O encontro de São João Batista com Jesus

batistaMons. João Clá Dias, EP

I – UM DOS MAIS BELOS ENCONTROS DA HISTÓRIA

            “O semelhante se alegra com seu semelhante”, diz um antigo provérbio latino, e de fato é esse um princípio intrínseco a todos os seres com vida, na medida em que sejam passíveis de felicidade. Deus assim nos criou e fez uns dependerem dos outros, aperfeiçoando- nos com o mais entranhado dos instintos, o de sociabilidade. Se para um pássaro constitui motivo de gáudio o encontrar-se com outro da mesma espécie, para nós, esse fenômeno é mais intenso. Ora, se grande é o júbilo de duas crianças afins ao se encontrarem pela primeira vez no colégio, qual não terá sido a reação dos dois maiores homens de todos os tempos, ao se contemplarem face a face?
            Assim se realizou um dos mais belos encontros da História, João Batista diante de Jesus; para melhor compreendê- lo, analisemos as analogias entre um e outro.

Traços de semelhança entre Jesus e João

 
 
 

            Apesar de serem duas pessoas infinitamente distantes entre si pela natureza – João é mero homem, Jesus é a Segunda Pessoa da Trindade Santíssima – numerosos traços de semelhança os unem.

            Jesus é o alfa e o ômega da História. João é o começo do Evangelho e o fim da antiga Lei (1). Assim o afirma o próprio Nosso Senhor: “Com efeito, todos os profetas e a Lei profetizaram até João” (Mt 11, 13-14).

            Segundo Tertuliano, João Batista é uma “figura única na História, adornada em vida de um prestígio sobre-humano, que se levanta misteriosa e solene nos confins de ambos os Testamentos” (2). Dele afirma Jesus: “Na verdade vos digo que entre os nascidos de mulher, não veio ao mundo outro maior que João Batista” (Mt 11, 11).
Além do mais, a concepção de ambos, de Jesus e de João, é precedida pelo anúncio do mesmo embaixador São Gabriel Arcanjo (Lc 1, 11-19 e 26- 34). As mensagens não diferem muito, em seus termos, uma da outra. Os nomes de Jesus e de João foram designados por Deus (Lc 1,13 e 31).

            No próprio ato de anunciar o nascimento, o Mensageiro celeste profetiza também o futuro tanto do Precursor (Lc 1,13-17) quanto do Messias (Lc 1,31-33).

O perfil do Precursor

            Sobre Jesus, se fôssemos analisar as grandezas de suas qualidades e de suas obras, “nem todo o mundo poderia conter os livros que seria preciso escrever” (Jo 21, 25).
            No Batista, tudo é sui generis, a começar pela profecia de sua vinda, proferida por Isaías e Malaquias: “Uma voz exclama: Abri no deserto um caminho para o Senhor, traçai na estepe uma pista para nosso Deus” (Is 40, 3); “Vou mandar meu mensageiro para preparar o meu caminho” (Mal 3, 1).

            Mais impressionante ainda é a sua santificação no seio materno operada pela Santíssima Virgem: “Porque, logo que a voz de tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino saltou de alegria no meu ventre” (Lc 1, 44).

            A grandeza de sua missão é profetizada pelo próprio pai: “E tu, menino, serás chamado o profeta do Altíssimo, porque irás à frente do Senhor, a preparar os seus caminhos; para dar ao seu povo o conhecimento da salvação” (Lc 1, 76-77).
A rudeza da forma de vida escolhida pelo Batista lhe confere uma aura de austeridade ímpar: “Ora o menino crescia e se fortificava no espírito. E habitou nos desertos até o dia da sua manifestação a Israel” (Lc 1, 80). “Andava João vestido de pêlo de camelo, (…) e alimentava-se de gafanhotos e mel silvestre” (Mc 1, 6).

            Ao iniciar suas pregações, foi acolhido pela opinião pública da época com enorme prestígio, pois, já ao seu nascimento, “o temor se apoderou de todos os seus vizinhos, e divulgaram-se todas essas maravilhas por todas as montanhas da Judéia. Todos os que as ouviram as ponderavam no seu coração dizendo: ‘Que virá a ser este menino?’ Porque a mão do Senhor estava com ele” (Lc 1, 65-66). Logo de início, João atraiu multidões: “E iam ter com ele toda a região da Judéia e todos os habitantes de Jerusalém” (Mc 1, 5), “porque todos tinham a João como verdadeiro profeta” (Mc 11, 32).
            Os soldados, os publicanos e as multidões lhe perguntavam “Mestre, que devemos fazer?” (Lc 3, 10-14). O próprio Herodes, querendo matá-lo “teve medo do povo, porque este o considerava como um profeta” (Mt 14, 5). Essa grande fama se estendeu até após sua morte:
“porque todos tinham João como um profeta” (Mt 21, 26).
As repercussões sobre sua figura, palavras e obras ecoaram entre os vales e os montes da Terra Prometida, a ponto de o povo chegar a pensar “que talvez João fosse o Cristo” (Lc 3, 15).

Pois bem, fixemos em nossa lembrança essa gloriosa projeção alcançada em vida por São João Batista e abramos um parênteses para considerar a principal de suas virtudes: a da restituição, a qual consiste essencialmente em atribuir a Deus os dons d’Ele recebidos.

