A proposta de santidade impele à perfeição na caridade

Pe. José Victorino de Andrade, EP

“Sede perfeitos como vosso Pai do Céu é perfeito” (Mt 5, 48). Para São Tomás de Aquino, esta proposta que Nosso Senhor nos faz na sequência do Sermão das Bem-Aventuranças não pode ser inatingível pelo homem, pois neste caso jamais lhe poderia ser prescrito.[1] Portanto, tem de ser possível chegar à perfeição nesta vida, e esta consiste, de acordo com Santo Agostinho, na ausência dos desejos desordenados que se opõem à caridade. O Aquinense acrescenta a esta doutrina tudo quanto possa impedir que o afecto da mente se dirija totalmente a Deus, sem o que não poderá haver caridade, que é a perfeição da vida cristã.[2]

O Catecismo da Igreja Católica aclara esta questão:

O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pela caridade, que é o ‘vínculo da perfeição’ (Cl 3,14); é a forma das virtudes, articulando-as e ordenando-as entre si; é fonte e termo de sua prática cristã. A caridade assegura e purifica nossa capacidade humana de amar, elevando-a à perfeição sobrenatural do amor divino (n. 1827).

Embora alguns autores prefiram distinguir o convite à perfeição da vocação relativamente à santidade, os termos se interpenetram na medida em que a perfeição pode e deve ser um notável caminho para a santificação.[3] De acordo com São Paulo (Cl 1, 28), é a perfeição em Cristo que os homens devem almejar para se apresentar diante de Deus e dos demais. A Lumen Gentium recorda que “todos os fiéis, seja qual for o seu estado ou classe, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (n. 40), ou seja, à santidade.

Esta comum vocação de todos os homens à santidade, seja qual for o seu estado, é atestada pelo Catecismo da Igreja Católica[4] e por numerosos documentos do Concílio Vaticano II.[5] Conforme Bento XVI: “No contexto da vocação universal à santidade (I Ts 4, 3) encontra-se a vocação especial para a qual Deus exorta todos os indivíduos”.[6]

A Constituição Dogmática Lumen Gentium dedica-lhe um capítulo inteiro,[7] exortando o cristão a ser exemplo para todo o próximo na medida em que, praticando os conselhos evangélicos, edifica toda a sociedade:

A prática destes conselhos, abraçada sob a moção do Espírito Santo por muitos cristãos, quer privadamente quer nas condições ou estados aprovados pela Igreja, leva e deve levar ao mundo um admirável testemunho e exemplo desta santidade (n. 39).

E que maior caridade poderá haver do que aquela que se manifesta na santidade? Esta é a verdadeira caridade, que permanecerá sempre, conforme nos explica o Papa Bento XVI na sua encíclica, caridade na verdade. Por isso afirmava já São Tomás: “Quem vive na caridade, participa em todo o bem que se faz no mundo”,[8] e ainda: “O ato de um realiza-se mediante a caridade do outro, daquela caridade por meio da qual todos nós somos um só em Cristo”.[9]


[1] Cf. S. Th. II-II Q. 184, a. 2.

[2] Loc. Cit.

[3] Ver a este respeito NETTO DE OLIVEIRA, José. Perfeição ou Santidade e outros textos espirituais. 2ª ed. São Paulo: Loyola, 2002.

[4] Ver, por exemplo, n. 941, 1533, 2013.

[5] Entre outros: Lumen Gentium, n. 32; Gaudium et Spes, n. 34 ; Gravissimum Educationis, n. 2; Presbyterorum Ordinis, n. 2.

[6] Visita Ad Limina Apostolorum dos Bispos do Canadá – Atlântico. 20 mai. 2006. Disponível em : <www.vatican.va>.

[7] Capítulo V: A Vocação de todos à santidade na Igreja.

[8] Symb. Apost.

[9] IV Sent. d. 20, a. 2; q. 3 ad 1.

