As duas vindas de Nosso Senhor

jesus3Mons. João S. Clá Dias, EP

O círculo e o losango são as mais perfeitas figuras geométricas segundo o conceito de São Tomás de Aquino, pois representam o movimento do efeito que retorna à sua causa. Cristo é a mais alta realização dessa simbologia porque, além de ser o princípio de todo o criado, é também o fim último. Daí encontrarmos, tanto no término do ano litúrgico, como em sua abertura, os Evangelhos que transcrevem as revelações de Jesus sobre sua última vinda.

A expectativa do Natal

A Igreja não elaborou suas cerimônias através de um planejamento prévio. Organismo sobrenatural como é, nascido do sagrado costado do Redentor e vivificado pelo sopro do Espírito Santo, possui uma vitalidade própria com a qual se desenvolve, cresce e se torna bela, de maneira orgânica. Assim foi-se constituindo o ano litúrgico ao longo dos tempos, em suas mais diversas partes. Em concreto, o Advento surgiu entre os séculos IV e V como uma preparação para o Natal, sintetizando a grande espera dos bons judeus pelo aparecimento do Messias.

À expectativa de um grande acontecimento místico-religioso, corresponde uma atitude penitencial. Por isso os séculos antecedentes ao nascimento do Salvador foram marcados pela dor dos pecados pessoais e do de nossos primeiros pais. Mais marcante ainda se tornou o período anterior à vida pública do Messias: uma voz clamante no deserto convidava todos a pedirem perdão de seus pecados e a se converterem, para que assim fossem endireitados os caminhos do Senhor.

Esperança pervadida pelo desejo de santidade

Desejando criar condições ideais para participarmos das festividades do Nascimento do Salvador — sua primeira vinda —, a Liturgia selecionou textos sagrados relativos à sua segunda vinda: a nota dominante de uma é a misericórdia e a da outra, a justiça. Entretanto, esses dois encontros com Jesus formam um todo harmônico entre o princípio e o fim dos efeitos de uma mesma causa. Os Padres da Igreja comentam largamente o contraste entre uma e outra, mas, segundo eles, devemos ver na Encarnação do Verbo o início de nossa Redenção e na ressurreição dos mortos a sua plenitude.

Para estarmos à altura do grandioso acontecimento natalino, é indispensável colocarmo-nos diante da perspectiva dos últimos acontecimentos que antecederão o Juízo Final. Daí o fato de a Igreja durante muito tempo ter cantado na Missa a seqüência “Dies Irae”, a famosa melodia gregoriana.

Mais do que simplesmente recordar-nos o fato histórico do Natal, a Igreja quer fazer-nos participar das graças próprias à festividade, tal qual delas gozaram a Santíssima Virgem, São José, os Reis Magos, os Pastores, etc. Ora, uma grande esperança, pervadida pelo desejo de santidade e por uma vida penitencial, sustentava o povo eleito naquelas circunstâncias. E nós devemos imitar seu exemplo e seguir seus passos, em face não só do Natal como também da plenitude de nossa redenção: a gloriosa ressurreição dos filhos de Deus.

Primeira e segunda vindas de Jesus se unem diante de nossos horizontes neste período do Advento, fazendo-nos analisá-las quase numa visão eterna; talvez, melhor dizendo, de dentro dos próprios olhos de Deus, para Quem tudo é presente. Eis algumas razões pelas quais se entende a escolha do roxo para os paramentos litúrgicos, nessas quatro semanas.

Arautos do Evangelho, n. 47

O Advento: espectativa do Natal e esperança pervadida pelo desejo de santidade

Mons. João S. Clá Dias, EParco

O círculo e o losango são as mais perfeitas figuras geométricas segundo o conceito de São Tomás de Aquino, pois representam o movimento do efeito que retorna à sua causa. Cristo é a mais alta realização dessa simbologia porque, além de ser o princípio de todo o criado, é também o fim último. Daí encontrarmos, tanto no término do ano litúrgico, como em sua abertura, os Evangelhos que transcrevem as revelações de Jesus sobre sua última vinda.

A Igreja não elaborou suas cerimônias através de um planejamento prévio. Organismo sobrenatural como é, nascido do sagrado costado do Redentor e vivificado pelo sopro do Espírito Santo, possui uma vitalidade própria com a qual se desenvolve, cresce e se torna bela, de maneira orgânica. Assim foi-se constituindo o ano litúrgico ao longo dos tempos, em suas mais diversas partes. Em concreto, o Advento surgiu entre os séculos IV e V como uma preparação para o Natal, sintetizando a grande espera dos bons judeus pelo aparecimento do Messias. À expectativa de um grande acontecimento místico-religioso, corresponde uma atitude penitencial. Por isso os séculos antecedentes ao nascimento do Salvador foram marcados pela dor dos pecados pessoais e do de nossos primeiros pais. Mais marcante ainda se tornou o período anterior à vida pública do Messias: uma voz clamante no deserto convidava todos a pedirem perdão de seus pecados e a se converterem, para que assim fossem endireitados os caminhos do Senhor.

Desejando criar condições ideais para participarmos das festividades do Nascimento do Salvador — sua primeira vinda —, a Liturgia selecionou textos sagrados relativos à sua segunda vinda: a nota dominante de uma é a misericórdia e a da outra, a justiça. Entretanto, esses dois encontros com Jesus formam um todo harmônico entre o princípio e o fim dos efeitos de uma mesma causa. Os Padres da Igreja comentam largamente o contraste entre uma e outra, mas, segundo eles, devemos ver na Encarnação do Verbo o início de nossa Redenção e na ressurreição dos mortos a sua plenitude. Para estarmos à altura do grandioso acontecimento natalino, é indispensável colocarmo-nos diante da perspectiva dos últimos acontecimentos que antecederão o Juízo Final. Daí o fato de a Igreja durante muito tempo ter cantado na Missa a seqüência “Dies Irae”, a famosa melodia gregoriana. Mais do que simplesmente recordar-nos o fato histórico do Natal, a Igreja quer fazer-nos participar das graças próprias à festividade, tal qual delas gozaram a Santíssima Virgem, São José, os Reis Magos, os Pastores, etc. Ora, uma grande esperança, pervadida pelo desejo de santidade e por uma vida penitencial, sustentava o povo eleito naquelas circunstâncias. E nós devemos imitar seu exemplo e seguir seus passos, em face não só do Natal como também da plenitude de nossa redenção: a gloriosa ressurreição dos filhos de Deus. Primeira e segunda vindas de Jesus se unem diante de nossos horizontes neste período do Advento, fazendo-nos analisá-las quase numa visão eterna; talvez, melhor dizendo, de dentro dos próprios olhos de Deus, para Quem tudo é presente. Eis algumas razões pelas quais se entende a escolha do roxo para os paramentos litúrgicos, nessas quatro semanas.

CLA DIAS, João. O Advento. in: Arautos do Evangelho. São Paulo: Associação AE, n. 47, nov. 2005, p. 6,7.