II – INVEJA E AMBIÇÃO, VÍCIOS UNIVERSAIS

            A ambição é uma paixão tão universal quanto o é a vida humana. Quase se poderia dizer que ela se instala na alma antes mesmo do uso da razão, sendo facilmente discernível no modo de a criança agarrar seu brinquedo ou na ânsia de ser protegida. Ao tomar consciência de si e das coisas, os impulsos primeiros de seu ser convidá-la-ão a chamar a atenção sobre sua pessoa e, se ela cede, ter-se-á iniciado o processo da ambição. O desejo de ser conhecida e estimada é a primeira paixão que macula a inocência batismal. Quantos de nós não nos lançamos nos abismos da ambição, da inveja e da cobiça já nos primeiros anos de nossa infância? Essas provavelmente foram as raízes dos ressentimentos que tenhamos tido a propósito da glória dos outros. Sim, pelo fato de desejarmos a estima de todos, por nos crermos no direito à glória e ao louvor dos nossos circunstantes, constitui para nós uma ofensa o sucesso dos outros. Por isso São Tomás define a inveja como sendo “a tristeza do bem alheio enquanto se considera como mal próprio, porque diminui a própria glória ou excelência” (3).
Há paixões que se mantêm letárgicas até a adolescência, assim não o é a inveja; ela se manifesta já na infância e acompanha o homem até a hora de sua morte. Não será difícil aos pais observar os sinais desse vício, em seus pequenos. Irmãos ou irmãs, entre si, não poucas vezes terão problemas por se imaginarem eclipsados pelas qualidades ou privilégios de seus mais próximos. Quantas vezes não acontece de ser necessário separar-se irmãos, ou irmãs, na tentativa de corrigir essas rivalidades que podem chegar a extremos inimagináveis, tal qual se deu entre os primeiros filhos de Eva, Caim e Abel?

            A ambição e a inveja são mais universais do que parece à primeira vista; poucos se vêem livres de suas garras. Elas se levantam e tomam corpo em relação aos que nos são mais próximos, como afirma São Tomás: “A inveja é do bem alheio enquanto diminui o nosso. Portanto, somente se suscita a respeito daqueles que se quer igualar ou superar. Isto não sucede em pessoas que diferem muito de nós em tempo, espaço e lugar, senão nas que nos estão próximas” (4).

            Assim, ao sábio será mais difícil invejar o general, e vice- versa, ou, uma médica a uma costureira; mas dentro da mesma profissão, quanto mais relacionadas forem as pessoas entre si, mais intensa se manifestará essa paixão.

            Em conseqüência, poder-se-ia dizer que jamais se excitaria esse mau pendor nas almas dos contemporâneos de Jesus face a suas qualidades, pois a diferença entre Ele e qualquer pessoa deste mundo é simplesmente infinita. De fato, esse seria o normal relacionamento dos outros com o Redentor, se seu nascimento e vida fossem refulgentes de poder e de glória. Mas Ele veio ao mundo numa gruta em Belém, foi envolto em panos e depositado na manjedoura sobre palha, viveu em Nazaré exercendo a profissão de carpinteiro para auxiliar seu pai. Assim, só mesmo um forte olhar de fé poderia discernir nesse Menino uma Pessoa de Deus. E essas aparências contrárias à sua divindade chegaram a ser tão extremas que Jesus conferiu o título de bem-aventurado a quem não se envergonhasse de segui-lO (Mt 11, 6). Se Ele tivesse manifestado todo o fulgor da infinita distância existente entre a natureza divina de sua Pessoa e a nossa humana, não haveria quase mérito na restituição dos bens que d’Ele recebemos.
            É justamente em função das primeiras palavras pronunciadas por Maria em seu cântico de ação de graças, ouvidas com alegria por João Batista no seio materno, que toma brilho a mais alta virtude do Precursor: “A minha alma glorifica o Senhor; e o meu espírito exulta de alegria em Deus meu Salvador porque olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1, 46-48). Essa foi a formação recebida pelo menino-profeta ao longo dos meses durante os quais Maria viveu em casa de Isabel: humildade e servidão. Como teria sido de um valor inestimável se os pontífices e fariseus do Sinédrio houvessem sido educados na mesma escola de João! Certamente não se teriam reunido depois da ressurreição de Lázaro, para decretar a morte de Jesus (Jo 11, 47-53).

III – SÃO JOÃO BATISTA E A VIRTUDE DA RESTITUIÇÃO

            Aproximemo-nos de João nas margens do rio Jordão e analisemos seu prestígio de pregador. Profeta como igual nunca houve em Israel, fundador e chefe de uma escola, todo o povo o procura. Entretanto, seu renome está condenado a uma lenta morte, sua instituição deverá dissolver-se paulatinamente, sobre a glória de sua obra far-se-á um grande eclipse, pois um valor mais alto se aproxima. Esse era o momento do ressentimento, da ambição ferida e talvez até da inveja. Muito pelo contrário, a reação de João foi de heróica humildade e ilimitada servidão, como encontramos narrado no Evangelho de hoje.

29 No dia seguinte João viu Jesus, que vinha ter com ele …           

Assim como Maria foi à sua prima Santa Isabel, é Jesus quem se dirige a João, e agora pela segunda vez. O discípulo amado não nos relata o Batismo de Jesus como o faz Mateus (3, 13-17) e, segundo São João Crisóstomo, Jesus volta a encontrar-se com o Batista para desfazer o equívoco de que, na primeira vez, Ele tivesse ido procurá-lo tal qual o faziam todos, ou seja, para confessar seus pecados ou para obter a purificação dos mesmos pelas águas do Jordão.

  … e disse: “Eis o Cordeiro de Deus, eis O que tira o pecado mundo”.

