AS CINCO PROVAS OU VIAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS

tomas

Marcelo Rabelo (3º ano de Filosofia IFAT)

1.Apresentação geral das provas

As provas ou vias[1] da existência de Deus, mais do que demonstrações, são ‘contraprovas’, ou seja, “confirmações de uma verdade que a pessoa intimamente já possui”.[2] Não são abstrações de Deus, mas como interpretava Mondin, testemunhos recolhidos de Deus na natureza e na história a título de confirmação da voz daquele que já falou ao homem.[3] Estas vias procuram provar a existência de Deus tomando como ponto de partida o mundo, não o homem ou a idéia de Deus.

São Tomás de Aquino apresenta suas célebres cinco vias na S. Th. I, Q.2, a.3[4]. “Mesmo entre os contemporâneos, aqueles que negam Deus preocupam-se, sobretudo, em desmanchar essas famosas argumentações, que se sobressaem pela simplicidade, clareza, essencialidade e rigor lógico”.[5]

Antes de se iniciar este trabalho, propõe-se uma breve advertência de Mondin: as cinco vias não são criaturas de São Tomás de Aquino: não foi ele quem as descobriu; elas são resultados de uma longa tradição que remonta a Platão e Aristóteles, mas, “o vigor e a precisão com que as formula o Santo Doutor lhes dão um neto matriz de originalidade”.[6]

2. Contexto das cinco vias na Suma Teológica

O Aquinense questiona dois problemas fundamentais antecedentes à sua demonstração da existência de Deus. Primeiro se é evidente por si mesma; e se é possível demonstrá-la. Analisar-se-á sinteticamente estas duas questões.

Para justificar esta ordem, explica Royo Marín[7], tenha-se em conta que uma verdade pode ser evidente com uma evidência tão clara e imediata que não necessite demonstração alguma, como por exemplo, o todo é maior que as suas partes, o círculo é redondo, etc.; mas, pode-se tratar de uma verdade que não seja de evidencia imediata (a soma dos ângulos de um triângulo é igual a dois retos); então, cabe perguntar se pode chegar a esta última verdade por via demonstração e, em caso afirmativo, como se demonstra.

2.1 A existência de Deus é evidente por si mesma?

São Tomás de Aquino[8] começa por responder a esta questão do seguinte modo: “Algo pode ser evidente por si de duas maneiras: seja em si mesmo e não[9] para nós; seja em si mesmo e para nós”.[10]

Evidente em si mesma e não para nós, é aquela cujo predicado está objetivamente contido no sujeito, mas cuja evidência não aparece diante de nós senão depois de uma laboriosa demonstração, como ocorre, por exemplo, com a maior parte dos teoremas matemáticos.[11]

Evidente em si mesma e para nós é aquela que não necessita de nenhuma reflexão, pois o predicado está contido no sujeito de modo imediato. Exemplo: o circulo é redondo.[12]

Digo, portanto, que a proposição Deus existe, enquanto tal, é evidente por si, porque nela o predicado é idêntico ao sujeito. Deus é seu próprio ser, como ficará mais claro adiante. Mas como não conhecemos a essência de Deus, esta proposição não é evidente para nós, precisa ser demonstrada por meio do que é mais conhecido para nós, ainda que por sua própria natureza seja menos conhecido, isto é, pelos efeitos.[13]

2.2 É possível demonstrar a existência de Deus?

Dir-se-ia que não, pois como muitos afirmaram e outros confirmaram, a existência de Deus é um artigo de . Ora, não é possível demonstrá-los, porque a simples demonstração geraria a ciência; entretanto a se refere ao que não vemos.[14] Logo, a existência de Deus não é demonstrável.[15]

Responde o Aquinense: Existem dois tipos de demonstração: uma pela causa (propter quid). Outra, pelos efeitos (quia). Sempre que um efeito é mais manifesto do que sua causa, recorremos a ele a fim de conhecer a sua causa.[16]

Ora, por qualquer efeito podemos demonstrar a existência de sua causa, se pelos menos os efeitos desta causa são mais conhecidos para nós, porque como os efeitos dependem da causa, estabelecida a existência dos efeitos, segue-se necessariamente a preexistência de sua causa. Por conseguinte, se a existência de Deus não é evidente para nós, pode ser demonstrada pelos efeitos por nós conhecidos.[17]

