Gênese do conceito de contemplação

Inácio Almeida, EP

capela-subiacoA palavra contemplação tem sua origem etimológica na raiz latina templum (do grego temnein: para cortar ou dividir). É formada de cum, com, e templum, templo. Significa também examinar e considerar profunda e atentamente uma coisa, já espiritual, já visível e material, olhar com determinação ou complacência a uma pessoa.

Na filosofia grega a palavra contemplação era denominada teoria, por oposição a práxis, ou ação. Por isso, os gregos designavam a vida contemplativa como vida teórica, por oposição à vida ativa, ou vida prática. Alguns autores afirmam que a etimologia da palavra “teoria” deriva de um verbo grego que significa ver; deste verbo é que se origina também o nome Deus, que em grego se diz Teos, ou “Aquele que vê”. Com o tempo, essa nomenclatura veio também a ser utilizada na língua latina, resultando dizer que a vida teórica seria a vida contemplativa e a práxis, a vida ativa.

Porém, contemplar no sentido teológico, e é deste que trataremos, é segundo São Tomás (S. The. II, II, qq, 179-182) “a aplicação voluntária do entendimento aos dogmas sobre a divindade com o desejo vivo de gozar das grandes verdades nelas contidas” ou de acordo com Tanquerey (1955, p. 44) “uma intuição ou vista simples e afetuosa de Deus ou das coisas divinas.” Pode ser chamada também de contemplação adquirida quando “é fruto da nossa atividade auxiliada pela graça; infusa, quando, ultrapassando essa atividade, é operada por Deus com o nosso consentimento”.

Quanto ao uso da palavra “contemplação” nas Sagradas Escrituras, ele propriamente não acontece. No entanto, “se a expressão não existe, a realidade é claramente descrita”, especialmente no Capítulo X do Evangelho de São Lucas:

Indo eles de viagem, entrou Jesus em uma povoação; e uma mulher, de nome Marta, recebeu-O em sua casa. Tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, sentando-se aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra. Marta, pelo contrário, andava atarefada com muito serviço. Deteve-se, então, e disse: “Senhor, não te importas que minha irmã me tenha deixado só a servir? Diz-lhe, pois, que me ajude”. Mas o Senhor respondeu-lhe: “Marta, Marta, inquietas-te e te confundes com muitas coisas; mas uma só coisa é necessária, e Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada” (Lc 10, 38-42).

 

Entretanto, cumpre recordar que as primeiras referências sobre a importância da contemplação são anteriores ao cristianismo. Sabe-se que Platão tratou desse tema, bem como Aristóteles e Plotino. Mas, sobretudo no século V com o início do monaquismo cristão, é que a primazia da contemplação sobre a ação foi mais defendida, e teve como um dos seus principais expoentes um monge chamado João de Cassiano, o qual publicou uma série de 24 conferências, que são um relato das conversas tidas entre ele e os monges que habitavam o deserto do Egito a respeito de diversos temas da vida espiritual.

Essas conferências foram elogiadas por São Bento[1] em sua regra. São Domingos, o fundador da Ordem dos Pregadores, à qual pertencia São Tomás, dedicou-se com especial empenho ao estudo desses textos[2]. Tocco (2007) nos recorda que o próprio Aquinate, à imitação de seu fundador, lia com frequência algumas páginas das 24 Conferências[3].

ALMEIDA, Inácio. A contemplação no ensino de São Tomás. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho, n. 5, out-dez 2008. p. 60-62.


[1] In: Regra de São Bento, C. 73.

[2] Conf. Beato Jordão de Saxônia: Origem da Ordem dos Pregadores, C.8. In: Santo Domingo de Guzman, su vida, su orden, sus escritos; Madrid, BAC, 1947; p. 170.

[3] Conf. In Guillelmus de Tocco: Vita Sancti Thomae Aquinatis, C. 21.