O mistério da Santíssima Trindade

Mons. João S. Clá Dias, EP

O mistério da Santíssima Trindade é o principal de nossa fé. Essencialmente se concentra num mistério de conhecimento e de amor. O primeiro precede o segundo, não por anterioridade de tempo mas, por pura lógica. Em face disto, podemos afirmar que a primeira atividade de Deus é a de conhecer. O Filho é gerado pelo Pai por via do conhecimento. Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, revela-nos algumas maravilhas desse íntimo conhecimento no seio da Trindade Santíssima: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem alguém conhece o Pai senão o Filho” (Mt 11, 27). “Em verdade, em verdade vos digo: O Filho não pode de si mesmo fazer coisa alguma, mas somente o que vir fazer o Pai; porque tudo o que fizer o Pai, o faz igualmente o Filho. Porque o Pai ama o Filho, e mostra-lhe tudo o que ele faz” (Jo 5, 19-20).

Quem melhor nos revelaria o Pai, do que Jesus, Seu Unigênito? Ele nos torna possível penetrar nos segredos da vida íntima de Deus, através dessa virtude teologal, não como no enunciado de um teorema abstrato, mas de maneira toda divina e sobrenatural: “Nós agora vemos [a Deus] como por um espelho, um enigma; mas então [O veremos] face a face. Agora conheço-O em parte; mas então hei de conhecê-Lo como eu mesmo sou [dele] conhecido” (1 Cor 13, 12-13).

É por essa mesma virtude que cremos na Revelação sobre a procedência, por via de amor, da terceira pessoa, o Espírito Santo. E ademais, permite-nos ela abarcar todos os mistérios da salvação.

In: Lumen Veritatis, n. 4.

Só Deus sacia por completo todos os desejos do coração humano

L'AngelusPe. José Victorino de Andrade, EP

Dificilmente se encontrará alguém que não anseie e procure a felicidade. Esta demanda foi posta por Deus no coração de todos os homens que, à semelhança de Santo Agostinho, apenas descansam quando O encontram e n’Ele “repousam” (Confissões I, 1). O início do Catecismo da Igreja Católica começa exactamente com esta temática, lembrando que o homem é capaz de Deus. Entretanto, esta insaciabilidade leva não só ao desejo de uma realização pessoal, no âmbito da vocação específica de cada um, como também da sociedade doméstica à qual pertence, e mesmo da comunidade, na qual se insere e vive.

Ensina-nos o Compêndio de Doutrina Social da Igreja que “o bem comum da sociedade não é um fim isolado em si mesmo; ele tem valor somente em referência à obtenção dos fins últimos da pessoa e ao bem comum universal de toda a criação” (n. 170). Ou seja, a realização pessoal nunca se faz de um modo isolado, mas num contexto, numa sociedade, peregrinação nesta terra herdada para o Homem a dominar através do seu trabalho, e colher os frutos, obtendo o alimento com o suor do rosto (Gn 1, 28-29; 3, 19).

Assim, a felicidade terrena, imperfeita, não se torna “num mar de alegrias, de contínua beatitude, que, durará sempre” (Is 35, 10), pois falta-lhe a visão beatífica – totus sed non totaliter -, de Deus. Peregrinando pelo mundo, a felicidade será sempre relativa, mas essa busca incessante estará por trás de tudo aquilo que o homem opera.

É impossível que a criatura racional dê um só passo voluntário que não esteja encaminhado, de uma ou outra forma, para a sua própria felicidade, já que, […] todo agente racional obra por um fim, que coincide com um bem (aparente ou real) e, pelo mesmo, conduz à felicidade (ROYO MARÍN, Antonio. Teología Moral para Seglares. 7. ed. Madrid: BAC, 2007. Vol. I. p. 22).

Por isso, explica São Tomás de Aquino que todos desejam alcançar a beatitude, entretanto, diferem nos meios para obtê-la, procurando-a através de riquezas, prazeres, ou outras coisas. Porém, o fim, ainda que implicitamente, permanece o sumo bem para o qual tendem todos os homens (S. Th. I-II, q. 1. a. 7.). Ora, este é identificado pelo Pe. Royo Marín, OP como sendo o próprio Deus:

Não é nem pode ser outro que o próprio Deus, Bem infinito, que sacia por completo o apetite da criatura racional, sem que absolutamente nada possa desejar fora dele. É o Bem perfeito e absoluto, que exclui todo o mal e enche e satisfaz todos os desejos do coração humano (Op. cit.  p. 23).