            Assim como hoje nossa fé se robustece em méritos ao contemplar uma Hóstia consagrada e crer na Presença Real de Jesus Eucarístico, também naqueles dias era indispensável, para benefício de todos, o Redentor apresentar- Se sob osvéus de nossa natureza. Jesus, desde o nascimento até essa ocasião, era um homem comum e corrente em todas as suas aparências. Tornava- se necessário ir descerrando pouco a pouco esses véus, a fim de introduzir o povo na verdadeira perspectiva debaixo da qual fosse possível prestar- Lhe um culto de latria. Excelente meio escolheu o Salvador: suscitou um varão que havia comovido toda Israel por sua figura constituída de mistério, profetismo e santidade, saído de dentro de uma vida feita de ascese e penitência, o Precursor.
            Era chegado o momento de os judeus ouvirem, de lábios dignos da máxima credibilidade, a proclamação da grandeza do Messias ali presente. A preparação dos corações estava concluída, o caminho do Senhor já se encontrava endireitado, a voz ecoara pelo deserto, o Filho de Deus precisava ser conhecido e, para tal, era indispensável muita clareza na comunicação: “Eis o Cordeiro de Deus”.
            O conhecimento de Deus é bem diferente do nosso. Vivemos no tempo, e a cronologia é fundamental em nosso processo intelectivo. Para Deus tudo é presente e, ao criar, fez Ele depender uns seres de outros. No pináculo da criação, colocou Cristo como Causa, Modelo, Regente e Guia, e, tendo em vista o pecado e o Redentor, criou o cordeiro para simbolizar este grandioso aspecto de seu Unigênito Encarnado, o de vítima expiatória, numa clara referência ao “cordeiro pascal” (Ex 12, 3-6), ou quiçá, ao duplo sacrifício diário oferecido no Templo (Ex 29, 38), ou como comenta Orígenes: “Porque Ele, tomando sobre si nossas aflições e tirando os pecados de todo mundo, recebeu a morte como batismo” (5).

            O cordeiro é um animal pacífico e pacificador. Solto no pasto ou posto na baia, ele tranqüiliza os corcéis fogosos, evitando-lhes ferimentos inúteis.
            A afirmação de João é feita no presente do indicativo -“Aquele que tira” – para indicar a perpetuidade do ato redentor.


30 Este é Aquele de quem eu disse: Depois de mim vem um homem que é superior a mim, porque era antes de mim, …


            É patente tratar-se aqui de um Homem de corpo e alma. Embora tenha nascido depois do Batista, este último confessa publicamente não só que Jesus lhe é superior, mas também que já existia antes dele. E é real, pois, enquanto Verbo de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, Ele é eterno. Assim, neste versículo, o Precursor proclama a Humanidade unida à Divindade, numa só Pessoa. É a revelação do mistério da Encarnação.


31 … e eu não O conhecia, mas vim batizar em água, para Ele ser reconhecido em Israel.

            João quis evitar o equívoco da parte do povo, o qual poderia julgar serem suas afirmações sobre Jesus feitas com base no parentesco existente entre ambos. E realmente, o Batista se retirara ao deserto ainda menino e não estivera com Ele antes. Portanto, suas declarações eram fruto de um discernimento essencialmente profético, como também é profética sua missão, pois torna claro o objetivo de seu batismo: o reconhecimento do Messias, da parte do povo.


32 João deu este testemunho: “Vi o Espírito descer do Céu em forma de pomba e repousou sobre ele”.


            O mistério da Santíssima Trindade não havia sido revelado até então; entretanto, de dentro da Teologia como é hoje conhecida, torna-se patente a presença das Três Pessoas nessa proclamação de João Batista.

            A pomba é inocente por sua natureza e, ao contrário das aves de rapina, não se alimenta de carnes mortas, mas sim de sementes da terra. Gemem quando estão enamoradas. Eis um belo símbolo do Espírito Santo, a Inocência que nos instrui, ilumina e santifica com gemidos inefáveis dentro de nós.


33 Eu não O conhecia, mas O que me mandou batizar em água, disseme: Aquele sobre quem vires descer e repousar o Espírito, esse é O que batiza no Espírito Santo.

            Reafirma São João Batista não ter antes conhecido Jesus. Compreende-se sua insistência a esse respeito, pois os laços familiares eram vigorosos naqueles tempos e havia o risco de interpretarem as palavras do Precursor sob um prisma meramente humano.
            Era indispensável fixar a atenção de todos na origem divina de suas proclamações, daí a referência Àquele que o havia mandado batizar.


34 Eu O vi, e dei testemunho de que Ele é o Filho de Deus.


            Sim, Jesus é o Unigênito do Pai. Enquanto os outros todos – inclusive a Santíssima Virgem – somos filhos adotivos, Jesus é gerado e não criado, desde toda a eternidade. João já havia declarado ser o Messias o Cordeiro de Deus, que batizaria no Espírito Santo. Porém, esta é a primeira vez que declara tratar-se especificamente do Filho de Deus.


IV – CONCLUSÃO: CASTIGO DA AMBIÇÃO E DA INVEJA

            O castigo de Deus à ambição e à inveja se faz presente não só na eternidade, mas também nesta vida. Quem se deixa arrastar por esses vícios, perde a noção do verdadeiro repouso e passa a viver constantemente na preocupação, na inquietude e na ansiedade. Sempre estará atormentado pelo pavor de ficar à margem, de ser esquecido, igualado ou superado. Sua existência será um inferno antecipado e essas paixões se constituirão em seus próprios carrascos.

            Pelo contrário, quanta felicidade, paz e doçura têm as almas que são despretensiosas, reconhecedoras dos bens e das qualidades alheias, restituidoras a Deus dos dons por Ele concedidos.

            Entremos na escola de Maria, e d’Ela aprendamos a restituir a Deus nosso ser, nossa família e todos os nossos haveres. Ela nos ensinará a glorificar ao Senhor por ter contemplado o nosso nada e, como resultado, nosso espírito exultará de alegria (Lc 1, 47), a exemplo de seu primeiro discípulo, São João Batista.

1 ) Suma Teológica III, q. 38, a. 1 ad. 2.