São Tomás e as “substâncias separadas”

anjosPe. Arnobio José Glavam, EP

Não foi por acaso que São Tomás de Aquino recebeu o título de Doctor Angelicus, atribuído na segunda metade do século XV pelo papa São Pio V.[1] De fato, a maestria com que o Aquinate tratou os temas metafísicos, a arte com que decantou e purificou as obras filosóficas da antiguidade — especialmente de Aristóteles — e a teodicéia por ele empreendida, fizeram dele um dos maiores autores medievais e, porque não, de toda a cristandade, tendo revelado uma inteligência incomum para dissertar os temas mais complexos e delicados. Porém, além dos dons naturais indiscutivelmente presentes nele, vivia de tal forma em contemplação e absorto em suas altas cogitações, que lhe chegaram a chamar de “bos mutus”,[2] por sua grandeza de espírito e de corpo e sua constante elevação de alma. Junto com seu exemplo e santidade de vida, parecia pertencer a uma natureza mais próxima do Céu do que da terra.

Também ao analisarmos a extensa obra legada pelo santo dominicano, encontramos uma intensa alusão aos anjos, quer na sua Suma Teológica, em que lhes dedica mais de dez artigos, quer nos numerosos escritos a ele atribuídos. Considerada a sua opera omnia, uma referência a estes seres está presentes em mais de 30 obras que a nós chegaram, sem contar com aquelas cuja incerteza de terem sido escritas sob a sua pena persiste.

Um dos expoentes máximos da metafísica medieval é o seu tratado acerca das Substâncias Separadas — Tratactus de Substantiis Separatis — escrito entre 1272 e 1273 e não terminado devido ao seu falecimento.           

Remando contra a corrente da época que afirmava serem os anjos portadores de matéria e de forma, São Tomás de Aquino discorre as idéias da antiguidade mostrando as semelhanças e dessemelhanças entre Platão e Aristóteles, expõe e refuta algumas idéias de Avicebrão e salienta a doutrina do Pseudo-Dionísio Areopagita a fim de salientar o que lhe parece mais ortodoxo de acordo com Igreja Católica. Não se poupa a críticas aos maniqueus, a certas doutrinas dos platônicos e, mesmo a Orígenes. Dessa forma, prova pela argumentação, por argumentos tirados da Sagrada Escritura e pelo raciocínio lógico haverem substâncias separadas da matéria, postas no pináculo da criação, que se relacionam enquanto essência com o ser, o que explica a sua pura espiritualidade, que foram tiradas por Deus “ex nihilo” e são distintas entre si, havendo mesmo aqueles que se podem chamar de “bons” — os anjos — e de “maus”, não por natureza mas por corrupção, e que são os demônios.

 

GLAVAN. Arnobio José. De substantiis separatis. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho, n. 5, out-dez 2008. p. 127-128.

[1] Cf. Discurso do Papa João Paulo II na Visita ao Pontifício Ateneu Internacional. “Angelicum”, 17 de Novembro de 1979.

[2] Ver NASCIMENTO, Carlos Arthur R. Santo Tomás de Aquino – o boi mudo da Sicília. São Paulo: EDUC. 1992.


Felicidad cristiana y síntesis tomista

Pe. Juan Francisco Ovalle Pinzón, EP

 

           Desde los inicios de la cristiandad comenzaron a surgir una innumerable cantidad de pensadores católicos que inauguraron una nueva forma de ver, analizar y entender todos los fenómenos de la realidad y de la vida del hombre, desde una perspectiva nunca antes expuesta pero que a su vez no rechazaba todos los presupuestos rectos y ordenados que hasta entonces la humanidad había consolidado; de alguna manera este fue uno de los factores decisivos en la expansión de esta doctrina en una cultura en gran medida helenizada, puesto que “hacer aparecer al cristianismo como una continuación de la paideia griega clásica, haría que su aceptación fuese lógica para quienes poseían la antigua”[1]. No fueron pocos los cristianos que poco a poco comenzaron a estructurar doctrinas cada vez más elaboradas y con fundamentos más filosóficos, en la línea de la moralidad de la vida humana y de la perfección del hombre en función de Dios.