Sermão do Primeiro Domingo do Advento (1655) – PADRE ANTÓNIO VIEIRA

pe-antonio-vieiraTudo passa, e nada passa. Tudo passa para a vida, e nada para a conta. A verdade e desengano de que tudo passa (que é o nosso primeiro ponto) posto que seja por uma parte tão evidente, e que parece não há mister prova., é por outra tão dificultoso, que nenhuma evidência basta para o persuadir. Lede os filósofos, lede os profetas, lede os apóstolos, lede os santos padres, e vereis como todos empregaram a pena, e não uma senão muitas vezes, e com todas as forças da eloqüência, na declaração deste desengano, posto por si mesmo tão claro.

Sabiamente falou quem disse que a perfeição não consiste nos verbos, senão nos advérbios: não em que as nossas obras sejam honestas e boas, senão em que sejam bem feitas. E para que esta condicional tão importante se estendesse também às coisas naturais e indiferentes, inventou o apóstolo S. Paulo um notável advérbio. E qual foi? Tanquam non, como senão: Ut qui habent uxores, tanquam non habentes sint: et qui flent, tanquam non flentes: et qui gaudent, tanquam nan gaudentes: et qui emunt, tanquam non possidentes: et qui utuntur hoc mundo, tanquam non utantur. Sois casado? (diz o apóstolo) pois empregai todo o vosso cuidado em Deus, como se o não fôreis. Tendes ocasiões de tristezas? pois chorai, como se não choráreis. Não são de tristeza, senão de gosto? pois alegrai-vos, como se não vos alegráreis. Comprastes o que havíeis mister, ou desejáveis? pois possuí-o, como se não possuíreis. Finalmente usais de alguma outra coisa deste mundo? pois usai dela, como se não usáreis. De sorte que quanto há, ou pode haver neste mundo, por mais que nos toque no amor, na utilidade, no gosto, a tudo quer S. Paulo que acrescentemos um, como se não, tanquam non. Como se não houvera tal coisa, como se não fora nossa, como se não nos pertencera. E por quê? Vede a razão:Præterit enim figura hujus mundi (3) . Porque nenhuma coisa deste mundo pára, ou permanece; todas passam. E como todas passam e são como se não foram, assim é bem que nós usemos delas, como se não usáramos: Tanquam non utantur. Por isso a essas mesmas coisas não lhes chamou o oráculo do terceiro céu coisas, senão aparências, e ao mundo não lhe chamou mundo, senão figura do mundo:Præterit enim figura hujus mundi.

Considerai-me o mundo desde seus princípios, e vêlo-eís sempre, como nova figura no teatro, aparecendo e desaparecendo juntamente, porque sempre está passando. A primeira cena deste teatro foi o paraíso terreal, no qual apareceu o mundo vestido de imortalidade, e cercado de delícias; mas quanto durou esta aparência? Estendeu Eva o braço à fruta vedada, e no brevíssimo espaço em que o bocado fatal passou pela garganta do homem, passou também com ele o mundo do estado da inocência ao da culpa, da imortalidade à morte, da pátria ao desterro, das flores aos espinhos, do descanso aos trabalhos, e da felicidade suma ao sumo da infelicidade e miséria. Oh miserável mundo, que se pararas assim, e te contentaras com comer o teu pão com o suor do teu rosto, foras menos miserável! Mas não serias mundo, se de uma miséria grande não passasses sempre, e por tua natural inclinação, a outra maior. Os homens naquela primeira infância do mundo todos vestiam de peles, todos eram de uma cor, todos falavam a mesma língua, todos guardavam a mesma lei. Mas não foi muita o tempo em que se conservaram na harmonia desta natural irmandade. Logo variaram e mudaram as peles com tanta diferença de trajos, que cada dia, dos pés à cabeça, aparecem com nova figura. Logo variaram e mudaram as línguas com tanta dissonância e confusão, como a da torre de Babel. Logo variaram e mudaram as cores com a diversidade das terras e climas, e com a mistura do sangue, posto que todo vermelho. Logo variaram e mudaram as leis, não com as de Platão, Sólon, ou Licurgo, mas com a do mais imperioso e violento legislador, que é o próprio alvedrio. Tudo mudaram, ou tudo se mudou, porque tudo passa.

As vidas naquele princípio costumavam ser de sete, de oito, de novecentos e quase de mil anos; e que brevemente se acabou este bom costume? Então o viver muitos séculos era natureza, hoje chegar, não a um século, mas perto dele, é milagre. Tardaram em passar até Noé, e também passaram. Com aquelas vidas não só cresciam os anos, senão também os corpos: e dos filhos de Deus, que eram os descendentes de Set, e das filhas dos homens, que eram as descendentes de Caim, nasceram os gigantes, de quem diz a Escritura: Erant gigantes super terram .Alguns ossos que ainda duram destes que o mesmo texto sagrado chama varões famosos, demonstraram pela simetria humana, que não podiam ser menos que de vinte, e mais côvados: e ainda na história das batalhas de Davi temos memória de outros quatro, posto que de muito menor estatura Mas, enfim, acabou a era dos gigantes; porque tudo nesta vida, e mais depressa o que é grande, acaba e passa.

Diminuídos os homens nos corpos e nas idades, quando tinham a morte mais perto da vista (quem tal crera! ) então cresceram mais na ambição e soberba. E sendo todos iguais e livres por natureza, houve alguns que entraram em pensamento de se fazer senhores dos outros por violência, e o conseguiram. O primeiro que se atreveu a pôr coroa na cabeça, foi Membroth, que também como o nome de Nino, ou Belo, deu princípio aos quatro impérios, ou monarquias do mundo. O primeiro foi o dos assírios e caldeus; e onde está o império caldaico? O segundo foi o dos persas; e onde está o império persiano? O terceiro foi o dos gregos; e onde está o império grego? O quarto, e maior de todos, foi o dos romanos; e onde está o império romano? Se alguma coisa permanece deste, é só o nome: todos passaram, porque tudo passa. Em três famosas visões representou Deus estes mesmos impérios a um rei, e a dois profetas. A primeira visão foi a Nabucodonosor na estátua de quatro metais; a segunda a Zacarias em quatro carroças de cavalos de diferentes cores; a terceira a Daniel em um conflito dos quatro ventos principais, que no meio do mar se davam batalha. Pois se todas estas visões eram de Deus e todas representavam os mesmos impérios, por que variou tanto a sabedoria divina as figuras, e sobre a primeira da estátua, tão clara e manifesta, acrescentou outras duas tão diversas em tudo? Porque a estátua, na dureza dos metais de que era composta, e no mesmo nome de estátua, parece que representava estabilidade e firmeza: e porque nenhum daqueles impérios havia de preservar firme e estável, mas todos se haviam de mudar sucessivamente, e ir passando de umas nações a outras; por isso os tornou a representar na variedade das carroças na inconstância das rodas, e na carreira e velocidade dos cavalos. Mas não parou aqui a energia da representação, como não encarecida ainda bastantemente. A estátua estava de pé, e as carroças podiam estar paradas. E porque aqueles impérios correndo mais precipitadamente que a rédea solta, não haviam de parar no mesmo passo, nem por um só momento, e sempre se haviam de ir mudando, e passando; por isso, finalmente, os representou Deus na causa mais inquieta, mudável, e instável, quais são os ventos, e muito mais quando embravecidos e furiosos: Et ecce quatuor venti cœli pugnabant in mari magno.