2 ) Cf. Adversus Marcionem, IV, 33: PL 2, 471.
3 ) Suma Teológica II-II, q. 36, a. 1.

4 ) Suma Teológica II-II, q. 36, a.1, ad. 2.

5 ) Apud Catena Áurea, in Jo I, 29.

(Revista Arautos do Evangelho, Jan/2005, n. 37, p. 6 à 11)

 Ver também: http://presbiteros.blog.arautos.org/2010/01/07/pregacao-de-joao-e-batismo-de-jesus/

 

Desafios da Igreja no terceiro milênio da Era Cristã

bentoMons. João Clá Dias, EP

Um dos grandes desafios da Igreja no início deste terceiro milênio da Era Cristã é a recondução daqueles de seus filhos que deixaram de praticar os deveres religiosos e se desligaram da plena comunhão eclesial. É o que em linguagem corrente se denomina de “católicos à sua maneira”. No entanto, convém ressaltar que para atrair esse tipo de católicos seria mais eficaz apresentar a religião sob uma perspectiva inovadora, uma vez que os métodos e práticas convencionais, para eles, de certa forma se desgastaram, deixando de ter significado. O Pontifício Conselho para a Cultura, no já mencionado Documento Final (2006), oferece uma proposta para atrair os descrentes e os indiferentes, que podemos também aplicar frutuosamente aos católicos não praticantes: 

Devant les défis historiques, sociaux, culturels et religieux relevés dans les deux précédentes Assemblées plénières, quels aspects de la pastorale l’Église est-elle appelée à privilégier dans son dialogue apostolique avec les hommes et les femmes de notre temps, notamment les non-croyants et les indifférents? (…)Dans cette perspective, la Via pulchritudinis se présente comme un itinéraire privilégié pour rejoindre beaucoup de celles et ceux qui éprouvent de grandes difficultés à recevoir l’enseignement, en particulier moral, de l’Église.

Essa impostação de alma — de amor aos aspectos mais sublimes da ordem do Universo —, não se trata tão só de uma operação da razão natural, pela qual se busca entender o simbolismo das criaturas e discernir nelas um espelho das qualidades de Deus.

Com efeito, para adquirir uma penetrante e vasta visão da beleza do criado e sua relação com o Criador, não se pode deixar de considerar a ação do Espírito Santo nas almas, conduzindo-as pelas mais diversas vias. O exemplo da conversão do conhecido escritor francês Paul Claudel (1878-1955) ilustra bem o que se pretende afirmar. Foi durante o canto do Magnificat, na celebração de Vésperas na Catedral de Notre-Dame de Paris, que ele se converteu, deslumbrado com o esplendor e a beleza da liturgia.

A descrição desse momento, por suas próprias palavras, é mais eloqüente que qualquer explicação teórica:

C’est alors que se produisit l’événement qui domine toute ma vie. En un instant, mon cœur fut touché et je crus. Je crus, d’une telle force d’adhésion, d’un tel soulèvement de tout mon être, d’une conviction si puissante, d’une telle certitude ne laissant place à aucune espèce de doute que, depuis, tous les livres, tous les raisonnements, tous les hasards d’une vie agitée, n’ont pu ébranler ma foi, ni, à vrai dire, la toucher.[1]

Essa iluminação súbita do entendimento e afervoramento do coração, tal como se um “flash” se acendesse na alma, é uma das formas características de atuação do Espírito Santo. Trata-se de uma experiência de Deus, sem que Ele se faça perceptível aos sentidos externos, como explica Tanquerey, “S. Bernard l’appelle la connaissance savoureuse des choses divines[2]

DIAS, João Scognamiglio Clá. Considerações sobre a gênese e o desenvolvimento do movimento dos Arautos do Evangelho e seu enquadramento jurídico, 2008. Tese de Mestrado em Direito Canônico — Pontifício Instituto de Direito Canônico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. p. 93-94.


[1][1] Cf. P. Claudel, Ma conversion, dans Contacts et circonstances, Gallimard, 1940, p. 11 sq ; repris dans Ecclesia, Lectures chrétiennes, Paris, No 1, avril 1949, p. 98-100.

[2][2] Cfr. TANQUEREY, A. Précis de Théologie Ascétique et Mystique, n.1348.

Messaggio natalizio ai fedeli presenti in Piazza San Pietro – Benedetto XVI

arvoreAlcuni estratti del Messaggio:

 

  “La liturgia della Messa dell’Aurora ci ha ricordato che ormai la notte è passata, il giorno è avanzato; la luce che promana dalla grotta di Betlemme risplende su di noi”.

 

  “La luce del primo Natale fu come un fuoco acceso nella notte.

Tutt’intorno era buio, mentre nella grotta risplendeva la luce vera ‘che illumina ogni uomo'”.

 

  “Anche oggi, mediante coloro che vanno incontro al Bambino, Dio accende ancora fuochi nella notte del mondo per chiamare gli uomini a riconoscere in Gesù il ‘segno’ della sua presenza salvatrice e liberatrice e allargare il ‘noi’ dei credenti in Cristo all’intera umanità”.

 

  “Dovunque c’è un ‘noi’ che accoglie l’amore di Dio, là risplende la luce di Cristo, anche nelle situazioni più difficili. La Chiesa, come la Vergine Maria, offre al mondo Gesù, il Figlio, che Lei stessa ha ricevuto in dono, e che è venuto a liberare l’uomo dalla schiavitù del peccato”.

 

  “Anche oggi, per la famiglia umana profondamente segnata da una grave crisi economica, ma prima ancora morale, e dalle dolorose ferite di guerre e conflitti, con lo stile della condivisione e della fedeltà all’uomo, la Chiesa ripete con i pastori: ‘Andiamo fino a Betlemme’ (Lc 2,15), lì troveremo la nostra speranza”.