Quanto à primeira objeção, deve-se dizer, de acordo com São Tomás, que a existência de Deus e outras verdades referentes a Ele, acessíveis à razão natural, não são artigos de fé, mas preâmbulos dos artigos. A Fé, continua o Santo Doutor, pressupõe o conhecimento natural, como a perfeição o que é perfectível. São Tomás conclui daí um interessante corolário. Aquele que não consegue apreender algo referente a Deus e que é demonstrável em si para nós, pode receber esta demonstração como objeto de Fé.[18]

Assim, “partindo das obras de Deus, pode-se demonstrar sua existência, ainda que por elas não possamos conhecê-lo perfeitamente quanto à sua existência”.[19]

 

3. Exposição das cinco vias

Como é sabido, a demonstração filosófica ou racional da existência de Deus se apóia quase exclusivamente no chamado princípio de causalidade, cuja formulação mais popular é a seguinte: todo efeito tem necessariamente uma causa. O conceito de efeito leva consigo inevitavelmente a exigência de uma causa, “pois do contrário o efeito careceria de sentido e deixaria automaticamente de ser efeito”.[20]

Não é preciso uma explicação profunda do princípio filosófico de causalidade. Para o Pe. Royo Marín, isto “não é necessário para nenhuma pessoa de são juízo”.[21]

Demonstrar-se-á, afinal, as cinco vias. Nos explica Fraile, O.P. que cada prova é completa, apodíctica e concluinte por si só, tendo seu ponto de partida e de término. Todas coincidem na afirmação de que em uma série causal concatenada não se pode proceder indefinidamente até o infinito. E todas convergem também num mesmo ponto de chegada, que é a necessidade da existência de um Ser Supremo, e o qual chamamos de Deus. [22]

Seguindo o dominicano,[23] pode-se representá-las assim:

3.1 Movimento

São Tomás introduz a primeira via da seguinte forma: “A primeira, e a mais clara, parte do movimento”.[24]

Por movimento, entende o Doctor Angelicus, não só no sentido restringido do movimento local, senão amplamente por qualquer mutação – local, quantidade ou qualitativa – ou seja, por qualquer passagem de potência a ato.

A existência real do movimento ou mudanças nos seres do Universo é um fato evidente:

nossos sentidos atestam, com toda a certeza, que neste mundo algumas coisas se movem. Ora, tudo o que se move é movido por outro. Nada se move que não esteja em potência em relação ao termo de seu movimento; ao contrário, o que move o faz enquanto se encontra em ato. Mover nada mais é, portanto, do que levar algo da potência ao ato.[25]

A primeira via, na Suma Teológica, corre mais ágil do que a análoga primeira via na Suma contra os gentios. Explica Mondin, que isso se deve ao fato de que na obra mais madura, (Suma Teológica) para justificar a premissa tudo o que se move é movido por outro, São Tomás de Aquino não recorre mais à cosmologia aristotélica, mas à doutrina metafísica do ato e da potência. Por isso, para uma explicação conclusiva do movimento, é preciso ascender a um ato puro, isto é, a um princípio do movimento que seja, em si mesmo, não movido e imóvel.[26]

“Assim, se o que move é também movido, o é necessariamente por outro, e este por outro ainda. Ora, não se pode continuar até ao infinito, pois neste caso não haveria um primeiro motor. […] é então necessário chegar a um primeiro motor, não movido por nenhum outro”.[27]

Sobre esta via comentou Royo Marín, que o argumento é de uma força demonstrativa para qualquer espírito reflexivo acostumado a alta especulação filosófica. Este primeiro Motor Imóvel, infinitamente perfeito, recebe o nome: Deus.[28]

3.2 A causa eficiente

Entende-se em filosofia por causa eficiente aquela que, “ao atuar, produz um efeito distinto de si mesma. Assim, o escultor é a causa eficiente da estátua esculpida por ele; o pai é a causa eficiente de seu filho.[29] Na segunda via, São Tomás de Aquino não gasta palavras para evidenciar este principio como ponto de partida para a ascensão a Deus. Para Mondin[30], o Aquinense se preocupa apenas em justificar a impossibilidade de um regresso ad infinitum na ordem das causas. Analisemos agora as palavras de São Tomás:

Encontramos nas realidades sensíveis a existência de uma ordem entre as causas eficientes; mas não se encontra, nem é possível, algo que seja a causa eficiente de si próprio, porque desse modo seria anterior a si próprio: o que é impossível. Ora, tampouco é possível, entre as causas eficientes, continuar até o infinito, porque […] a primeira é a causa das intermediárias e as intermediárias são a causa da última. […] Portanto, se não existisse a primeira entre as causas eficientes, não haveria a última nem a intermediária. Mas se tivéssemos de continuar até o infinito na série das causas eficientes, não haveria causa primeira; assim sendo, não haveria efeito último, nem causa eficiente intermediária, o que evidentemente é falso.[31]

Como se vê, “o argumento desta segunda via é também de uma forte evidencia demonstrativa”. A conclusão do mesmo é muito simples, eis aqui: “Logo, é necessário afirmar uma causa eficiente primeira, a que todos chamam Deus”.[32]

3.3 A contingência dos seres

O argumento fundamental da terceira via para demonstrar a existência de Deus pode formular-se sinteticamente do seguinte modo: “A contingência das coisas do mundo nos leva com toda certeza ao conhecimento da existência de um Ser necessário que existe por si mesmo, ao que chamamos Deus.

Antes de seguirmos na exposição, faz-se mister precisar os conceitos de ser contingente e ser necessário.

O Ser contingente é aquele que existe, mas que poderia não existir. Ou também, aquele que começou a existir e deixará de existir algum dia, constituindo assim todos os seres corruptíveis do universo.[33]

Ser necessário é aquele que existe e não pode deixar de existir; ou também, aquele que, tendo a existência de si e por si mesmo, existiu sempre e não deixará jamais de existir.[34]

Prossigamos agora o pensamento de São Tomás:

Encontramos, entre as coisas, as que podem ser ou não ser, uma vez que algumas se encontram que nascem e perecem. Conseqüentemente podem ser e não ser. […] Se tudo pode não ser, houve um momento em que nada havia. Ora, se isso é verdadeiro, ainda agora não existiria; pois o que não é só passa a ser por intermédio de algo que ja é. Por conseguinte, se não houve ente algum, foi impossível que algo começasse a ser; logo, hoje, nada existiria. […] Assim, nem todos os entes são possíveis, mas é preciso que algo seja necessário entre as coisas. Ora, tudo o que é necessário tem, ou não, a causa de sua necessidade de um outro. Aqui também não é possível continuar até o infinito na série das coisas necessárias.

Nota-se neste argumento a utilização novamente do principio de causalidade, (pois o que é, só passa a ser por intermédio de algo que já é), entretanto, situado sobre outro ponto de vista distinto. Vejamos agora como a conclusão do argumento da terceira via segue a mesma linha de raciocínio da segunda. “Portanto, é necessário afirmar a existência de algo necessário por si mesmo, que não encontra alhures a causa de sua necessidade, mas que é causa da necessidade para os outros”.[35] E esta, quando questionada até o fim, leva a razão a reconhecer uma origem primeira, necessária, incontingente, absoluta: Deus

            3.4 Os graus de perfeição

A quarta via chega à existência de Deus pela consideração dos distintos graus de perfeição que se encontram nos seres criados. Talvez seja “a mais profunda desde o ponto de vista metafísico; e, por isso mesmo, é a mais difícil de captar pelos iniciados nas altas especulações filosóficas”.[36] Vamos expô-la brevemente, seguindo sempre o Doutor Angélico:

Encontra-se nas coisas algo mais ou menos bom, mais ou menos verdadeiro, mais ou menos nobre etc. Ora, mais e menos se dizem coisas diversas conforme elas se aproximam diferentemente daquilo que é em si o máximo.[37] Assim, mais quente é o que mais se aproxima do que é sumamente quente. Existe em grau supremo algo verdadeiro, bom, nobre e, conseqüentemente o ente em grau supremo. […] Por outro lado, o que se encontra no mais alto grau em determinado gênero é causa de tudo que é desse gênero: assim o fogo, que é quente, no mais alto grau, é causa do calor de todo e qualquer corpo aquecido. […] Existe então algo que é, para todos os outros entes, causa do ser, de bondade e de toda a perfeição: nós o chamamos Deus.[38]

Como se pode facilmente notar, a estrutura argumentativa da quarta via é inteiramente semelhante às anteriores. Parte de um fato experimental completamente certo e evidente – a existência de diversos graus de perfeição nos seres –, a razão natural se remonta a necessidade de um ser perfeitíssimo que tenha a perfeição em grau máximo. Este Ser, para Royo Marín,[39] é o manancial de todas as perfeições que encontramos em graus  diversos em todos os demais seres.

