que nos põe em perigo de ofender a Deus.

            Ora, a Esperança e a confiança em Deus é tão mandada quanto a Fé e as outras virtudes. O sentimento que vai contra a Esperança é, pois, tão proibido quanto o que vai contra a Fé, e contra qualquer outra virtude: é, pois, uma tentação bem caracterizada. A lei prescreve nos fazer amiúdes Atos de Fé, de Esperança e de Caridade: proíbe-nos, por isso mesmo, todo ato, todo sentimento refletido contrário a essas virtudes tão preciosas e tão salutares. Deve-se, pois, considerar o desânimo como uma tentação, e mesmo como uma tentação das mais perigosas, visto que expõe a alma cristã a abandonar toda obra de piedade.

            Para tornardes sensível a vós mesmos esse perigo, examinai a conduta ordinária dos homens. A esperança de ser bem sucedido, de se proporcionar um bem, de evitar um mal, numa palavra, de satisfazer algum desejo ou alguma paixão, é que os faz agir, é que os sustenta nas penas que eles têm de suportar, é que os anima nos obstáculos que eles têm a vencer.

            Tirai lhes toda esperança, e logo eles cairão na inação. Só um homem no delírio pode dar se movimentos por um objeto que ele desespera de poder adquirir. O mesmo efeito o desânimo produz na prática das virtudes; funda se no mesmo princípio, a falta dos meios para chegar ao fim que nos propomos.

            A alma cristã que não espera vencer se na prática de alguma virtude, nada ou quase nada empreende para se fortificar. Os esforços insuficientes que ela faz aumentam lhe a fraqueza; e, mais do que meio vencida pelo seu desânimo, ela se deixa facilmente arrastar à paixão que a domina. A vista da sua fraqueza lança a primeiramente na irresolução, na perturbação. Neste estado, todo ocupada da dificuldade que sente em combater, ela já não vê os princípios que devem guiá la. O temor de não ser bem sucedida impede a de enxergar os meios que deve adotar para vencer, e que Deus lhe apresenta: ela se entrega, pois, ao inimigo sem defesa. É como uma criança a quem a vista de um gigante que avança contra ela faz tremer, e que não pensa em que uma pedra basta para derrubá lo, se ela se servir dessa pedra em nome do Senhor. Essa alma, assim, desanimada, tem um socorro poderoso na bondade do Pai mais terno; e que é só reclamar esse socorro, para sair vitoriosa do combate.