 

  “Il ‘noi’ della Chiesa vive là dove Gesù è nato, in Terra Santa, per invitare i suoi abitanti ad abbandonare ogni logica di violenza e di vendetta e ad impegnarsi con rinnovato vigore e generosità nel cammino verso una convivenza pacifica. Il ‘noi’ della Chiesa è presente negli altri Paesi del Medio Oriente. Come non pensare alla tribolata situazione in Iraq e a quel piccolo gregge di cristiani che vive nella Regione? Esso talvolta soffre violenze e ingiustizie ma è sempre proteso a dare il proprio contributo all’edificazione della convivenza civile contraria alla logica dello scontro e del rifiuto del vicino”.

 

  “Il ‘noi’ della Chiesa opera in Sri Lanka, nella Penisola coreana e nelle Filippine, come pure in altre terre asiatiche, quale lievito di riconciliazione e di pace”.

 

  “Nel Continente africano non cessa di alzare la voce verso Dio per implorare la fine di ogni sopruso nella Repubblica Democratica del Congo; invita i cittadini della Guinea e del Niger al rispetto dei diritti di ogni persona ed al dialogo; a quelli del Madagascar chiede di superare le divisioni interne e di accogliersi reciprocamente; a tutti ricorda che sono chiamati alla speranza, nonostante i drammi, le prove e le difficoltà che continuano ad affliggerli”.

 

  “In Europa e in America settentrionale, il ‘noi’ della Chiesa sprona a superare la mentalità egoista e tecnicista, a promuovere il bene comune ed a rispettare le persone più deboli, a cominciare da quelle non ancora nate. In Honduras aiuta a riprendere il cammino istituzionale; in tutta l’America Latina il ‘noi’ della Chiesa è fattore identitario, pienezza di verità e di carità che nessuna ideologia può sostituire, appello al rispetto dei diritti inalienabili di ogni persona ed al suo sviluppo integrale, annuncio di giustizia e di fraternità, fonte di unità”.

 

  “Fedele al mandato del suo Fondatore, la Chiesa è solidale con coloro che sono colpiti dalle calamità naturali e dalla povertà, anche nelle società opulente. Davanti all’esodo di quanti migrano dalla loro terra e sono spinti lontano dalla fame, dall’intolleranza o dal degrado ambientale, la Chiesa è una presenza che chiama all’accoglienza. In una parola, la Chiesa annuncia ovunque il Vangelo di Cristo nonostante le persecuzioni, le discriminazioni, gli attacchi e l’indifferenza, talvolta ostile, che – anzi – le consentono di condividere la sorte del suo Maestro e Signore”.

 

VATICAN INFORMATION SERVICE, ANNO XIX – N° 226. ITALIANO, LUNEDÌ, 28 DICEMBRE 2009.

 

A Liturgia de Natal tem de ser anúncio de Jesus Cristo

D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboad-jose-policarpo
In: Agência Ecclesia
http://www.agencia.ecclesia.pt/

A Igreja tem, como missão prioritária, anunciar a salvação definitivamente realizada em Jesus Cristo. Fá-lo de muitos modos, mas o mais eficaz é o testemunho da vida, a fé traduzida em experiência de salvação. É a densidade do testemunho que dá autenticidade à palavra. As expressões da fé vivida que mais tocam os corações são a sua celebração pela comunidade crente e o amor fraterno. É por isso que a Liturgia é, na sua verdade mais profunda, anúncio da salvação e meio para a missão evangelizadora da Igreja.

Na Liturgia, de modo particular na celebração da Eucaristia, a comunidade cristã escuta a Palavra do Senhor com o coração aberto e comovido, acolhe o dom de Jesus Cristo que se entrega de novo à Sua Igreja, expressão do infinito amor de Deus por nós, une-se e identifica-se com Cristo a ponto de se entregar pela salvação de todo o género humano. Na Liturgia, a Igreja vive a salvação, identifica-se com Cristo, deseja renovar-se com a força do seu amor e participa já do júbilo da Pátria celeste. A celebração da Eucaristia é o momento da verdade da Igreja, que lhe dá autoridade para anunciar a salvação. A partir dela, os crentes são enviados, sempre de novo, para o meio do mundo, para anunciarem com a vida e com a palavra o dom da vida nova. A força anunciadora dessa vida e dessa palavra, é a da Eucaristia que celebraram. Toda a evangelização parte da Eucaristia e converge para a Eucaristia.

Estamos a celebrar o Natal. A Liturgia desta noite tem de ser anúncio de Jesus Cristo, a expressão do amor de Deus por nós que Ele encarnou, isto é, humanizou, exprimiu na nossa realidade humana. O Natal é uma festa cristã enriquecida culturalmente de forma muito bela, exprimindo valores e anseios fundamentais da família humana: a harmonia, a paz, o calor da convivência, a partilha de dons, a descoberta da dimensão festiva da vida. Mas só a densidade da celebração litúrgica tem a força transformadora de um anúncio, se nela acolhermos de novo o Filho de Deus feito homem como manifestação do amor de Deus por nós, se nos abrirmos mais radicalmente ao dom da salvação.

[…]

 Esta celebração, pela densidade da sua fé, tem de ser anúncio, antes de mais para nós que aqui estamos reunidos com o Senhor e em seu nome. É a partir de nós, através do nosso testemunho, que será inevitável e espontâneo, à nossa sociedade, aos nossos irmãos e irmãs que celebram o Natal sem lhes captar a mensagem, a densidade da alegria. Que aqueles três anúncios da Palavra de Deus inspirem o nosso coração para acolher, de novo, o anúncio da salvação e orientem o nosso testemunho às pessoas que nos rodeiam. Sintetizemos o conteúdo dessa mensagem:

 * Antes de mais, Jesus, o Menino que nasceu em Belém, é o Filho de Deus. Ele é chamado Filho do Deus Altíssimo, tem todo o poder sobre os seus ombros, que se manifestará plenamente depois da ressurreição. Ele tem a realeza do Messias esperado: os cristãos aprenderam a chamar-lhe Senhor. Contemplar o presépio sem acreditar na divindade daquele Menino é não permitir que o nosso olhar penetre na profundidade do mistério.