3.5 A ordem do universo

Esta via merece um estudo mais amplo. Vejamos inicialmente a breve exposição de São Tomás:

A quinta via é tomada do governo das coisas. Com efeito, vemos que algumas que carecem de conhecimento, como os corpos físicos, agem em vista de um fim, o que se manifesta pelo fato de que, sempre ou na maioria das vezes, agem da mesma maneira, a fim de alcançarem o que é ótimo. Fica claro que não é por acaso, mas em virtude de uma intenção, que alcançam o fim. Ora, aquilo que não tem conhecimento não tende a um fim, a não ser dirigido por algo que conhece e que é inteligente, como a flecha pelo arqueiro. Logo, existe algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas ao fim, e a isso nós chamamos Deus.[40]

Nota-se que esta se eleva de uma multiplicidade ordenada a uma inteligência ordenadora. Para chegar a esta conclusão, o Aquinense utiliza o princípio de finalidade.[41]

Outro ponto que salta à vista, comparando a estrutura desta via com as outras, é a ausência da premissa regressum ad infinitum. Vários comentadores observam, entre eles Mondin, que esta lacuna é facilmente explicável, “pois Tomás de Aquino já havia citado várias vezes, nas vias precedentes, o absurdo de se tentar recorrer a uma série infinita”.[42]

Historicamente, esta via sempre foi a mais percorrida, antes e depois de São Tomás. A essa via, enumera Mondin[43], “recorreram Platão, Aristóteles, Zenão, Fílon, Clemente de Alexandria, Orígenes, Plotino, Agostinho, Anselmo, Boaventura, Descartes, Malebranche, Vico, Leibniz, Wolf, Rosmini e outros”. Estatísticas recentes confirmaram que mais de 80% dos americanos fundam a própria em Deus, na ordem do cosmos.[44]

Mas porque esta via é tão conhecida e assimilada, inclusive em nossos dias? Consideremos alguns aspectos citados por Royo Marín: “Vamos ilustrar esta quinta via com numerosos exemplos indiscutíveis, tomados do mundo que nos rodeia”.[45]

1.º Existem no firmamento celeste trilhões de astros, mais que os grãos de areia de todas as praias do mundo;

2.º Todos estes astros são de uma magnitude enorme;

3.º Todos se movem a rapidíssimas velocidades;

4.º Mas todos estão sujeitos pelas leis da matéria, que com suas complexas ações e reações mútuas criam um corpo de forças intricadíssimo;

5.º No entanto, conservam uma ordem tão perfeita que o astrônomo pode indicar em qualquer tempo a trajetória futura de qualquer astro.

Em mecânica, um dos problemas mais difíceis de resolver é o chamado dos três corpos, ou seja, determinar a posição de três massas que se influem mutuamente segundo as leis da gravidade. Neste problema se empenharam os mais potentes gênios matemáticos. Entretanto, a solução definitiva não se conhece.[46]

Se ao invés de três, são quatro os corpos, o problema se complica de um modo aterrador que não cabe no entendimento humano.[47] Mas se não nos enganamos, existem trilhões de corpos…

Prossigamos agora a solução de Royo Marín[48] a este problema dos trilhões de corpos.

1.º Tem de haver um entendimento que conheça e resolva o problemas das massas siderais;

2.º Que saiba em cada instante a posição exata de cada uma delas;

3.º E que por isso prevê e evite todas as infinitas contingências possíveis de desequilíbrio, em tão emaranhado e extenso campo de forças;

4.º Entendimento que tenha a seu serviço um poder tal, que consiga esse complexo ordenado e dinâmico de astros que se deslizam sem ruído e a menor vacilação, através do espaço, desde há mil milhões de anos;

5.º Este entendimento não é do homem;

6.º Logo, é de um ser superior ao homem a que chamamos Deus. Logo Deus existe!