Sermões, col. Obras Imortais da Nossa Literatura,  Rio de Janeiro: Editora Três, 1974.

As diferentes cruzes

Mons. João S. Clá Dias, EP

Cruz“Se alguém quer seguir-Me, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me.Porque quem quiser salvar a sua vida, a perderá; mas quem perder a vida por amor de Mim e do Evangelho, salva-la-á” (Mc 8, 35).

Esta afirmação tão categórica exige de nossa parte uma especial análise e degustação, por ser repetida, ademais, nos outros Evangelhos (cf. Mt 10, 38-39; Lc 17, 33; Jo 12, 25). Aqui se encontram as condições para sermos verdadeiros discípulos de Cristo.

1. “Se alguém quer…” Depende de nossa livre vontade. Esperar por uma graça que realize em nós a plenitude de nossa salvação, sem o menor concurso de nossa vontade, é confundir Redenção com Criação, ou a vida eterna com a natural. Esse convite, evidentemente, deve receber uma resposta afirmativa de nossa parte. E é indispensável que seja fervorosa, pertinaz e contínua. Ou, por outra, não podemos nos esquecer um só segundo dessa determinação.

2. “…negue-se a si mesmo…” A origem de todos os pecados encontra-se no amor desordenado a nós mesmos, em detrimento da verdadeira caridade. E o melhor remédio para essa terrível enfermidade é essa renúncia a nós mesmos, para encontrar-nos em Deus. Seu primeiro grau consiste no horror ao pecado mortal, preferindo morrer a consentir nessa aversão a Deus. O segundo diz respeito ao pecado venial consciente e deliberado. O terceiro incide sobre as imperfeições e o amor próprio, tão sorrateiro em imiscuir-se até na prática das virtudes. Ao se progredir neste último grau, maior se torna nossa liberdade interior, como também o gozo da paz e de consolações. Quem vive no oposto a esses três graus, ou não entendeu a grandeza deste convite, ou conscientemente o recusou.

3. “…tome sua cruz …” — Há cruzes e cruzes! As extraordinárias se apresentam diante de nós em épocas de perseguição religiosa. São os suplícios e a própria morte. Devemos enfrentá-los tal qual o fizeram Jesus e todos os mártires, jamais renegando a nossa fé.

Outras haverá que são comuns a todos os tempos. Boa parte delas não são procuradas por nós, mas indesejadas, como por exemplo, as doenças, as debilidades da ancianidade, os rigores do clima, etc. Outras, ainda, são oriundas do acaso: as perdas financeiras, as desgraças, os contratempos, a pobreza, a incompreensão e o ódio gratuito da parte dos outros, perseguições, injustiças. Às vezes, são os efeitos do nosso próprio caráter, temperamento, inclinações, etc.

Como são numerosas as cruzes que surgem ao longo de nossa vida!… Não as podemos evitar; pelo contrário, temos obrigação de carregá-las. E a experiência nos mostra como elas se tornam mais pesadas sobre nossos ombros quando as conduzimos entre choramingos e lamúrias, ou, pior ainda, se contra elas nos revoltamos. Ademais, nestes casos diminuímos, ou até perdemos, os correspondentes méritos.

Por fim, há também as cruzes escolhidas livremente por nós. Abraçar a via do matrimônio, ou a de uma comunidade religiosa, ou ainda a de leigo solteiro vivendo cristãmente no mundo, significa compreender e desejar todos os sofrimentos que são correlatos a cada situação. O cumprimento perfeito de cada uma das exigências do respectivo estado de vida, a subordinação das paixões, o freio dos caprichos, a privação destas ou daquelas comodidades, etc., constituem um campo florido de cruzes, inerentes ao caminho eleito por nossa deliberação. Sem contar a aridez, o tédio, o desgosto que de tempos em tempos nos assaltam ao longo da estrada percorrida por nós, e sem volta atrás. Mas se nossa decisão foi consciente e, sobretudo, se teve origem num sopro do Espírito Santo, jamais devemos nos arrepender. Muito pelo contrário, enchamo-nos de ânimo e até de entusiasmo, dando passos firmes rumo à meta final de nossa salvação.

4. “… e siga-Me” — Se empregássemos o melhor de nossos esforços, praticando os maiores sacrifícios para carregar nossa cruz, mas num caminho diferente do traçado por Jesus, não bastaria! É preciso abraçar a própria cruz, “por Ele, com Ele e n’Ele”. Na contemplação dos padecimentos da Paixão de Cristo, encontrarei as energias para carregar minha própria cruz.

Quanto a perder ou salvar a vida, comenta o Pe. Andrés Fernández Truyols SJ: “O que o Mestre quer gravar no coração de seus ouvintes é que  devemos estar dispostos a passar por tudo, até mesmo a morte, desde que seja para salvar a alma. Porque de nada adianta ao homem ganhar o mundo todo se, no fim, vier a perder a sua alma, ou seja, se não alcançar a salvação eterna” (1).

1) Vida de Nuestro Señor Jesucristo, BAC, Madrid, 1954, vol. III, p. 369.

O papel da liturgia na santificação das almas

Alguns aportes para a Liturgia de Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

 A liturgia torna possível exercer uma ação mais profunda nas almas, não só levando-as a participar mais ativamente nos sagrados mistérios, mas também abrindo para elas, através da beleza dos rituais, a via pulchritudinis, por excelência.

 Além da beleza que lhe é própria, a liturgia realiza por seu simbolismo e essência, e do modo mais esplendoroso possível, a sacralização das realidades temporais, em que se devem empenhar todos os fiéis. Na Celebração Eucarística, é o Céu que se liga à Terra, o espiritual ao temporal. É Cristo, ao mesmo tempo o arquétipo do gênero humano e o Filho de Deus, que se oferece ao Pai, para interceder por seus irmãos.

 É próprio à natureza humana tender a imitar aquilo que admira, e nisso consiste a melhor forma de aprendizado. Não se poderá negar que uma liturgia celebrada com a devida compenetração e manifestando toda a beleza que lhe é inerente há de ter uma ação benéfica sobre os fiéis, moldando a fundo sua mentalidade e levando-os a imitarem em alguma medida o ritual presenciado.

 Essa transposição do cerimonial não se cifra numa reprodução de gestos, mas em projetar para a vida temporal o ambiente de sacralidade presenciado nos atos litúrgicos. O pai ou a mãe que assistem a uma celebração esplendorosa, repetirão instintivamente no dia a dia, no “ritual” da igreja doméstica, o cerimonial da Igreja. Dar a bênção aos filhos, por exemplo, é uma forma de fazer presente o espírito católico na realidade temporal da família.

Extraído de:

 DIAS, João Scognamiglio Clá. Considerações sobre a gênese e o desenvolvimento do movimento dos Arautos do Evangelho e seu enquadramento jurídico, 2008. Tese de Mestrado em Direito Canônico — Pontifício Instituto de Direito Canônico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

As cores litúrgicas dos paramentos

Pe. Mauro Sérgio Isabel, EP

dom-baldisseriTudo na Liturgia da Igreja é rico em simbolismos. Isto se nota também nas cores dos paramentos sagrados, as quais variam de acordo com o tempo litúrgico e as comemorações de Nosso Senhor, da Virgem Maria ou dos Santos. Basicamente, são quatro as cores litúrgicas: branco, vermelho, verde e roxo. Além destas, há quatro outras que são opcionais, isto é, podem ser usadas em circunstâncias especiais: dourado, rosa, azul e preto.