          Entre los exponentes más importantes, San Agustín tomó un puesto de destaque desde los primeros siglos. Plantea en primer plano el compuesto de alma y cuerpo que conforma al hombre, el cual constantemente busca saciar sus necesidades y alcanzar la felicidad. Al preguntar ¿es feliz todo el que tiene lo que desea? Responde: “si quiere lo bueno, y lo posee es feliz; si, por el contrario, desea lo malo, aunque lo obtenga, es desgraciado”*. Inherente a esta respuesta se puede ver que el concepto de virtud y bondad aparece como medida de todos los actos que se pueden considerar buenos, por tanto son el camino seguro para obtener a la plenitud de la felicidad. Sin embargo deja claro que esta no llega por medio de los bienes perecederos de la tierra ya que, sujetos a la fortuna, pueden perderse en cualquier momento. Con la respuesta a la pregunta anterior se da lugar a un aspecto negativo, ya que si se ama lo terreno, no estará preparado para la pérdida de los mismos, estando en constante temor, por lo tanto no es feliz. Con este argumento abre paso a pensar en las posesiones inmateriales, como las virtudes. “Quien intente ser feliz, debe buscar para sí bienes que siempre permanezcan y no le puedan ser arrebatados por cualquier revés de la fortuna”*, de esta manera sede lugar a otro elemento superior, sobrenatural, inmutable y eterno que es el Ser Absoluto. Con sus fundamentos racionales platónicos y sus raíces de fe en el cristianismo pone como elemento fundamental de la felicidad a la Esencia divina, al Ser creador.

 

 

rafael            La felicidad se da absolutamente en lo eterno, en la quietud, donde no se presenta movimiento ni tensión alguna. La vida temporal es movimiento permanente que muestra el dolor de no poseer el bien deseado, sin embargo, al existir algo superior, la vida cobra sentido para lograr el verdadero que es el reposo. San Agustín considera que todo embotamiento sensual o corporal, no hace más que alejar a la sabiduría del sujeto y por lo tanto la felicidad, “At nemo sapiens, nisi beatus”**. Es necesario estar bien dispuesto para llegar a lo superior. El dichoso o sabio no padece necesidad alguna. La prudencia es directamente aludida por San Agustín para dar el correcto equilibrio. En cambio por la lujuria, la ambición, la soberbia y otras pasiones del mismo género (con que los intemperantes y desventurados buscan para sí los deleites y poderío) los hombres quedan atrapados, sin poder salir de la sumisión de lo inferior ya que, ligados a estas, no llegarán al grado superior que alcanza la felicidad.

San Agustín hace una relación y un paralelo al respecto del bien y de la verdad ya que si el bien es el objeto de la voluntad, la verdad es el de la inteligencia, que en el plano del Absoluto es el mismo Dios, y por esto adquiere un lugar preeminente en la vida del sabio, el cual, más que un conocedor y poseedor de conceptos, es equilibrado y temperante y así “será sabio el que busca bien la verdad, aún sin lograrla. (…) todo hombre o es feliz o desgraciado, luego el hombre feliz lo será no sólo por la invención de la verdad, sino también por su búsqueda”[2].

            Con el recorrer de los siglos en los que iban apareciendo los primeros albores de una nueva civilización, no solo la sociedad y sus costumbres se fueron configurando con otros principios y valores, sino que mismo la forma de pensar (siendo más bien ésta la que determinó y modeló las tendencias de la humanidad) fue adquiriendo un brillo que dio su máxima expresión en el pensamiento de Santo Tomás de Aquino ya que, aparte de lo innovador de su pensamiento, su discurso intelectual conjuga los elementos y las doctrinas que los grandes pensadores de la historia habían especulado a respecto de la realidad, haciendo la obra del Aquinate “de carácter eminentemente sintético, totalizador; por esto ha sido objeto, desde el primer momento, de grandes aprecios y de grandes ataques”[3].