Se não existe um Criador infinitamente sábio e poderoso, a ordem do mundo, desde as galáxias até ao grão de areia, deve-se atribuir ao azar. “não há solução intermediária”[49] Mas o azar não explica de nenhum modo esta ordem.

4. Considerações finais

A precaução com que São Tomás procede na estruturação de suas provas da existência de Deus tem sido insuficientemente observada pelos tomistas. Supostos os princípios metafísicos, o Aquinense não se apóia em nenhuma só lei do mundo físico, senão em fatos particulares deste.[50] Há coisas que se movem – não diz: tudo é movido –; Há graus do ser; por conseguinte, há um ser primeiro. Tal é sempre sua maneira de proceder.[51]

A tendência de tomistas modernos de deduzir do mundo visível, imediatamente como de um salto, o infinito, tem prejudicado o verdadeiro sentido das provas do Doutor Angélico. “São Tomás é o mais modesto entre todos os tomistas e, por conseguinte, o mais sábio”.[52] Manser esclarece esta ousada afirmação: as provas da existência de Deus, aponta sempre um só objetivo, que é demonstrar a existência de um ser primeiro, que não depende de nenhum outro e do qual todos dependem. Isto é tudo.

Por tudo quanto foi dito neste capítulo, depreende-se que a crença em Deus pertence as funções normais da inteligência humana.

Explica o prof. Corrêa de Oliveira[53] que, diante desta demonstração da existência de Deus através das cinco vias, só há três atitudes possíveis: ou o homem afirma, na plenitude de sua certeza, que há um Deus; ou nega com certeza não menor que Deus existe; ou duvida, perante a complexidade dos argumentos apresentados pró e contra a existência de Deus, e neste caso, “ou é positivista (abandonando completamente a esperança de encontrar a verdade em matéria religiosa), ou está em um período de formação, e espera que mais cedo ou mais tarde resolverá a questão”.[54] Mas, em qualquer caso, ou afirma, ou nega, ou duvida.

Para quem nega ou duvida, Royo Marín qualifica de ateu. E “o ateu é um caso clínico, como o de um que perde a razão. […] A incredulidade não consiste em não crer, senão em crer no mais difícil antes que o mais fácil”,[55]

Seria possível discutir com os modernos sobre o valor das provas de Deus? “é absolutamente inútil, enquanto subjetivistas, não admitem o valor real do princípio de causalidade”.[57] E consequentemente, colocam em dúvida toda transcendentalidade de nosso conhecimento. As vias tomistas para eles não têm nenhum valor. Entretanto, “só Kant merece menção especial”.[58]

A partir de Kant, a questão da existência de Deus tornou-se um dos pontos centrais da mudança de reflexão da filosofia. Ele procura demonstrar que qualquer argumentação especulativa sobre a realidade de Deus é vazia.[59] É também, o objeto da exposição do próximo capítulo.


[1] São Tomás de Aquino prefere usar o termo via aos termo argumento, provaou demonstração; quer indicar uma trajetória, um caminho a ser percorrido para alcançar uma meta que leva a mente a reconhecer a necessidade da existência de Deus.

[2] MONDIN, Battista. Quem é Deus?: elementos de teologia filosófica. Tradução de José Maria de Almeida. 2.ed. São Paulo: Paulus, 2005. p.183.

[3] Cf. Idem.

[4] O Doutor Angélico apresenta provas da existência de Deus em pelo menos uma dezena de escritos, exibindo classificações diversas, como na Suma contra Gentes, lib. I, cap. XIII, XV, XVI, XLIV; lib. II, cap. XV; lib. III, cap. XLIV. De Veritate, q.5, a.2. De Potentia, q.3, a.5. Compedium Theologiae, cap. III. Física, lib. VIII, lec. 2; lib. VIII, lec. 9 e seguintes. Metafísica, lib. XII, lec. 5 e seguintes.

[5] MONDIN, Battista. Op. Cit. p. 230.

[6] Cf. G. GUILHHERMO FRAILE, O. P. Historia de La filosofia: filosofia judia y musulmana; alta escolástica y decadência. Madrid: BAC, 1986. V.II 2º. p. 393.