O branco simboliza a pureza e é usado nos tempos do Natal e da Páscoa, bem como nas comemorações de Nosso Senhor Jesus Cristo (exceto as da Paixão), da Virgem Maria, dos Anjos e dos Santos não-mártires.

O vermelho, símbolo do fogo da caridade, usa-se nas celebrações da Paixão do Senhor, no domingo de Pentecostes, nas festas dos Apóstolos e Evangelistas, e nas celebrações dos Santos Mártires.

Rosa: Domingos de Gaudete (Advento) e Laetare (Quaresma)

O verde, sinal de esperança, é usado na maior parte do ano, no período denominado Tempo Comum .

Para os tempos do Advento e da Quaresma, a Igreja reservou o roxo, a cor da penitência. E estabeleceu duas exceções, que correspondem a dois interstícios de alegria em épocas de contrição: no 3º domingo do Advento e no 4º domingo da Quaresma, o celebrante pode trajar paramentos rosa.

Em circunstâncias solenes, podese optar pelo dourado em lugar do branco, do vermelho ou do verde. Em alguns países é permitido utilizar o azul, nas celebrações em honra de Nossa Senhora. E nas Missas pelos fiéis defuntos o celebrante pode escolher entre o roxo e o preto.

Revestido assim, de acordo com as sábias determinações da Santa Igreja, o sacerdote sobe ao altar para o Sagrado Banquete, tornando claro a todos, e a si mesmo, que está atuando na pessoa de Outro, ou seja, de Nosso Senhor Jesus Cristo.

(Revista Arautos do Evangelho, Abril/2009, n. 88, p. 48 à 51)

Cristo, novo Adão

Nas suas conferência quaresmais de 1981, quando era arcebispo em Munique, Joseph Ratzinger fez belas considerações cuja tradução transcrevemos a seguir:

 Cristo se converte num novo Adão com o qual o ser humano começa novamente.   Ele que, desde o fundamento, é nosso ponto de referência, o filho, restabelece corretamente de novo as relações.  Seus braços estendidos são a referência aberta, que continua a estar aberta para nós.  A cruz, o lugar da sua obediência, se converte na verdadeira árvore da vida.  Cristo se converte na imagem oposta da serpente como diz João em seu evangelho  (Jo 3, 14).

Desta árvore vem, não a palavra da tentação, mas a palavra do amor salvador, a palavra da obediência, na qual Deus se fez obediente para oferecer-nos sua obediência como espaço da liberdade. A cruz é a árvore da vida novamente acessível.  Com a Paixão, Cristo fez obedecer o som, por assim dizer, inflamado da espada, atravessou o fogo e levantou a cruz como o verdadeiro eixo do universo sobre o qual este de novo ficou reto.  Por isso, a Eucaristia, como presença da cruz, é a verdadeira árvore da vida que está sempre em nosso centro e nos convida a receber o fruto da verdadeira vida.  Isto significa que a Eucaristia nunca poderá ser uma simples purificação comunitária.  Recebê-la, comer da árvore da vida significa, por isso, receber o Senhor Crucificado, isto é, aceitar sua forma de vida, sua obediência, seu Sim, à medida de nosso ser criatura.  Significa aceitar o amor de Deus que é nossa verdade, aquela dependência de Deus que não significa para nós uma determinação estranha, como tão pouco para o filho, é a filiação uma resolução estranha.  Precisamente esta dependência é liberdade porque é Verdade e Amor.

Que este tempo da Quaresma nos ajude a sair das nossas negativas, do receio da aliança de Deus, da falta de medidas e da mentira da nossa “auto-determinação”, para ir em busca da árvore da vida que é nossa medida e nossa esperança.

E que nos encontremos de novo com as palavras completas de Jesus: o Reino de Deus está próximo.  Convertei-vos e crede no evangelho (Mc 1, 15).

Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem, para que todo homem que n’Ele crer tenha a vida eterna (Jo 3, 14 –15)

(RATZINGER, Joseph. Creación y pecado. (Navarra): Ediciones Universidad de Navarra, 2005. p. 103-104 ).

Três aspectos do banquete pascal

Pe. Alex Barbosa de Brito, EP

O Banquete Eucarístico é, ao mesmo tempo, Banquete de Sacrifício e Convívio, Banquete de Ação de Graças e Banquete da Nova Aliança.

A ideia do banquete nos remete ao convívio estreito, familiar e amigo de uma mesa igualmente farta de guloseimas e caridade fraterna, propriamente um ágape[1].

À mesa é que as amizades se consolidam, rendem-se graças por benefícios recebidos, decreta-se a paz, selam-se concordatas, decide-se o destino de povos ou simplesmente se solidifica a união familiar. Não raros acontecimentos sagrados se atualizam de alguma forma pela lembrança viva da festa que se celebra. No Antigo e no Novo Testamento encontram-se comovedoras passagens nesse sentido. Recorde-se Jetro, que desejando agradecer o defensor de suas filhas e rebanhos, convida o anônimo benfeitor para “que coma alguma coisa” (Ex 2,20), refeição que uniu e comprometeu, pois Moisés aceitou e ficou na casa, casando-se com a filha do pastor de Madiã. (Ex 2,21).

Abraão não ofereceu aos três misteriosos mensageiros um repasto com perfume sacrifical, pão para lhes restaurar as forças? (Gn 18, 3-5) E eles comeram. Outra vez é um mensageiro celeste que vem em socorro do fatigado e ígneo profeta do Carmelo, Elias, o qual recupera suas forças depois de comer um pão angelical sub cineribus[2]. (II Rs 19,6). Anjos comendo alimentos humanos, homens comendo alimentos angélicos. O que une naturezas tão diversas? O alimento.

Noutra passagem, encontramos o costume anual em que familiares e vizinhos se juntam a estrangeiros, suspendem temporariamente distâncias, rixas ou desavenças, para comerem juntos amargas ervas, celebrando as dores passadas, pães ázimos, para recordar aqueles cuja pressa da fuga não lhes deu tempo para fermentar; e o suave cordeiro, memorial da passagem (páscoa) da escravidão à liberdade. Ceia ritual que recorda o passado, edifica o presente e lança para o futuro a esperança de tempos melhores (Ex. 12).

E quando faltou alimento, um delicado pão cai do alto (Ex. 16) para alimentar murmuradores […] com sabores tão variados que podiam contentar a todos os caprichos dos filhos ingratos: omne delectamentum in se habentem – “contendo em si todas as delicias e adaptando-se a todos os gostos” (Sb 16, 20).

A Eucaristia, sem deixar de ser sacrifício, é também banquete sacrifical[3] “Ceia e cruz, Mesa e altar. Altar que é mesa. Mesa que é altar”. (SARAIVA MARTINS, 2005, p. 233). Por isso o Angélico doutor nos ensina que Cristo entregou à Igreja, sua esposa, a memória da sua morte sob a forma de banquete: “tertio consideratur effectus huius sacramenti ex modo quo traditur hoc sacramentum, quod traditur per modum cibus et potus”[4]. (Suma III q. 79 a. 1 ad resp).