 * Ele é o Salvador, porque é Deus, tem o poder de recriar. Só Deus nos pode salvar. Porque é homem, sabe como este último desafio de Deus se pode concretizar na nossa realidade humana. Ele sabe que o segredo do homem é o seu coração, e que se aceitar de Deus um coração novo, toda a sua vida mudará, porque será transformada pelo amor. Maria, a Mãe, a mulher de coração imaculado, diz-nos como isso é possível e onde nos levará.

 * Apontam-se, depois, os primeiros frutos da salvação nos corações renovados: a alegria, a paz, a justiça. O mundo actual perdeu o sentido da verdadeira alegria, e vai-se afastando dela. Procura-a por caminhos frenéticos de excitação, na busca de prazeres, de interesses, de fruição dos bens materiais, tudo isto em ritmos alucinantes, que provocam a solidão e, quase sempre, a tristeza. A alegria é experiência simples e profunda, brota dos corações puros e generosos.

A encarnação do Verbo de Deus ensina-nos que só o amor generoso, a experiência da generosidade, do dom e da partilha, a contemplação da beleza dos outros homens, meus irmãos, são caminhos da verdadeira paz. Só o Natal nos faz perceber que a justiça é a concretização da verdade profunda do homem, chamado a viver em comunhão com os outros homens e que só homens justos podem ser obreiros da justiça.

 4. Acolhamos a mensagem desta celebração, empenhando-nos nela e faremos, talvez, a experiência de uma alegria, que sendo humana, não se reduz a nenhuma realidade deste mundo. Talvez percebamos de novo o que queremos dizer uns aos outros quando nos saudamos, desejando “Bom Natal”, “Santo Natal”.

Veja o sermão na integra: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?tpl=&id=76916

Com o seu nascimento, Deus pede acolhida em nossos corações, diz Bento XVI na audiência geral

papaCidade do Vaticano (Quarta, 23-12-2009, Gaudium Press)

“Naquele menino, Deus se tornou tão próximo de cada um de nós, tão próximo, de forma que podemos manter com Ele uma relação confidente de profundo afeto, assim como fazemos com um recém-nascido”. Na última audiência geral antes do Natal, em seu último encontro com os fiéis católicos no Vaticano, o Santo Padre dedicou a catequese de sua preleção ao significado da santa festa do Natal de Jesus Cristo. Amanhã, às 10 horas da noite, o Santo Padre presidirá a cerimônia da Missa do Galo na Basílica Vaticana.

Bento XVI disse hoje pela manhã, na Sala Paulo VI do Palácio Apostólico, que, com a novena a qual “estamos celebrando nestes dias, a Igreja nos convida a vivermos de forma intensa e profunda a preparação para o Nascimento do Salvador”. A data que se aproxima leva o desejo de que a “festa de Natal nos doe, em meio à atividade frenética dos nossos dias, serena e profunda alegria, para fazer-nos tocar com a mão a bondade do nosso Deus e infundir-nos de nova coragem”, observou.

O pontífice, recordando a história da Festa de Natal às cerca de duas mil pessoas, lembrou que o primeiro a afirmar com clareza que Jesus nasceu no dia 25 de dezembro foi Hipólito de Roma, em sua passagem no livro do profeta Daniel, escrito por volta do ano 204. No 4º século, o Natal assumiu uma forma definida e tomou o lugar da festa romana do “Sol Invictus”, o sol invencível, explicou Bento XVI.

Ainda segundo o Papa, graças a São Francisco de Assis, desde o tempo medieval, na Europa, o Natal passou a ter uma atmosfera espiritual especial, “inspirado, São Francisco, provavelmente por sua peregrinação à Terra Santa e pelo presépio de Santa Maria Maior em Roma”. Assim, instituiu a mais bela tradição natalina do presépio, com o qual “o povo cristão pôde perceber que no Natal Deus verdadeiramente se tornou ‘Emmaneule’, o Deus-entre-nós”.

A mensagem do presépio, prossegue Bento XVI, é a de que “Deus vem sem armas, sem a força, porque não pretende conquistar, por assim dizer, por fora, mas pretende, por outro lado, ser acolhido pela humanidade na liberdade, para vencer a soberba, a violência, a avidez de posse do homem”. O Papa destaca que o maios título na teologia católica de Jesus Cristo é de ‘Filho’, ‘Filho de Deus’ e diz que Deus deve ser acolhido com “coração de menino”, na simplicidade ” que reconhece no Menino o Senhor”.

O menino que reverteu a História e a visita dos pastores

adoracao            Mons. João Clá Dias, EP

            Entremos numa certa gruta e ali veremos um Menino adorado por sua Mãe Santíssima e São José, reunidos em família, oferecendo mais glória a Deus do que toda a humanidade idólatra, e até mesmo mais do que os próprios anjos do Céu em sua totalidade. Já em seu nascimento, numa singela manjedoura, aquele Divino Infante reparava os delírios de glória egoísta sofregamente procurada pelos pecadores. Ele se encarnava para fazer a vontade do Pai e, assim, dar-nos o perfeitíssimo exemplo de vida.

            Nenhum pensamento, desejo, palavra ou ação surgida de sua alma divinamente santa terá outro fim que não seja o de glorificar o Pai, a quem tudo consagrou desde o primeiro instante.