[7] Cf. ROYO MARÍN, Antonio, O.P. Dios y su obra. Madrid: BAC, 1963. p.3-4.

[8] As citações da Suma Teológica deste trabalho são extraídas da 2.ed. São Paulo: Loyola, 2003.

[9] Grifo meu.

[10] S.Th. I, Q.2, a.1

[11] Cf. ROYO MARÍN, Antonio. Op. Cit., p.4.

[12] Idem.

[13] S.Th. I, Q.2, a.1

[14] Esta é a primeira objeção do próprio São Tomás sobre a possibilidade de demonstração. Ela merece um maior destaque, pois envolve uma das maiores originalidades de seu pensamento: o equilíbrio da relação entre fé e razão.

[15] Cf. S.Th. I, Q.2, a.2

[16] Idem.

[17] Idem.

[18] Cf. S.Th. I, Q.2 a.2 ad 1

[19] S.Th I, Q.3, a.2 ad 3

[20] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.9.

[21] Idem.

[22] Cf. G. GUILHHERMO FRAILE, O. P. Op. Cit., p. 393-394

[23] Cf. Idem. p. 394.

[24] S.Th. I, Q.2 a.3

[25] S.Th. I, Q.2 a.3

[26] Cf. MONDIN, Batista. Op. Cit., p.232.

[27] S.T. I q.2 a.3

[28] Cf. ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.11,14.

[29] Idem.

[30] Cf. MONDIN, Batista. Op. Cit., p.234.

[31] S.Th. I, Q.2 a.3

[32] Idem.

[33] Cf. ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.16.

[34] Idem.

[35] S.Th. I, Q.2 a.3

[36] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.18.

[37] Mondin explica muito bem que, quando São Tomás se refere aos termos graus e máximo, aparentemente a reflexão parece ser puramente no plano lógico e material. Assim, na escala das cores pode-se falar de um vermelho que é maximamente vermelho; qualquer outra tinta vermelha será mais ou menos vermelha na medida em que se aproxime mais ou menos do vermelho ideal. Mas o plano de São Tomás é ontológico: seu ponto de partida são graus de ser, graus de bondade, graus da verdade. (Cf. MONDIN, Batista. Op. Cit., p.237).

[38] S.Th. I, Q.2 a.3

[39] Cf. ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.19.

[40] S.T. I q.2 a.3

[41] O princípio de finalidade ou finalismo reconhece a presença de tendências voltadas para fins bens precisos. Na filosofia grega, o reconhecimento da importância do finalismo (isto é, da causa final) para uma adequada explicação do que acontece no universo é mérito de Aristóteles. Com o cristianismo, a explicação do finalismo torna-se mais completa, enquanto este recebe um adequado fundamento na criação: obra de um Deus generoso e providente, que produz todas as coisas para a consecução do bem do homem. Porém, apesar de todas as críticas e reservas que foram levantadas contra o finalismo, é preciso dizer que ele não só permanece sempre como uma explicação possível (ao menos para quem segue um sadio realismo), mas também como a explicação plenamente satisfatória para a maravilhosa ordem que reina tanto no microcosmo quanto no macrocosmo. (Cf. MONDIN, Batista. Op. Cit. p.427).

[42] MONDIN, Batista. Op. Cit., p.238.

[43] Idem, p.239.

[44] Cf. Idem.

[45] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p.20.

[46] Cf. Idem.

[47] Idem.

[48] Idem.

[49] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p. 30

[50] Cf. MANSER, G. M., O. P.  La esencia del tomismo. 2.ed.  Madrid: Selecciones Gráficas, 1953, p.412.

[51] Idem, p.414.

[52] Idem, p.415.

[53] Cf. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Deus e a constituição. In: O legionário, n.76, 8 mar. 1931.

[54] Idem.

[55] ROYO MARÍN, O. P. Op. Cit., p. 30-31.

[56] CLÁ DIAS, João. Conferência proferida em 26 de mai. 1997.

[57] Cf. MANSER, G. M., O. P. Op. Cit. p.416.

[58] Idem.

[59] Cf. MONDIN, Op. Cit., p.89.