Por isso, cumprindo os antigos ritos estabelecidos por Moisés, perto do primeiro dia dos ázimos, os discípulos perguntaram a Nosso Senhor onde deveriam fazer os preparativos para comer a Páscoa. (Mt 26,17). Aquela seria uma Páscoa diferente das outras, o sacrifício da Cruz se tornaria presente mediante dois alimentos simples e cotidianos. Nada mais íntimo entre amigos do que comer juntos à mesma mesa; nada mais simples do que aqueles dois alimentos: pão de trigo e vinho de uva; sobretudo, nada mais comovedor do que o afeto de Cristo: “tenho desejado ardentemente comer convosco esta Páscoa” (Lc 22,15).

O Senhor Jesus, que quis ficar presente nos sinais do pão e do vinho, também convidou os discípulos dizendo: “Tomai e comei, tomai e bebei”. Foi na previsão desse sublime momento que Ele disse desejar ardentemente comer essa Páscoa com seus discípulos (Cf. Lc. 22,15).

A gratidão é talvez a mais frágil das virtudes. São Lucas, ao narrar a cura de dez leprosos, recorda que apenas um retornou para agradecer. Se é verdade que os Evangelhos não registram nenhuma queixa de Nosso Senhor por tudo quanto passou nesta terra, entretanto, diante da ingratidão ululante, seus lábios divinos deixam entrever uma suave censura: “Onde estão os outros nove? Não se achou senão esse estrangeiro que voltasse para agradecer a Deus?” (Lc 17,17-18). Jesus conhecia bem essa debilidade humana.

Em sentido oposto, convidado Levi para o discipulado, a gratidão se fez sentir imediata e com largueza. Abandonando tudo, “deu-Lhe um grande banquete em sua casa” (Lc 5,29), ele quis marcar com aquela refeição, a sua mudança de vida, a gratidão pelo chamado de Jesus.

Também o Divino Mestre, tomando os pães, “rendeu graças”[5] e os distribuiu milagrosamente multiplicados. (Jo 6,11), e quando próximo de ser entregue pelos homens, tomando o cálice, “deu graças” [6] (Lc 22,17).

Assim se exprime eminente teólogo dominicano: “o sacrifício do altar é sacrifício eucarístico por antonomásia, porque é o mesmo Cristo quem se imola por nós e oferece a seu Eterno Pai um sacrifício de ação de graças que iguala, e até supera, os benefícios imensos que d’Ele temos recebido.” (ROYO MARIN, 1994, p. 176-177).

“Per ipsum, et cum ipso et in ipso”: é toda a ordem criada que dá louvor, honra e glória ao Pai. João Paulo II, na Encíclica Ecclesia de Eucharistia, recorda que “o Filho de Deus, fez-se homem para, num supremo ato de louvor, devolver toda a criação Àquele que a fez surgir do nada” (EE 8), sendo em verdade este o “Mysterium fidei que se realiza na Eucaristia: o mundo saído das mãos de Deus criador volta a ele redimido por Cristo”. (Ibidem).

A Teologia, inclusive a ciência moderna, assumiu os valores da tipologia bíblica (tipoV = figura), por onde todo o Antigo Testamento deve ser visto na sua perspectiva futura, como nos explica São Paulo a propósito dos exemplos dos castigos sofridos por Israel (1 Cor, 10,6 e 11; cf. PIOLANTE, 1983, p. 52).

É nessa perspectiva que devemos compreender a Aliança estabelecida entre Deus e o Povo de Israel, cuja principal festa era a Páscoa, a imolação do cordeiro, a festa dos ázimos, as ervas amargas… “Viram a Deus, depois comeram e beberam” (Ex 24,11)[7]. (Cf. Ibidem).

O termo berith, de origem hebraica, significa um pacto estabelecido entre duas pessoas, sancionado por um juramento ritual. No início consistia na troca de sangue entre as duas partes contraentes, significando “comunhão de vida e de interesses”. Com o tempo esse sacrifício foi substituído por memoriais erigidos para formalizar o acordo. (Cf. PIOLANTE, 1983, p. 61).

As duas partes contraentes na Antiga Aliança eram Deus e do outro lado as doze tribos de Israel. No Sacrifico ritual, Deus era representado pelo Altar e o Povo pelas doze pedras que se colocavam em derredor do mesmo. (Ibidem, p. 62)

Ora, quando o Senhor Jesus celebrou a Páscoa com os seus apóstolos, eram eles as doze pedras fundamentais do novo Povo, e Ele, o altar e a vítima, o pão oferecido e o cordeiro que seria imolado de modo cruento no Calvário. Diz-se Nova Aliança porque, na última ceia, Cristo, ao dizer: “isto é o meu sangue da nova aliança”, ab-rogou a aliança do Sinai estabelecida entre Deus e Moisés: “eis o sangue da aliança, que o Senhor concluiu convosco”. (Ex 24).

Na Missa, o sacerdote, ao consagrar o cálice, “anuncia o sacrifício redentor de Cristo e renova a aliança selada com o seu sangue”. (SARAIVA MARTINS, 2005, p. 248), à imagem do que se fazia na antiga aliança, quando se comemorava, todos os anos, a ceia do cordeiro pascal, sacrificado e comido pelos hebreus em banquete. Completa o ilustre Cardeal:

A Eucaristia é vista também nesta ótica, que é essencial para se ter uma ideia exata da sua verdadeira natureza. Nela não só Cristo se imola sacramentalmente e o povo cristão dá graças pelo inefável dom da salvação, mas, além disso, é renovada a nova e eterna aliança instituída na última ceia. (Id ibidem).


[1] Ágape –(agaph) é o amor próprio de Deus (1 Jo 4-8 – agaph tou Theou) Trata-se portanto de um amor desinteressado, pleno de solicitudes (Cf. DCE 3 e 7), pode ter o significado de refeição fraterna e, na concepção Cristã, o termo se tornou também nome da Eucaristia; “nesta o ágape de Deus vem corporalmente a nós, para continuar a sua ação em nós e através de nós”. (DCE, 14).

[2] Sub cineribus é o pão cozido sob as cinzas com algumas brasas vivas, não necessariamente em forno, pois no deserto não os havia, como no tempo de Abraão, que era nómade.

[3] São João Crisóstomo exortava, comovido, que se venerasse “esta mesa, na qual participam os crentes em Cristo morto por nós, sacrifício colocado sobre esta mesa”. (PG 34, 704).

[4] “A partir do fato de que ele nos é dado em forma de comida e bebida”.

[5] A grande consideração atribuída à refeição em comum continuou no hebraísmo antigo. Mas acrescentou-se lhe um elemento completamente novo: a oração antes e depois da refeição. O pai tomava o pão, levantando-o de modo que todos o pudessem ver e, em nome de todos os presentes, pronunciava sobre ele uma doxologia: “Louvor a vós, Senhor, nosso Deus, rei do mundo, que fazeis nascer o pão da terra”. Depois da refeição se recitava a oração de agradecimento [o dono ou um hóspede a quem ele quisesse fazer uma deferência] […] em seguida, com a mão direita levantava o “cálice da bênção”(1 Cor 10,16) um palmo acima da mesa e, com os olhos voltados para ele, recitava a oração final. (JEREMIAS, 2006, p. 244 e 245).