Não escolhemos viver, porque haveremos de escolher morrer?

Fe Notre Dame ParisPe. José Victorino de Andrade, EP

A opção fundamental de um católico deve tender sempre a adoptar uma cultura de vida, uma vez que em Deus está a vida em abundância (Jo 10, 10), Jesus morreu para nos libertar do pecado e da morte (Rm 8, 2) e o próprio Jesus identificou-se como “Caminho, Verdade e Vida” (Jo 14, 6). Entretanto, não são apenas motivações de carácter bíblico ou teológico que levam a Igreja a ser a favor da vida. A Fé caminha juntamente com a razão, à semelhança de um pássaro que voa com as duas asas. Por isso, a Filosofia ajuda a tornar a Fé algo bem maior e mais nobre do que a falsa fé, mero sentimento ou obséquio irracional.

Nesta perspectiva, a fuga ao sofrimento, seja no suicídio ou na eutanásia, para um estado no qual se deixa de sofrer, pois se deixa de existir, pode ser analisada sobre duas dinâmicas ou prismas: individual e coletivo. Não é apenas do ponto de vista da sociedade que o homem deve conservar a vida, pois ainda que alguém fosse acidentalmente parar num local desértico, teria obrigações relativamente à sua própria pessoa, de procurar alimento, hidratação, descanso, cultivar o intelecto e a memória, pensar em modos de alerta e resgate, ainda que as possibilidades de salvamento fossem remotas. E não são tão raros os históricos casos de resgatados em semelhantes condições.

Por isso, o suicídio:

— Do ponto de vista individual:

1. Atenta contra os direitos humanos – decálogo da razão humana e fruto do amadurecimento das raízes cristãs Ocidentais –, em que o respeito pela vida, deve também englobar a própria vida;

2. Vai contra os instintos do homem. Enquanto participação da própria natureza animal, ele procura em todas as circunstâncias preservar a vida, sendo capaz até de feitos extraordinários para conservá-la. Ou seja, faz parte do nosso ser, conservar o ser. E isso pode encontrar-se em qualquer animal: torna-se agressivo, defende-se, esconde-se, etc. para não morrer às mãos do caçador ou do predador;

3. A opção pela morte é uma recusa a aceitar que a vida é feita de dificuldades, e sofrimentos, alguns deles até grandes, mas que não se resolvem ou justificam com a aniquilação do próprio ser;

4. É também o abandono a algo que é fundamental na vida de todos: a esperança, e já diz o velho adágio, essa deve ser sempre “a última a morrer”;

5. Devemos estimar-nos e amarmos a nós mesmos, e o suicídio ou a eutanásia é um abandono da justa auto-estima que devemos devotar à nossa pessoa;

6. Em último lugar, poder-se-ia colocar a derrota, ou mesmo a deserção, no momento em que simplesmente se abandona a grande batalha da vida, preferindo a morte, trocando-se o positivo pelo negativo, a coragem pela covardia. Este exemplo já era dado por Platão, na sua Apologia de Sócrates.

*

— Do ponto de vista coletivo, uma vez que vivemos em sociedade:

1. O mau exemplo perante os demais membros da sociedade, de alguém que desistiu de viver;

2. Causa um sofrimento enorme nos outros, sobretudo amigos e familiares. É um egoísmo pensar apenas em si e não no sofrimento causado, quando alguém põe termo à sua existência, abruptamente;

3. Abandona-se a sociedade e a participação nela, seja como membros de uma família, trabalhadores, colaboradores, a amizade, as ideias, a original personalidade estética e intelectual, quantas coisas vão antecipadamente para “debaixo da terra”.

4. Causa prejuízos aos que permanecem, a todos os níveis, não só financeiros, o que seria secundário, mas também morais, pessoais, entre muitos outros.