Vida interior e vida ativa mutuamente se reclamam

Dom J. B. Chautard

A ALMA DE TODO

APOSTOLADO

Cap.IV 2ª parte

 

hermannComo o amor de Deus se revela pelos atos da vida interior, assim o amor do próximo se manifesta pelas operações da vida exterior. Portanto, não podendo o amor de Deus separar‑se do amor do próximo, resulta daí que essas duas formas de vida não podem também, de maneira alguma, subsistir uma sem a outra.[1] 20

De igual sorte, diz Suárez, não pode existir estado correta e normalmente ordenado para chegar à perfeição, sem que participe em certa medida da ação e da contemplação.[2]

O ilustre jesuíta limita‑se a comentar o ensinamento de São Tomás. Aqueles que são chamados às obras da vida ativa, diz o Doutor Angélico, erram se julgam que este dever os dispensa da vida contemplativa. Tal dever é um acréscimo desta vida e não lhe diminui a intensidade. Destarte, as duas vidas, longe de se excluir, reclamam‑se, supõem‑se, misturam‑se, completam‑se mutuamente; e, se de qualquer das duas se deve fazer um quinhão mais considerável, é por sem dúvida da vida contemplativa, a mais perfeita e a mais necessária.[3]

A ação, para ser fecunda, carece da contemplação; quando esta atinge certo grau de intensidade, difunde sobre a primeira algum tanto do seu excedente e, por meio dela, a alma vai haurir diretamente no coração de Deus as graças que a ação se encarrega de distribuir.

Por isso é que, fundindo‑se, na alma de um santo, a ação e a contemplação, em harmonia perfeita, ambas dão à vida dele unidade maravilhosa. Tal, por exemplo, São Bernardo, o homem mais contemplativo e ao mesmo tempo mais ativo do seu século, e de quem faz esta admirável pintura um dos seus contemporâneos: a contemplação e a ação harmonizavam‑se nele a ponto tal que este santo a um tempo parecia inteiramente dedicado às obras exteriores e inteiramente absorvido na presença e no amor do seu Deus.[4]

Comentando este texto da Sagrada Escritura: Pone me ut signaculum super cor tuum, ut signaculum super brachium tuum,[5] o Pe. Saint Jure descreve admiravelmente as mútuas relações entre as duas vidas. Vamos resumir as suas reflexões:

O coração significa a vida interior, contemplativa. O braço, a vida exterior, ativa.

O texto sagrado fala do coração e do braço para mostrar que as duas vidas se podem aliar e harmonizar perfeitamente na mesma.

O coração é indicado em primeiro lugar, porque é um órgão sobremaneira mais nobre e necessário que o braço. Da mesma forma, a contemplação é muito mais excelente e mais perfeita e merece muito mais estima que a ação.

Dia e noite, o coração palpita. Um só instante que este órgão essencial parasse, logo a morte sobreviria. O braço, parte apenas integrante do corpo humano, esse somente se move por intervalos. Do mesmo modo, devemos algumas vezes dar tréguas a nossos trabalhos exteriores; mas, ao invés, nunca devemos afrouxar na nossa aplicação às coisas espirituais.

O coração dá vida e força ao braço por meio do sangue que lhe envia e, sem este, o braço se dessecaria. Da mesma forma, a vida contemplativa, vida de união a Deus, graças às luzes e à perpétua assistência que a alma recebe desta intimidade, vivifica as ocupações exteriores; só ela é capaz de lhes comunicar simultaneamente o caráter sobrenatural e a real utilidade. Sem ela, tudo fica enlanguescido, estéril, cheio de imperfeições.

O homem, ai! amiúde separa o que Deus uniu; por isso é que tão rara é essa união perfeita. Demais, para ser realizada, exige ela um conjunto de precauções de freqüente negligenciadas. Nada empreender que exceda as próprias forças. Ver em tudo, habitual mas simplesmente, a vontade de Deus. Não nos metermos em obras senão quando Deus quer, e na medida exata em que lhe apraz ver‑nos consagrados a elas, e somente com o desejo de exercer a caridade. Logo no princípio, oferecer‑lhe nosso trabalho e, no decurso de nossos labores, reanimar amiúde, por meio de pensamentos santos, por meio de ardentes orações jaculatórias, nossa resolução de não trabalhar senão por Ele e para Ele. Em suma, seja qual for a atenção que devamos prestar a nossos trabalhos, conservar‑nos sempre em paz, perfeitamente senhores de nós mesmos. Quanto ao bom êxito, deixá‑lo unicamente nas mãos de Deus e aspirarmos a ver‑nos livres de todos os cuidados apenas para nos reencontrarmos a sós com Jesus Cristo. Tais são os sapientíssimos conselhos dos mestres da vida espiritual para chegarmos a essa união.