[6] “Deu graças” (eucaristein= eucaristein)

[7] A Páscoa judaica era ordinariamente comemorada todos os anos, no dia 14 de Nisã, que corresponde às luas do meses de março e abril, no período da primavera.

Pregação de João e Batismo de Jesus

batismo-jesusJosé Afonso Sulzbach de Aguiar, EP

Havia cerca de quatro séculos que nenhum profeta fazia ouvir sua voz em Israel quando, no 15º ano do reinado de Tibério César, aproximando-se os dias anunciados por Daniel em relação à vinda do Messias, um súbito alvoroço percorreu Jerusalém e toda a Judeia. Nas margens sagradas do Jordão – o legendário rio, palco de deslumbrantes milagres e grandiosas cenas – aparecera um varão penitente, um enviado de Deus no espírito de Elias. João Batista era seu nome.

            Modelo de anacoreta até o momento de cumprir sua missão, o filho de Zacarias e Isabel abandonou a longa, austera e mística solidão em que vivera e desceu até o vale do Jordão, para onde convergiam de todos os lados caravanas, a fim de aí pregar palavras de um religioso temor: “Fazei penitência porque está próximo o Reino dos Céus” (Mt 3, 2).

            Multidões de israelitas afluíam para ouvi-lo e receber o seu batismo, símbolo da purificação do coração necessária para merecer o Reino dos Céus. O batismo de João – que era de preparação, de penitência, não ainda o Sacramento – produzia um afervoramento espiritual como nunca se vira antes em Israel. “Pessoas de Jerusalém, de toda a Judeia e de toda a circunvizinhança do Jordão vinham a ele. Confessavam seus pecados e eram batizados por ele nas águas do Jordão” (Mt 3, 5-6).

            E o arauto do Altíssimo apresentava- se sempre como mero precursor, dizendo sem cessar: “Eu vos dou um batismo de água, para que façais penitência. Mas, Aquele que virá depois de mim é mais poderoso do que eu; eu não sou digno de desatar a correia de Suas sandálias; Ele vos batizará no fogo e no Espírito Santo” (Mt 3, 11).

            Seis meses havia que o santo Precursor preparava os filhos de Israel para o encontro com o Messias, quando foi Jesus ao Jordão “a fim de ser batizado por ele” (Mt 3, 13). Ao notar a presença do Inocente no meio da multidão, João inclinou-se e Lhe disse: “Eu devo ser batizado por Ti e Tu vens a mim!” (Mt 3, 14). Jesus respondeu-lhe: “Deixa por agora, pois convém que cumpramos toda a justiça”. E João, obediente, O batizou (cf. Mt 3, 13-15).1

            Quando Jesus saiu da água, o Céu se abriu e o Espírito Santo pairou sobre Ele na forma de uma pomba. “E ouviu-se dos Céus uma voz: Tu és o Meu Filho muito amado; em Ti ponho as Minhas complacências” (Mc 1, 11). Grandiosa manifestação divina com a qual o Pai, o Filho e o Espírito Santo, unidos na obra da Redenção proclamavam a instituição do Sacramento mais necessário para a nossa Salvação.2

 

            Os Sacramentos, o que são?

            De acordo com o Catecismo da Igreja Católica, “os Sacramentos são sinais eficazes da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, por meio dos quais nos é dispensada a vida divina. Os ritos visíveis, sob os quais eles são celebrados, significam e realizam as graças próprias de cada Sacramento. Produzem fruto naqueles que os recebem com as disposições exigidas”.3

            No mesmo sentido – embora de forma mais sintética – se expressa o conhecido teólogo padre Antonio Royo Marín, OP, que afirma serem os Sacramentos “sinais sensíveis instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo, para significar e produzir a graça santificante naquele que os recebe dignamente”.

            Acompanhemos o douto dominicano na explicação dos termos desta breve e precisa definição.

            Os Sacramentos são, em primeiro lugar, sinais. – Ou seja, remetem a algo diferente de si mesmos, como a balança simboliza a justiça, ou a bandeira representa a Pátria.

            São sinais sensíveis. – Podem, portanto, ser percebidos pelos sentidos corporais. E o que acontece, por exemplo, com a água no Batismo, o pão e o vinho na Eucaristia, ou o óleo na Crisma e na Unção dos Enfermos.

            Foram instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo. – De acordo com São Tomás, “institui algo quem lhe dá vigor e força”. 5 Assim sendo, somente Nosso Senhor pode ser causa dos Sacramentos, e não a Igreja, “pois a graça santificante brota, como de seu manancial único, do Coração transpassado de Cristo”.6 Segue-se também daí que, como ensina São Pio X, não cabe à Igreja, “inovar nada acerca da substância mesma dos Sacramentos”.7

            Para significar e produzir a graça santificante. – A água do Batismo, por exemplo, lava o corpo do batizado para representar a purificação de sua alma, que fica limpa de todo pecado. E a Eucaristia, nos é dada sob a forma de alimento corporal, para simbolizar o alimento espiritual que a alma recebe pela presença real de Cristo em corpo, sangue, alma e divindade.

            Naquele que os recebe dignamente. – Para que os Sacramentos produzam a graça santificante é necessário que quem os recebe não oponha a eles nenhum obstáculo ou empecilho voluntário. Daí que seja requerido possuir o estado de graça para receber a Confirmação, Eucaristia, Unção dos Enfermos, Ordem e Matrimônio. E estar arrependido, ao menos com atrição sobrenatural,8 para receber a absolvição no Sacramento da Penitência, ou o Batismo quando se trata de pessoa em idade de uso da razão.

            Cabe notar, por fim, que os Sacramentos têm um caráter universal; Jesus Cristo não os instituiu unicamente para alguns escolhidos, mas adotisim para proveito de todos os homens.

                       

            Vida natural e vida sobrenatural

            Levando mais longe a analogia entre o plano simbólico e o plano da graça, São Tomás de Aquino estabelece na Suma Teológica um interessante paralelo entre a vida natural e a vida sobrenatural produzida pelos Sacramentos.9

            Enquanto, na vida natural, o homem é gerado, cresce e se alimenta; na vida sobrenatural, a alma nasce pelo Batismo, atinge a estatura e a força perfeitas pela Confirmação e nutre-se pela Eucaristia. E “como o homem incorre às vezes em enfermidade corporal ou espiritual, sendo esta o pecado, é necessário que seja curado da doença”.10 É esta a função da Penitência (Reconciliação), que restabelece a saúde, e da Unção dos Enfermos, que limpa a alma dos vestígios e sequelas deixados em sua alma pelo pecado.

            A esses cinco Sacramentos unem-se o do Matrimônio e o da Ordem – sendo este último análogo ao poder que recebe um homem para “reger a multidão” e exercer funções públicas – completando assim o número de sete.