5. Acarreta consigo aquela peculiar sensação de culpa, o peso de consciência, seja daqueles que não lograram evitar o trágico desfecho, mas sobretudo os cúmplices, que com a morte precoce colaboraram formal ou materialmente.

É semelhante ao corredor que evitou os obstáculos, saindo da pista, pois acharia que seria mais fácil chegar à meta… Enquanto isso, outros permanecem na corrida, pulando os obstáculos, por vezes caindo e voltando a levantar-se, mas a caminho da meta. Que impressão ficará nos espectadores que estão na bancada. Com quem ficarão edificados, com os que saíram da pista, ou com aqueles que, mesmo caindo, se voltam a levantar, e não desistem… Quem receberá a medalha? São Paulo (Fl 3, 14) usa uma metáfora semelhante, para justificar o prêmio, daqueles que se esforçaram por alcançar a meta. Ele mesmo considerou ter chegado ao fim da corrida (2 Tm 4, 7), merecendo a coroa de glória (2 Tm 4, 8).

A vida é um dom gratuito. Quem escolheu existir? Ninguém. É algo que foi dado (por Deus), transmitido (pelos pais). Se recebemos esse bem, sem pedir, porque haveremos de desfazer-nos dele? Não será uma revolta contra aqueles que deram a vida? Não escolhemos viver, porque haveremos de escolher morrer? A vida parece ser um grande dom para nós tomarmos conta, tratarmos bem, com todo o cuidado. Imagine que alguém recebesse uma empresa para gerir. Ele tem de prestar contas ao patrão. Não lhe compete destruir a empresa… pois não foi ele que a criou. Foi-lhe dada. Poderá incendiá-la, arrasá-la, destruí-la… mas não é dele. Quando estiver diante daquele a quem compete de fato, daquele que lhe deu, do senhor a quem pertence… receberá então “o justo salário”.

Uma palavra mais concreta quanto à eutanásia, e um facto. Este último, como dizem os italianos, “si non  è vero, è bene trovato”:

Os médicos fazem o juramento de hipócrates, no início da carreira, o que significa que faz parte da vocação deles promover a vida, e não a morte. A medicina chegou a tais avanços, que, hoje, é possível manter com dignidade o paciente até à morte natural, inclusive com ausência parcial ou total de dor. Ao autor da vida cabe, também ser o autor da morte. Não se aplica aos agentes de saúde abreviar a vida e conceder a morte, pois o trabalho deles é simplesmente diferente do carrasco. E uma vez que já superamos a pena de morte em grande número de nações, por quê darmos um fim aos doentes que, e ainda bem, já não damos nem sequer aos piores entre os criminosos? Não parece nem justo, nem mesmo racional.

Existe um especialista mundial em Ética, cujo nome é preferível omitir, por variadas razões, autor de numerosos e populares livros traduzidos em várias línguas do mundo, muito afamado na internet, que defende a eutanásia, com toda a logorreia. Certo dia, a mãe dele ficou muito doente, acamada e debilitada. Perguntaram-lhe porque ele não a encomendava a uma instituição que pudesse exercer a eutanásia, e abreviar-lhe a vida. Mas isso era para os outros. Ele amava a sua mãe, e a solução drástica ele só dava para quem não fosse mais útil na sociedade. A mãe dele ainda era objecto de algo, talvez o principal: o amor, capaz de vencer o utilitarismo…

O Sacramento da Confirmação

IMG_2148

Pe. Carlos Adriano Santos dos Reis, EP

Nosso Senhor Jesus Cristo, glorificado após sua ressurreição, derrama o Espírito no dia de Pentecostes, tornando a Missão de Cristo e do Espírito Missão da Igreja, enviando-a para anunciar e difundir o mistério da comunhão trinitária então revelado (COMPÊNDIO DO CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2005).