            Não tardarão muitos séculos, depois daquele natal, para os altares dos falsos deuses serem arrasados, os ídolos quebrados, os templos pagãos destruídos – ou convertidos em santuários – e os próprios demônios se calarem. Sim, aquele Menino nascido numa gruta reverterá o trabalho realizado por Satanás durante milênios, e a Roma pagã será a sede do Cristianismo; transformada na Cidade Eterna, dentro de suas muralhas, sobre uma pedra inabalável, se estabelecerá até o fim dos tempos uma infalível cátedra da moral e da verdade.

            Mas, por outro lado, onde encontrariam os anjos, homens dignos de serem convidados para adorar o Menino? Na própria Belém, o berço de Isaí (1 Sm 16, 1) e de seu filho Davi, o humilde e jovem pastor “louro e de formosos olhos” (1 Sm 16, 12). Nos campos daquelas regiões, escolheram os anjos os destinatários do grande anúncio, pessoas pertencentes à mesma condição social do Rei e Profeta: os pastores de ovelhas. Assim, dois cortesãos do mais nobre sangue – Maria e José -, junto com os pastores de condição humilde e a própria Corte Celeste constituiriam os adoradores do Menino- Deus recém-nascido. Do Templo, nenhum representante.

            Os escribas e fariseus desprezavam aquela classe de homens que, dia e noite, no verão ou no inverno, guardavam os rebanhos naquelas pastagens de Belém. Pelo seu teor de vida, os pastores não se enquadravam nas minuciosas práticas e abluções religiosas dos cerimoniais farisaicos.

            Os terrenos por eles ocupados não eram suficientemente irrigados e, por isso, não lhes assistia um escrupuloso asseio. Ademais, a instrução era por eles acolhida diretamente na própria natureza que não lhes ensinava o uso de vasilhas, a escolha dos alimentos puros etc. Formavam eles uma comunidade à margem da sociedade, que vivia do pasto e no pasto, portanto um povo da terra, totalmente desprezado pelos fariseus. Além disso, eram excluídos do normal procedimento dos tribunais, sendo considerados inválidos seus testemunhos em juízo. Paradoxalmente, os excluídos dos pleitos farisaicos são agora convidados, pelos anjos do Supremo Juiz, a penetrar na corte de um príncipe herdeiro do trono de Davi.

            Quando os anjos se retiraram deles para o Céu, os pastores diziam entre si: ‘Vamos até Belém e vejamos o que é que lá aconteceu e o que é que o Senhor nos manifestou’. A flexibilidade de alma daqueles pastores era plena, submissa e toda feita de prontidão. O anjo lhes dissera para não temerem (cf. Lc 2, 10) e não consta nesse relato de Lucas que tenham passado por algum espanto ao longo do contato com aqueles puros espíritos. Ora, sabemos pela História o quanto os judeus se amedrontavam com as aparições angélicas, julgando que a morte com certeza se lhes seguiria (cf. Jz 6, 22-23; Jz 13, 20-22; Tb 12, 16-17). Mas esses pastores, apesar de homens de pouquíssimo conhecimento, intuíram rapidamente que, por fim, nascera o Messias.

            Sem conhecer as amplas e profundas explicações doutrinárias dos fariseus, eles como todo e qualquer judeu, sabiam da promessa feita por Deus e anunciada pelos profetas aos antigos sobre o futuro aparecimento de um Salvador. Não seria quiçá esse o tema de suas conversas durante as noites de pastoreio? Restou-nos apenas uma síntese das palavras do anjo a eles. Entretanto não será exagerado crer que ele lhes tenha esclarecido qual deveria ser o lugar e o caminho de acesso à gruta, tanto mais que lhes indicou os sinais distintivos: “Encontrareis um Menino envolto em panos e posto no Presépio” (Lc 2, 12).

            As grutas da região lhes deviam ser muito familiares, pois eram os locais de refúgio onde buscavam proteção contra as intempéries. Tampouco se pode descartar a hipótese de ter havido antecedentes de partos ocorridos em circunstâncias análogas às do Natal. O certo é que em nenhum momento lhes passa pela alma a menor dúvida e, por isso, comentam entre si, em meio a muita alegria, o fato narrado pelo anjo, e convictamente concluem e decidem empreender a caminhada rumo ao “que o Senhor nos manifestou” (v. 15).

            “Foram a toda pressa, e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura”.

            O amor não admite lentidão. A pressa dos pastores comprova o grande fervor com que receberam a boa nova. Como não conheciam o emaranhado conceitual dos fariseus, não se levantou em suas almas a menor objeção sobre a realidade do Messias que se lhes manifestava diante de todos e de cada um. Trinta e poucos anos mais tarde, a cega doutrina dos escribas e fariseus se uniria aos conceitos dos saduceus e herodianos – sem excluir os do próprio Sinédrio – para se opor ao senso comum e sobrenatural dos humildes de espírito e assim, com entranhado ódio, empregar todos os recursos com vistas à condenação do “Salvador, que é Cristo e Senhor, [nascido] na cidade de Davi” (v. 11).

            Ali na gruta, naquele momento, estavam presentes o Pai Eterno e o Divino Espírito Santo, que viam naquele tenro, delicado e ao mesmo tempo grandioso Menino, a realização de um plano idealizado desde todo o sempre: “Tu és meu filho muito amado, em quem coloco todas as minhas complacências” (cf. Lc 4, 22 e Mc 1, 11). Como também Maria Santíssima, que através de seus altíssimos dons, de maneira inigualável penetrava os mistérios daquele Nascimento. José a acompanhava muito de perto. Abismados ambos pela incomensurável humildade de Deus em fazer- se homem –  à diferença da soberba dos demônios -, concentravam-se para adorar o Divino Infante.