            “A partir daí – conclui o Doutor Angélico – fica clara a questão do número dos Sacramentos, também enquanto visa à rebelião do pecado, pois o Batismo se dirige contra a falta de vida espiritual; a Confirmação, contra a fraqueza de alma que se encontra nos recém-nascidos; a Eucaristia, contra a fragilidade da alma diante do pecado; a Penitência, contra o pecado atual cometido depois do Batismo; a Unção dos Enfermos, contra as sequelas do pecado não suficientemente tiradas pela Penitência, ou provenientes da negligência ou da ignorância; a Ordem, contra a desorganização da multidão; o Matrimônio, contra a concupiscência pessoal e contra o desaparecimento da humanidade que acontece pela morte”.11

            “Nada permanece, portanto, à margem da influência benfazeja dos Sacramentos”, observa o padre Antonio Royo Marín.”Por meio deles a vida humana toda é santificada e o homem encontra-se provido com divina abundância de tudo quanto necessita para assegurar sua salvação eterna”.12

 

            O único Sacramento indispensável para a salvação

            Na tradicional relação estabelecida por São Tomás, o Batismo, novo nascimento espiritual, é o primeiro dos sete Sacramentos.13 Mas ele o é também do ponto de vista da necessidade, pois é o único Sacramento indispensável para cada um de nós, individualmente, alcançarmos a Bemaventurança eterna.14

            Assim o afirma com toda precisão o próprio São Tomás: “É pois, claro, que todos são obrigados ao Batismo e que, sem ele, não pode haver salvação para os homens”.15 E mais bela e claramente ainda o próprio Nosso Senhor: “Se alguém não renasce na água e no Espírito Santo, não pode entrar no Reino dos Céus” (Jo 3, 5).16

            Ora, “convém à misericórdia de quem ‘quer que todos os homens se salvem’, que permita encontrar-se facilmente o remédio para a salvação”.17 Daí que a matéria do Batismo seja uma matéria comum, a água, que qualquer um pode obter. E daí também que o ministro do Batismo, em circunstâncias excepcionais, possa ser qualquer pessoa, mesmo um não ordenado, homem ou mulher, e até mesmo um herege ou um pagão.18 Para o Sacramento ser válido, a Igreja só exige que seja utilizada a matéria do Sacramento, observada a forma e aplicada a intenção de fazer o que Ela própria faz, abstraindo de qualquer heresia ou infidelidade.

 

            Batismo e Pecado Original

            Convêm, por fim, não esquecer que a necessidadeeste   Sacramento, conforme explica Besson, “é consequência dos efeitos do Pecado Original e das restituições prometidas pelo Homem-Deus”.19

            Cada um de nós pecou em Adão, e a morte entrou em nossa alma com o pecado; do mesmo modo, cada um de nós foi salvo no novo Adão, e para que a vida dEle entre na nossa alma é preciso que recebamos a graça do Batismo. “Sob as águas do Batismo, a mancha primitiva é apagada da fronte da humanidade; e com o título de filho batizado e regenerado, o homem decaído recupera seus direitos e sua herança celestial. Esta necessidade abrange todos os homens”.20

            Por isso, pouco tempo após seu nascimento, a criança é levada às fontes batismais por um padrinho que responde por sua Fé, e curva sob a água santa sua fronte ainda marcada com o pecado original.21 Consumado o rito, a criança ergue-se livre, inocente e imaculada, com o indelével sinete da ordem sobrenatural. Era escrava, e seus grilhões foram quebrados; estava morta, e foi ressuscitada.

 

            Dois principais efeitos

            Quais são os principais efeitos desse Sacramento?

            Em seu já mencionado livro Somos hijos de Dios, o padre Royo Marín enumera sete, com a precisão própria do teólogo. O Catecismo da Igreja Católica, sob uma focalização mais pastoral, afirma serem principalmente dois: a purificação dos pecados e o novo nascimento no Espírito Santo.22

            Pouco há a afirmar em relação ao primeiro deles, senão que a purificação é tão completa que “todos os pecados são perdoados: o pecado original e todos os pecados pessoais, bem como todas as penas do pecado”.23

            Mas além de assim limpar a alma, este Sacramento “faz do neófito uma criatura nova, um filho adovo de Deus que se tornou participante da natureza divina, membro de Cristo e co-herdeiro com Ele, templo do Espírito Santo”.24

            Com efeito, o Batismo nos torna membros do Corpo de Cristo e nos incorpora à Igreja. Através dele, a vida de Jesus Cristo circula em todo o Corpo, levando Sua graça capital a todos os membros e permitindo-lhes alcançar a graça e as virtudes: “Da cabeça que é Cristo deriva sobre Seus membros a plenitude da graça e da virtude, conforme o Evangelho de João: ‘De Sua plenitude todos nós recebemos’ (Jo 1, 16)”.25

            Assim, na ordem da satisfação, da redenção, do mérito, da oração, do sacerdócio: tudo se tornou comum entre Jesus Cristo e nós, porquanto a Igreja inteira, Corpo Místico de Jesus Cristo, pode ser considerada como uma só pessoa com Ele, conforme ensina São Tomás de Aquino.26

 

            A Paixão de Cristo é comunicada ao neófito

            As consequências desta doutrina têm um alcance maior do que se pensa, a ponto de São Paulo afirmar que pelo Batismo, o crente comunga na morte de Cristo, é sepultado e ressuscita com Ele.27 Sobre isto, comenta São Tomás: “Pelo Batismo somos incorporados na Paixão e Morte de Cristo. Diz Paulo: ‘Se estamos mortos com Cristo, cremos que também viveremos com Ele’.

            Demonstra-se assim que a todo batizado a Paixão de Cristo é comunicada para servir de remédio, como se ele próprio tivesse sofrido e morrido.

            Ora, a Paixão de Cristo é satisfação suficiente para todos os pecados de todos os homens. Por isso, quem é batizado, é liberto do reato de toda pena devida por seus pecados, como se ele próprio tivesse oferecido uma satisfação suficiente por todos os seus pecados”.28

 

Somos filhos de Deus

            Mas talvez o mais tocante e assombroso efeito do Batismo seja produzir a filiação divina.

            Deus tem apenas um filho segundo a Sua natureza, que é o Verbo Encarnado. Só a Ele o Pai transfere eternamente a natureza divina em toda a sua infinita plenitude. Porém, a graça santificante – que é um dos efeitos do Batismo – confere aos neófitos uma participação real e verdadeira nessa filiação “por uma adoção intrínseca, a qual põe em nossa alma, física e formalmente, uma realidade absolutamente divina, que faz circular o próprio sangue de Deus nas veias de nossa alma. Graças a este enxerto divino, a alma se faz participante da mesma vida de Deus. Trata-se de uma verdadeira geração espiritual, um nascimento sobrenatural que imita a geração natural e recorda, por analogia, a geração eterna do Verbo de Deus”.29

            Em uma palavra, a graça santificante, para a qual o Batismo nos abre as portas, não nos dá apenas o direito de nos chamarmos filhos de Deus, senão que nos faz tais em realidade. “Inefável maravilha – conclui o padre Royo Marín – que pareceria inacreditável se não constasse expressamente na divina Revelação”.30 Poderia Deus ter feito mais algo por nós?

 

Notas

1 Durante sua recente visita ao lugar onde fora batizado Jesus, o Papa Bento XVI explica o porquê deste gesto do Redentor: “Jesus se colocou na fila com os pecadores e aceitou o batismo de penitência de João como um sinal profético da sua própria Paixão, Morte e Ressurreição para o perdão dos pecados” (10/5/2009).