Ao longo dos séculos, a Igreja tem comunicado o dom do mesmo Espírito aos seus filhos mediante a imposição das mãos. Tradicionalmente ela vê, nessa imposição de mãos que se verifica nos relatos dos Atos dos Apóstolos após o batismo, a origem do sacramento da confirmação ou crisma. De algum modo, através desse sacramento, se perpetua do dom recebido no dia de Pentecostes pelos apóstolos (HORTAL, 2003), conforme se destaca na constituição apostólica de Paulo VI, Divinae consortium naturae:

“É exatamente essa imposição das mãos que é considerada pela tradição católica como a primeira origem do sacramento da confirmação, o qual torna, de algum modo, perene na Igreja a graça do Pentecostes.” (www.vatican.va/holy_father/paul_vi/apost…/hf_p-vi_apc_19710815_divina-consortium_po.html).

O cânon 879 do atual do Código de Direito Canônico, inicia o tema do presente título conceituando o sacramento. Recorda que se trata de um sacramento entre os imprimem caráter, e que é um dos que constituem a iniciação cristã. E já prescreve deveres: “são enriquecidos com o dom do Espírito Santo e vinculados mais perfeitamente à Igreja, fortalece-os e mais estritamente os obriga a serem testemunhas de Cristo pela palavra e ação e a difundirem e defenderem a fé” (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 2008, p.415 – grifo nosso).

Essa realidade se encontra também na mesma constituição supracitada:

Com o sacramento da confirmação, os que renasceram no batismo, recebem o dom inefável, o próprio Espírito Santo, pelo qual são “enriquecidos de força especial”, e, marcados com o caráter do mesmo sacramento, “são coligados mais perfeitamente à Igreja” enquanto “são mais estreitamente obrigados a difundir e a defender, com a palavra e com as obras, sua fé, como autênticas testemunhas de Cristo.”

Tudo isso redunda em que, uma vez que o batismo já exige ao fiel uma vida nova em Cristo, a confirmação constituirá uma exigência ainda maior nesse sentido, sobretudo considerando que se tornará ainda mais profunda a participação na natureza divina no fiel crismando.

A Castidade da inteligência: precioso fruto da plena doação de nossa inteligência a Deus

pensadoresMons. João S. Clá Dias, EP

A virtude da Fé nos facilita penetrar além dos umbrais de nossa acanhada natureza, e tomar consciência das profundezas dos liames que unem o universo a Deus. O Criador o transcende infinitamente e, portanto, não há a menor confusão entre Ele e a criação. Porém, é Deus quem mantém as criaturas no ser, como também cada um de seus elementos constitutivos, e até mesmo, é a causa eficiente da santidade que possa existir em cada uma delas. Daí ser-nos necessário o apoio das Sagradas Letras para aprimorar em nós o senso de Deus. Nelas encontraremos as verdades claramente expostas com extremo fervor por Cristo Jesus, sobre a vida íntima de Deus, os atributos do Pai e do Espírito Santo etc.

Assim, a presença de Deus e a própria ação divina, tanto a permanente quanto a atual, sobre todas as criaturas, serão discernidas — ainda que muitas vezes em meio a uma certa penumbra — por uma Fé robusta e viva. E isto consistirá, de certo modo, em alguma participação no conhecimento que Deus possui sobre Si mesmo e sobre o universo. Será a mais elevada vida intelectual, na qual a intensidade dessa virtude teologal determinará maior ou menor penetração (e domínio) desta, naquela.

A Fé, portanto, não constitui um estorvo para a cultura como erroneamente poderia parecer a espíritos menos avisados. Muito pelo contrário, determinação, certeza e substância são conferidas à inteligência que nela se fundamenta. Ela diviniza as qualidades humanas, e jamais as prejudica. E nossa inteligência, assim divinizada, passa a compreender tudo sob o prisma de Deus. Aí estará alojada a castidade de nossa inteligência que consistirá numa íntegra lealdade em face das realidades objetivas e do próprio Deus, tudo analisado com uma esplendorosa clareza devido a uma maior ou menor participação no conhecimento incriado. Ela é um precioso fruto da plena doação de nossa inteligência a Deus, fruto, por sua vez, da iniciativa dEle em nos escolher e de nós tomar posse: “Não fostes vós que me escolhestes mas, fui eu que vos escolhi” (Jo 15, 16).