            Así como Santo Tomás consiguió sintetizar y armonizar los conceptos más importantes, trascendentes y verdaderos de sus predecesores, no solo en la fe sino también en el conocimiento a respecto de los problemas metafísicos y ontológicos, no fue poco su aporte al dilema de la beatitud o bienaventuranza, expresión con la que él prefería llamar a la felicidad. Recoge y ubica el papel de los placeres y deleites en la felicidad; recoge en su doctrina eudaimónica el papel de la virtud iniciada por Platón y aumentada con Aristóteles, con la que favorece la primacía del intelecto (por la vida del sabio) sobre la voluntad y estas en torno y en función de un plano divino.

            El Doctor Angélico en su obra prima, la Suma Teológica, dedica un tratado entero a este importante tema, en el cual deja claro cómo la felicidad o bienaventuranza no se encuentra en las riquezas, ni en los honores, ni en la fama, ni en el poder, ni en ningún bien del cuerpo o del alma, ni en ningún bien creado, ni mucho menos en los placeres. La felicidad solo se puede encontrar en el bien universal, absoluto y eterno según lo pide la voluntad humana, ya que esta solo puede ser el bien perfecto que sacie totalmente los apetitos humanos; este bien no puede ser encontrado en nada creado, ya que lo creado participa de bondad pero no es el bien por esencia. Por tanto la felicidad únicamente puede ser encontrada en el bien existente, infinito y perfecto, que es Dios. Este Ser increado es por tanto el objeto y la causa misma de la felicidad humana, que es en esencia la consecución y el disfrute del fin último*. Así queda planteado que el fin último del hombre en cuanto esencia es la felicidad, que a su vez consiste en la posesión del fin último en cuanto objeto. En este sentido la felicidad en esta vida no puede ser perfecta, como imperfecta es la posesión del fin último, pero sí se puede tener participación de la misma, y la mejor forma de participar de la misma se encuentra en la práctica de la virtud.

[1] JAEGER, Werner. Cristianismo primitivo y paideia griega. México: Fondo de Cultura Económica, 1965.  p. 24.

* SAN AGUSTIN, De vita beata, II, 10.

* SAN AGUSTIN, De vita beata, II, 11.

** SAN AGUSTIN, De vita beata, II, 14.

[2] CALVO, Felipe. La sabiduría en San Agustín de Hipona y su actualidad.

[3] BOFILL, Jaume.  Una filosofía del ideal.  [En línea].  En: Ars Brevis. Barcelona. No. 5 (1999); p. 49. 

* S. Th. I-II, q.3,  a.1

 

 

 


A santidade do sacerdote, uma exigência

Mons. João Clá Dias, EPcura-dars

Desde a Antiga Lei, a pessoa do sacerdote é cercada de uma dignidade que requer vida exemplar. Assim, no Livro do Levítico, encontramos duplo apelo à santidade. De um lado, a mando de Deus, Moisés exorta o povo de Israel a buscar a perfeição: “Fala a toda a comunidade dos israelitas e dize-lhes: Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Lv 19, 1). Mas aos sacerdotes a santidade é exigida com mais razão, porque são eles a oferecer os sacrifícios, fazendo o papel de intermediários entre Deus e o povo. Apresentar-se manchado pelo pecado diante do Altíssimo, para exercer o múnus sacerdotal, seria uma afronta ao Criador. “Os sacerdotes […] serão santos para o seu Deus e não profanarão o seu nome, porque oferecem ao Senhor os sacrifícios consumidos pelo fogo, o pão de seu Deus. Serão santos” (Lv 21, 5-6).