Por vezes, as ocupações hão de multiplicar‑se a ponto tal que exijam o dispêndio de todas as nossas energias, sem que, por outro lado, nos possamos desembaraçar do fardo, ou mesmo aligeirá‑lo. A conseqüência poderá ser a privação, por um tempo mais ou menos longo, do gozo da união a Deus, mas essa união somente sofrerá algum dano se nós assim o quisermos. Prolongando‑se este estado, é necessário por tal motivo gemer, sofrer e temer acima de tudo o habituarmo‑nos a ele.

O homem é fraco, inconstante. Se descuida a sua vida espiritual, depressa perde o gosto dela. Absorvido pelas ocupações materiais, acaba por comprazer‑se nelas. Pelo contrário, se o espírito interior manifesta a sua vitalidade latente por meio de suspiros e gemidos, esses lamentos contínuos, como provém de uma ferida que se não fecha mesmo no meio de uma atividade transbordante, constituem o mérito da contemplação sacrificada, ou melhor, a alma realiza essa admirável e fecunda união da vida interior e da vida ativa.

Oprimida por essa sede de vida interior que não logra apagar a seu bel‑prazer, a alma há de voltar com ardor, logo que possa, à vida de oração. Nosso Senhor sempre lhe há de reservar alguns instantes de entretenimento com Ele. Exige, porém, que a alma os não despreze e há de então compensar‑lhe com o fervor a brevidade desses felizes momentos.

Como as vias de Deus se assinalam pela sabedoria e pela bondade! Que maravilhosa direção não dá Ele às almas por meio da vida interior! Conservada no seio da ação e sem embargo generosamente oferecida, essa pena profunda de termos de consagrar tanto tempo às obras de Deus, e tão pouco ao Deus das obras, tem a sua compensação. Graças a ela, desvanecem‑se todos os perigos de dissipação, de amor próprio, de afeições naturais. Essa disposição da alma longe de prejudicar a liberdade do espírito e a atividade, dá‑lhes um caráter mais ponderado. É ela a forma prática do exercício da presença de Deus, porque a alma, na graça do momento presente encontra Jesus vivo, oferecendo‑se‑lhe oculto sob a obra a realizar. Jesus trabalha com ela e ampara‑a. Quantas pessoas, que desempenham cargos, hão de dever a essa pena salutar bem compreendida, a esse desejo sempre sacrificado e sempre vivo de ter mais momentos livres para estar junto do sacrário, e essas comunhões espirituais desde então quase incessantes, hão de dever, repetimos, a fecundidade de sua ação e ao mesmo tempo assim a salvaguarda da sua alma como seus progressos na virtude!

in: CHAUTARD, J. B. A ALMA DE TODO APOSTOLADO. São Paulo: Coleção, 1962.

[1] ) Sicut per contemplationem amandus est Deus, ita per actualem vitam diligendus est proximus, ac per hoc, sic non possumus sine utraque esse vita, sicut et sine utraque dilectione esse nequaquam possumus (S.Isid., Different., Lib. II, XXXIV, N. 135).

 

[2] ) Concedendum ergo est nullum esse posse vitae studium recte institutum ad perfectionem obtinendam, quod non aliquid de actione et de contemplatione participet (Suarez, I De Relig. Tract., 1, I, c. v, n. 5).

[3] ) Cum aliquis a contemplativa vita ad activam vocatur, non fit per modum substractionis, sed per modum additionis (D. Thom., 2, 2.ae, q. 182, a. 1).

[4] ) Interiori quadam, quam ubique ipse circumferebat solitudine fruebatur, totus quodammodo exterius laborabat, et totus interius Deo vacabat (God., Vita S. Bern. 1, I, c. v, et 1, III).

[5] ) Põe‑me como um selo sobre o teu coração, como um selo sobre o teu braço (Cant. 8, 6).