A família, bem necessário e imprescindível para toda a sociedade

Pe. Álvaro Mejía Londoño, EPfamilias

A família é um bem necessário e imprescindível para toda a sociedade, núcleo e realidade natural, fundamento da própria sociedade, e tem o direito de ser protegida e reconhecida pela sociedade e pelo Estado. Ela tem uma dimensão social única, pela sua natureza, posto que a procriação situa-se como princípio “genético” da sociedade, como lugar primário de transmissão e cultivo de valores e, consequentemente, como princípio da cultura e garantia da própria sobrevivência da sociedade. Podemos dizer com toda a segurança que o matrimônio tem as suas próprias leis, não dependendo do arbítrio das pessoas ou da sociedade. Não é um fenômeno meramente cultural e dependente do “sentir” subjetivo da época atual, mas tem como fundamento o próprio Deus.

É preciso ter presente que a estabilidade do matrimônio e da família não está exclusivamente confiada à intenção e à boa vontade dos implicados; ele tem um caráter institucional, adquire caráter público, inclusive após o reconhecimento jurídico por parte do Estado. Está em causa a própria dignidade do(s) gerado(s) ser o fruto de uniões íntimas permanentes, provir de pais unidos, estabilidade essa que deve ser do interesse de todos, sobretudo velando por estes que são os mais débeis: os filhos.

“Com o matrimônio se assumem publicamente, mediante o pacto de amor conjugal, todas as responsabilidades do vínculo estabelecido. Dessa assunção pública de responsabilidades resulta um bem não só para os próprios cônjuges e filhos no seu crescimento afetivo e formativo, como também para os outros membros da família. Dessa forma, a família que tem por base o matrimônio é um bem fundamental e precioso para a sociedade inteira, cujos entrelaces mais firmes estão sob os valores que se manifestam nas relações familiares que encontram sua garantia no matrimônio estável. O bem gerado pelo matrimônio é básico para a própria Igreja, que reconhece na família a “Igreja doméstica” (Lumen gentium n.11, Decr. Apostolicam auctositatem, n.11). Tudo isso se vê comprometido com o abandono da instituição matrimonial implícito nas uniões de fato”.1

________________

1. Conselho Pontifício para a Família. Família – Matrimônio e “Uniões de fato”. 26 jul. 2000.

A divisão das virtudes

luzPe. Erick Maria Marchel

As virtudes estão divididas em três esferas:

As humanas; As cardeais; As teologais;

As virtudes humanas são disposições habituais da inteligência e da vontade que modelam os nossos atos. Regulam ordenadamente, guiadas pela razão e a Fé, nossas inclinações ao mau, facilitando-nos assim uma vida em conformidade com a finalidade de todo homem. Proporcionam ao ser humano o convívio íntimo com o amor divino (CEC 1804).

As Cardeais são aquelas que têm a função de eixo ou gonzo.

Quatro virtudes têm um papel de “dobradiça” (que, em latim, se diz “cardo, cardinis”). Por esta razão são chamadas “cardeais”: todas as outras se agrupam em torno delas. São a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança (CEC 1805).

As Teologais são aquelas que têm relação diretamente com Deus. Tais virtudes têm como origem, motivo e objeto, o próprio Deus, que as utiliza como meios pelos quais adaptando as capacidades do atuar humano, nos faz participar de Sua Natureza e herdeiros da vida eterna (CEC 1812-1813). São elas a Fé, a Esperança e a Caridade.

A beleza nos símbolos e sua importância

pescadorMons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

A mente divina é infinitamente rica de seres possíveis e, embora Deus os possa criar todos, somente alguns Ele torna realidade. Assim, cada um de nós existiu como um possível na consideração de Deus, desde toda a eternidade1. Apesar d’Ele não ter querido criar todos os seres possíveis, é enorme a quantidade de criaturas vindas à existência pelo seu poder. Essa superabundância, como ocorre com todos os atos de Deus, foi intencional; entre outras razões, procedeu Ele dessa forma para espelhar uma maior quantidade de perfeições,2 ou mesmo evitar a sensação de monotonia que poderia facilmente se produzir na alma humana. Nessa imensa obra que O levou a descansar no sétimo dia, o Criador quis colocar uma nota de altíssima beleza: o simbolismo. Sobre isso, ensina-nos o Catecismo da Igreja Católica:

“Na vida humana, sinais e símbolos ocupam um lugar importante. Sendo o homem um ser ao mesmo tempo corporal e espiritual, exprime e percebe as realidades espirituais por meio de sinais e símbolos materiais. Como ser social, o homem precisa de sinais para se comunicar com os outros, pela linguagem, por gestos, por ações. Vale o mesmo para sua relação com Deus (n. 1146)”.