E dado que o Antigo Testamento é figura do Novo, compreende-se a necessidade de, na Nova Aliança, a santidade atingir um grau muito maior. Isto transparece da teologia tomista, a qual nos apresenta o ministro ordenado como tendo sido elevado a uma dignidade régia, no meio dos outros fiéis de Cristo, pois O representa e, em diversas ocasiões, age in persona Christi. Impossível, portanto, imaginar-se título superior. E como ele é chamado a ser mediador entre Deus e os homens, além de guia destes para as coisas divinas, deve necessariamente ser-lhes superior em santidade, embora todos os batizados sejam também chamados à perfeição.

Santo Afonso de Ligório, em sua obra A Selva, fundamentando-se na autoridade de São Tomás, esboça a figura do sacerdote como aquele que, por seu ministério, supera em dignidade os próprios Anjos, e por isso está obrigado a uma maior santidade, dado o seu poder sobre o Corpo de Cristo. De onde, conclui o fundador dos Redentoristas, a necessidade de uma dedicação integral do sacerdote à glória de Deus, de tal sorte que brilhe aos olhos do Senhor em razão da sua boa consciência e aos olhos do povo por sua boa reputação.[1]

Sobre isso ainda, recorda a doutrina tomista a necessidade de os ministros do Senhor terem uma vida santa: “In omnibus ordinibus requiritur sanctitas vitæ”.[2] Devem, portanto, sobretudo eles, ser o mais possível semelhantes ao próprio Deus: “Sede perfeitos assim como o vosso Pai Celeste é perfeito” (Mt 5, 48). E prossegue:

Diz Dionísio: “Assim como as mais sutis e mais puras essências, penetradas pelo influxo dos esplendores solares, derramam sobre os outros corpos, à semelhança do Sol, sua luz supereminente, assim também, em todo ministério divino, ninguém pretenda ser guia dos outros sem ser, em toda a sua maneira de comportar-se, muito semelhante a Deus”. […] Por isso, a santidade de vida é requerida na Ordem como necessidade de preceito. Mas não para a validade do sacramento.[3]

 

São conhecidas as invectivas de Nosso Senhor contra os escribas e fariseus. O que Jesus recriminava a estes homens, tão conhecedores da Lei, era justamente o fato de não viverem aquilo que ensinavam. Pretendendo aparecer aos olhos dos outros como exímios cumpridores dos preceitos mosaicos, não tinham reta intenção, nem verdadeiro amor a Deus. Seus ritos externos não eram acompanhados pela compunção de coração. Para que os sacerdotes da Nova Aliança não caiam no mesmo desvio, convém lembrar o comentário às Sentenças de Pedro Lombardo, em que São Tomás afirma: “Aqueles que se entregam aos ministérios divinos obtêm uma dignidade régia e devem ser perfeitos na virtude, conforme se lê no Pontifical”.[4]

Daí que na homilia sugerida no rito de ordenação presbiteral esteja incluída esta tocante exortação:

Tomai consciência do que fazeis, e ponde em prática o que celebrais, de modo que, ao celebrar o mistério da morte e ressurreição do Senhor, vos esforceis por mortificar o vosso corpo, fugindo aos vícios, para viver uma vida nova.[5]

 

A caridade de Cristo O levou a oferecer a vida em holocausto no patíbulo da Cruz, pela redenção da humanidade. Também aqueles que são chamados a ser mediadores entre Deus e os homens, devem exercer o seu ministério por amor, como ensina o Aquinate:

Compete aos prelados da Igreja desejar, no governo dos seus subalternos, servir somente a Cristo, por cujo amor apascentam Suas ovelhas, como diz São João (21, 15): “Se me amas, apascenta as minhas ovelhas”. Cabe-lhes também dispensar ao povo as coisas divinas, conforme lê-se em 1 Cor 9, 17: “É uma missão que me foi imposta”; sob este ponto de vista, são mediadores entre Cristo e o povo.[6]

 