2 São Tomás afirma que este Sacramento foi instituído quando Cristo foi batizado, se bem que a necessidade de recebê-lo só tenha sido notificada à humanidade depois da sua Paixão e Ressurreição (cf. ST III, q. 66, a. 2).

3 CIC n. 1131-1132.

4 ROYO MARÍN, OP, Pe. Antonio. Somos hijos de Dios. Madrid: BAC, 1977, p. 93.

5 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 64, a. 2. Cf. Denzinger – Hünermann, n. 1864.

6 ROYO MARÍN, OP, Op. cit., p. 93-94. 7 Denzinger – Hünermann, n. 3556.

8 A atrição, ou contrição imperfeita, é o arrependimento suscitado pelo temor do castigo. Para melhor conhecer as diferenças entre atrição e contrição perfeita, pode-se consultar Arautos do Evangelho, n. 84, dezembro 2008, p. 34-35.

9 Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 65, a. 1.

10 Idem, q. 65, a. 1, resp.

11 Idem, ibidem.

12 ROYO MARÍN, OP, Op. Cit., p. 94.

13 Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 65, a. 2, resp.

14 Cf. Idem, q. 65, a. 3, ad. 3; a. 4, resp. A Penitência e a Ordem sacerdotal são também de necessidade absoluta, mas a primeira só é requerida para aqueles que pecaram depois do Batismo, e a segunda é imprescindível para a Igreja, não para os indivíduos (cf. ST III, q. 65, a. 4).

15 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica, III q. 68, a. 1, resp.

16 Não trataremos neste artigo do batismo de sangue (dos mártires não batizados) nem do de desejo, pois embora produzam os mesmos efeitos do Batismo sacramental, não são eles sacramentos propriamente ditos (cf. ST III, q. 66, a. 11, ad. 2). O leitor interessado em conhecer o que São Tomás afirma sobre ambos, pode consultar o art. 12 da questão 66 (batismo de sangue) e o art. 2 da q. 68 (batismo de desejo). Sobre o problema da crianças não batizadas que não alcançaram o uso da razão, ver a Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé de 19 de abril de 2007.

17 Cf. AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica III, q. 67, a. 3.

18 Cf. Idem, q. 67, a. 3-5.

19 BESSON, Mgr. Louis François Nicolas. Les Sacrements. Paris: Reaux- Bray, 1886, p. 116.

20 Idem, ibidem.

21 Sobre a conveniência de não postergar o Batismo das crianças ver Suma Teológica, III, q. 68, a. 3 e 9.

22 Cf. CIC §1262. O Rvmo. Pe. Royo Marín, em sua obra Somos hijos de Dios, faz a relação sistemática dos efeitos do Batismo que reproduzimos no Box anexo.

23 CIC n. 1263.

24 CIC n. 1265.

25 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica, III, q. 69, a. 4. Afirma também São Tomás: “Pelo Batismo renascemos para a vida espiritual, própria dos que crêem em Cristo. […] Ora, a vida e a união dos membros com a cabeça da qual recebem o sentido e o movimento” (Suma Teológica, III, q. 69, a. 5).

26 Cf. Idem: “Deve-se dizer que cabeça e membros são como uma única pessoa mística. Portanto, a satisfação de Cristo pertence a todos os fiéis como membros Seus” (ST III, q. 48, a.2 ad 1). “Toda a Igreja, que é o Corpo Místico de Cristo, é considerada como uma só pessoa com sua cabeça, que é Cristo” (ST III, q. 49, a. 1 Resp).

27 Cf. CIC n. 1227.

28 AQUINO, São Tomás de. Suma Teológica, III, q. 69, a. 4, Resp.

29 ROYO MARIN, OP, Op. cit., p. 20-21.

30 Idem, p. 21.

(Revista Arautos do Evangelho, Jul/2009, n. 91, p. 22 à 27)

O lugar do batismo conforme o Código de Direito Canônico

batizadoPe. Antônio Carlos Coluço, EP

Não há alterações no vigente CIC no que tange ao lugar habitual do batismo. Isto é, a igreja – paroquial ou não – com pia batismal. Porém, em caso de necessidade, sempre foi permitido o ato do batismo em qualquer lugar (c. 773 no CIC’17; c. 857, c. 687 § 1 no CIC’83). Contudo há variações de certos detalhes, seja no CIC’83, em relação ao CIC’17, como no CCEO, em paralelo com a normativa latina. Analisar-se-á, em primeiro lugar, as diferenças entre o CIC’83 e o CIC’17.

Um aspecto a destacar está relacionado com a mudança operada nos conceitos das diversas categorias de templos [hoje reduzidas no CIC a “igreja” (ecclesiae) – c. 1214; “oratório” (oratorii) – c. 1223; e “capela privada” (sacelli privati) – c. 1226], fato que leva à reconsideração dos lugares onde há pia batismal.

Conserva-se, porém, a normativa (c. 858 § 1): “toda igreja paroquial tenha sua pia baptismal”, (quaevis ecclesia paroecialis baptismalem fontem habeat) (cf. c. 774 § 1, no CIC’17).

Permanece sob a autoridade do Ordinário do lugar a capacidade de autorizar, ou mandar, que sejam colocadas pias batismais em outras igrejas (c. 858 § 2, no CIC’83; cf. c. 774 § 2, no CIC’17).

É mantida a normativa de que, “por causa da distância”, “propter locorum distantiam”, ou outra causa que provoque grave incômodo, o batismo possa ser administrado em qualquer igreja ou oratório. Porém, acrescenta a legislação atual: “ou mesmo em outro lugar conveniente” (aut etiam alio in loco decenti) (c. 859 § 2; cf. c. 775, no CIC’17).

A legislação atual relativa às casas particulares é diferente, tanto no rito latino como no oriental; e ainda diverso do antigo CIC. Com efeito, neste (CIC’17) proibia: “in domibus privatis… administrari non debet”, exceto para os filhos ou herdeiros do trono; ou para os casos em que o Ordinário do lugar “pro suo prudenti arbitrio et conscientia, iusta ac rationabili de causa, in casu aliquo extraordinario”. Assim, vemos que era concedida uma liberdade muito estreita ao Ordinário para autorizar tais sacramentos em casas particulares. E ainda o mesmo CIC’17, no c. 776 § 2, acrescentava que o rito deveria ser realizado “in sacello domus aut saltem in alio decenti loco” – no oratório da casa (supõe-se devidamente autorizado) ou em outro lugar digno.

A normativa atual apenas autoriza “salvo permissão do Ordinário local, por justa causa” (c. 860 § 1) “nisi loci Ordinarius gravi de causa id permiserit”. Assim, a liberdade do Ordinário é estendida.

Pelo contrário, o § 2 do mesmo c. 860 introduz uma interdição inexistente no CIC’17:

não se celebre o batismo em hospitais (In valetudinariis (…) baptismus ne celebretur): Exceto em caso de necessidade ou por outra razão pastoral que o imponha (nisi in casu necessitatis vel alia ratione pastorali cogente); [ou] salvo determinação contrária do Bispo diocesano” (nisi aliter Episcopus dioecesanus statuerit).

Portanto, se por um lado concedem-se certas licenças, por outro se impedem certos lugares para a realização do ato batismal.