Nesta terra de exílio, um dos melhores modos de nos comunicarmos com Deus e termos, assim, algum antegozo da visão beatífica é contemplar os símbolos do Criador postos no universo, pois “as perfeições invisíveis de Deus, o Seu sempiterno poder e divindade, tornam-se visíveis à inteligência, por suas obras” (Rm 1, 20). Ou seja, desde que queiramos, é-nos dado discernir o Invisível no visível, o Infinito no finito, o Criador nas criaturas.

Não há dúvida que a beleza estética pura e simples tem grande valor, mas a intelecção desse valor não atingirá sua plenitude enquanto não remeta, de alguma forma, através de seu simbolismo, para o próprio Deus. Daí que a beleza simbólica tenha uma categoria muito superior à estritamente física.

________________

1 Cf. S. Th. I, q. 15, a. 2-3.

2 Cf. S. Th. I, q. 47, a. 1.

A homilia

bento-xviPe. Mário Sérgio, EP

Entre as formas de pregação, destaca-se a homilia, que é parte da própria liturgia e se reserva ao sacerdote ou diácono; nela se devem expor, ao longo do ano litúrgico, a partir do texto sagrado, os mistérios da fé e as normas da vida cristã.

A Sagrada Teologia que é traduzida pelo sacerdote de forma acessível aos fiéis deve-se apoiar na Sagrada Escritura que é a “alma”, de todo ministério profético, sobretudo da homilia1. Por esta razão, a Igreja determina que em todas as missas que se celebram com participação do povo, nos domingos e festas de preceito, deve-se fazer a homilia, que não se pode omitir, a não ser por causa grave2.

À suficiente participação do povo, recomenda-se vivamente que se faça a homilia também nas missas celebradas durante a semana, principalmente no tempo do advento e da quaresma ou por ocasião de alguma festa ou acontecimento de luto3, pois os jovens afastados da participação dos mistérios recuperam o senso católico no encontro com o sacerdote nestas ocasiões, muitas vezes retornando à participação das Missas dominicais.

Ressalta a Evangelii Nuntiandi, que na homilia, “a evangelização não seria completa se ela não tomasse em consideração a interpelação recíproca que se fazem constantemente o Evangelho e a vida concreta, pessoal e social, dos homens”4. Entretanto, convém que a doutrina cristã seja apresentada de modo apropriado à condição dos ouvintes e, em razão dos tempos, adaptada às necessidades.  O Código de Direito Canônico estimula aos párocos que “as pregações, que se denominam exercícios espirituais e santas missões, ou ainda outras formas adaptadas às necessidades”5.

Deve-se ressaltar que os párocos, devem mostrar-se solícitos a fim de que a palavra de Deus seja anunciada também aos fiéis que, por sua condição de vida, não podem usufruir suficientemente da ação pastoral comum e ordinária, ou que dela são totalmente privados, sobretudo, àqueles que mais afetados pelo secularização do mundo, os não-crentes, pois “paradoxalmente, neste mesmo mundo moderno não se pode negar a existência de verdadeiras pedras de junção cristãs, valores cristãos pelo menos sob a forma de um vazio ou de uma nostalgia. Não seria exagerar o falar-se de um potente e trágico apelo para ser evangelizado”6.

__________________

1 DV 24

2 SC 52

3 PAULUS VI. Litt. Ap. Sacram Liturgiam, 25. 1964, III. AAS 56 (1964) 141.

4 EN 29

5 CIC 770; CD 28; CD 30.

6 EN 55,58