O sacerdote, portanto, é chamado a um grau de santidade especial: “Pela Ordem sacra, o clérigo é consagrado aos ministérios mais dignos que existem, nos quais ele serve o Cristo no Sacramento do altar, o que exige uma santidade interior muito maior do que a exigida no estado religioso”.[7]

Também no Concílio Vaticano II se adverte que os sacerdotes, “imitando as realidades com que lidam, longe de serem impedidos pelos cuidados, perigos e tribulações do apostolado, devem antes por eles elevar-se a uma santidade mais alta”.[8] O exercício de seu múnus sacerdotal será, pois, o melhor instrumento de santificação: “Cresçam no amor de Deus e do próximo com o exercício do seu dever cotidiano”.[9]

Para a santificação e eficácia do sacerdote, a graça sacramental tem um papel determinante, pois dá-lhe oportunidade de receber auxílios sobrenaturais mais intensos para cumprir sua função de santificar as almas e, ao mesmo tempo, unir-se de forma mais íntima a Cristo Sacerdote, não só instrumentalmente, em decorrência do caráter sacramental, mas configurando-se a Cristo pela caridade, de modo a poder dizer com São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).

 

CLÁ DIAS, João. A Santidade do sacerdote à luz de São Tomás de Aquino. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 8, jul-set 2009. p. 11-14.


[1] Cf. LIGÓRIO, Santo Afonso Maria de. A Selva. Porto: Fonseca, 1928, p. 6. O Autor remete aos seguintes pontos das obras de São Tomás: S Th III, q. 22, a. 1, ad 1; Super Heb. cap. 5, lec. 1; S Th II-II, q. 184, a. 8; S Th Supl. q. 36, a. 1.

[2] S Th Supl. q. 36, a. 1.

[3] Idem.

[4] IV Sent. d. 24, q. 2.

[5] Pontifical Romano. Rito de Ordenação de Diáconos, Presbíteros e Bispos, n. 123. São Paulo: Paulus, 2004.

[6] Super I Cor. cap. 4, lec. 1.

[7] S Th II-II, q. 184, a. 8., Resp.

[8] LG, n. 41.

[9] Idem.

A eficácia do ministério sacerdotal

hostiaMons. João Clá Dias, EP

Ressalta Dom Chautard que a um sacerdote santo corresponde um povo fervoroso; a um sacerdote fervoroso, um povo piedoso; a um sacerdote piedoso, um povo honesto; a um sacerdote honesto, um povo ímpio.[1] Grande é, pois, o papel da virtude do ministro, para o êxito de seu ministério.

No que respeita à aplicação do valor da Santa Missa, com finalidade propiciatória, é que se pode falar de sua eficácia subjetiva, dependente das disposições de quem a celebra e daqueles aos quais ela é aplicada, como explica São Tomás:

Na satisfação atende-se mais à disposição de quem oferece do que à quantidade da oferenda. Por isso, o Senhor observou, a respeito da viúva que oferecia duas moedinhas, que ela “depositou mais que todos os outros”. Ainda que a oferenda da Eucaristia, quanto à sua quantidade, seja suficiente para satisfazer por toda a pena, contudo ela tem valor de satisfação para quem ela é oferecida ou para quem a oferece, conforme a medida de sua devoção, e não pela pena inteira.[2]

A respeito deste trecho do Doutor Angélico, Robert Raulin faz o seguinte comentário: “Seria perniciosa ilusão acreditar que o ofertante está dispensado do fervor, sob pretexto de que Cristo, oferecendo-Se na Missa, satisfez plenamente por todos os pecados do mundo”.[3]

Outro argumento, ainda, apresenta o Aquinate, para vincular a eficácia da Eucaristia à devoção dos que se beneficiam do valor infinito deste augusto Sacramento:

A Paixão de Cristo traz proveito a todos para a remissão da culpa, a obtenção da graça e da glória, mas o efeito só é produzido naqueles que se unem à Paixão de Cristo pela fé e caridade. Assim, também este Sacrifício, que é o memorial da Paixão do Senhor, só produz efeito naqueles que se unem a este Sacramento pela fé e caridade. […] Aproveitam, no entanto, mais ou menos, segundo a medida de sua devoção.[4]

 

A especial obrigação dos sacerdotes em trilhar o caminho da santidade é reafirmada no decreto Presbyterorum ordinis: “Estão, porém, obrigados por especial razão, a buscar essa mesma perfeição visto que, consagrados de modo particular a Deus pela recepção da Ordem, se tornaram instrumentos vivos do sacerdócio eterno de Cristo”.[5] E de seu aperfeiçoamento pessoal, ensina o mencionado documento conciliar, decorrerá maior ou menor abundância de frutos de sua ação pastoral:

A santidade dos presbíteros muito concorre para o desempenho frutuoso do seu ministério; ainda que a graça de Deus possa realizar a obra da salvação por ministros indignos, todavia, por lei ordinária, prefere Deus manifestar as suas maravilhas por meio daqueles que, dóceis ao impulso e direção do Espírito Santo, pela sua íntima união com Cristo e santidade de vida, podem dizer com o Apóstolo: “Se vivo, já não sou eu, é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).[6]

 

Ante esta realidade, o sacerdote tem dois grandes deveres. Um para consigo mesmo e outro para com o povo, pois ambos se beneficiam dos frutos da Santa Missa, especialmente o celebrante, conforme o grau de fervor ou devoção.[7]

Segundo alguns teólogos, este fruto especialíssimo da Santa Missa, destinado ao sacerdote, é maior do que o destinado aos demais participantes do Sacrifício Eucarístico, ou àqueles aos quais se aplica o seu valor. É neste manancial inesgotável da misericórdia de Deus que cada ministro ordenado deve ir buscar as melhores graças para a sua santificação, assim como a daqueles que lhe estão confiados:

Por causa do poder do Espírito Santo, que pela unidade da caridade comunica os bens dos membros de Cristo entre si, acontece que o bem particular presente na Missa de um bom sacerdote se torna frutuoso para outras pessoas.[8]

 

Dessa maneira, corresponderá ele à altíssima dignidade de seu ministério, segundo dizia o Santo Cura d’Ars:

Sem o sacramento da Ordem, não teríamos o Senhor. Quem O colocou ali naquele sacrário? O sacerdote. Quem acolheu a vossa alma no primeiro momento do ingresso na vida? O sacerdote. Quem a alimenta para lhe dar a força de realizar a sua peregrinação? O sacerdote. Quem há de prepará-la para comparecer diante de Deus, lavando-a pela última vez no sangue de Jesus Cristo? O sacerdote, sempre o sacerdote. E se esta alma chega a morrer [pelo pecado], quem a ressuscitará, quem lhe restituirá a serenidade e a paz? Ainda o sacerdote. […] Depois de Deus, o sacerdote é tudo! […] Ele próprio não se entenderá bem a si mesmo, senão no Céu.[9]

CLÁ DIAS, João. A Santidade do sacerdote à luz de São Tomás de Aquino. in: LUMEN VERITATIS. São Paulo: Associação Colégio Arautos do Evangelho. n. 8, jul-set 2009. p. 19-21.


[1] Cf. CHAUTARD, OCSO, Jean-Baptiste. A Alma de todo o apostolado. Porto: Civilização, 2001, p. 34-35.

[2] S Th III, q. 79, a. 5, Resp.

[3] In: AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2006, v. 9, p. 358.

[4] S Th III q. 79, a. 7, ad 2.

[5] PO, n. 12.

[6] Idem.

[7] Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. Teología Moral para Seglares. Madrid: BAC, 1994, v. 2, p. 158.

[8] S Th III q. 82, a. 6, ad 3.

[9] Palavras de São João Maria Vianney, citadas pelo Papa Bento XVI na Carta para Proclamação do Ano Sacerdotal, 16 jun. 2009.