            Lá chegam agora também os pastores, em simplicidade e pobreza, atraídos e amados por Deus devido a seu espírito de obediência, e por serem contemplativos. Não era a pobreza material que os tornava diletos de Deus, pois pobres os havia em situação ainda mais deficiente e em maior número. Ademais, não podemos nos esquecer de que essa não era a condição social dos Reis Magos, que paralelamente estavam se pondo a caminho para adorar o Divino Infante. Por outro lado, seria outro erro querer atribuir ao portentoso milagre da aparição dos anjos, durante a noite, o fator decisivo para a crença daqueles homens toscos e talvez iletrados.

            Quão maiores e incontáveis seriam os milagres operados por aquele Menino em sua vida pública! Entretanto, muitos judeus não creram. O fator decisivo foi um especial dom de fé que lhes foi concedido. A Teologia nos ensina que há uma fé que se poderia denominar puramente intelectual: a pessoa crê em Deus, mas chega a odiá-Lo e temê- Lo como fazem os demônios e os precitos. Há, ainda, os que crêem, mas não traduzem em obras sua fé.

            Os fatos, como nos são narrados por Lucas, fazem-nos concluir que os pastores possuíam uma fé flexível e obediente, colocando em prática tudo aquilo em que acreditaram. Sem perda de tempo, submeteram todo o seu entendimento e vontade ao que lhes anunciou o sobrenatural. É naquela noite que, diante do Presépio, encontramos os primeiros cristãos adorando a Cristo, o Absoluto abnegado, despido das manifestações da glória que Lhe é devida. Os pastores, ao serem capazes de adorá-Lo na manjedoura, não teriam dificuldade de fazê-lo no Calvário, tal como Maria o fez de modo tão sublime.

            Nós também, nos dias atuais, temos o nosso presépio. O mesmo Unigênito Filho de Deus, reclinado sobre as palhas no interior da gruta em Belém, está presente debaixo das Espécies Eucarísticas. Será que igualmente nos movemos “apressadamente” em busca do Salvador, como o fizeram os pastores?

Que sabedoria nasce em Belém?

bento-xviCidade do Vaticano (Sexta, 18-12-2009, Gaudium Press) Nesta quinta-feira à tarde, no primeiro dia da novena de Natal com os universitários romanos, o Papa Bento XVI presidiu, na Basílica de São Pedro, o encontro com a recitação solene das Vésperas, em preparação para o Natal. Na ocasião, o Pontífice fez a seguinte pergunta aos estudantes: Que sabedoria nasce em Belém? Resposta dada pelo próprio Papa: a Sabedoria de Deus. De acordo com o Santo Padre, o desígnio divino ficou escondido por muito tempo e foi revelado por Deus na história da salvação. No decorrer da história, essa sabedoria assumiu a face humana de Jesus.

Sobre isso, o Santo Padre afirmou que é um paradoxo. “O paradoxo cristão consiste justamente em identificar a sabedoria divina com o homem Jesus de Nazaré e a sua história”. A solução deste paradoxo, segundo o pontífice, estaria na palavra Amor, com A maiúscula. “A profunda aspiração do homem à vida eterna tocou o coração de Deus, Logos, que não se envergonhou de assumir a condição humana”.

Bento XVI disse também que um professor cristão ou um jovem estudante cristão tem dentro de si este amor apaixonado pela Sapiência Divina, que faz com que ele encontre em tudo que lê sinais divinos. “Capta as suas marcas nas partículas elementares e nos versos dos poetas; nos códigos jurídicos e nos acontecimentos da história; nas obras artísticas e nas expressões matemáticas”, disse o Papa.

A importância dos estudos foi destacada pelo Papa, mas estudos tendo em vista sempre a humildade. “Trata-se de estudar, aprofundar os conhecimentos, mantendo um espírito de ‘pequenos’, um espírito humilde, como o de Maria, ‘sede da Sabedoria'”.

Para ilustrar este ponto, Bento XVI perguntou mais uma vez aos estudantes: “Quem é que se encontrava na noite de Natal na Gruta de Belém a acolher e a adorar a Sapiência, quando nasceu?”. O Santo Padre mesmo respondeu, novamente: “Não eram os doutores das leis, os sapientes. Ali, estavam Maria, José, e os pastores, somente os ‘pequenos’ do Evangelho”. Para Bento XVI, não podemos ter medo de nos aproximarmos da Gruta de Belém, como se tal ação fosse nos fazer perder o espírito crítico, a nossa modernidade.

O pontífice afirmou que as pessoas descobrirão a verdade sobre Deus e o homem na Gruta de Belém e que a primeira forma de “caridade intelectual” é ajudar os outros a descobrirem o verdadeiro rosto de Deus.

O verdadeiro sentido do Natal – O que comemoramos nesta data?

Diác. Carlos Adriano, EPpresepio

Nas vésperas desta magna festa da Igreja – o Natal – que se aproxima cada vez mais, teceremos uma breve consideração teológica a respeito da comemoração da Natividade de Jesus.

            Ao celebrarmos uma data, temos em vista homenagearmos alguém, ou trazermos à memória um acontecimento concreto. Infelizmente, a festividade solene do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo vem sendo celebrada por muitos, sem que se tenha presente o seu verdadeiro sentido. Com frequência, o aniversariante desta solenidade instituída pela Igreja, não é ao menos recordado nas diversas festas que se dão entre os dias 24 e 25 de dezembro, em todas as partes do mundo. Pelo contrário, em muitos lugares ele é completamente esquecido, por vezes desprezado, e até mesmo ofendido. E é por isso que convém aos cristãos terem profundo conhecimento a propósito das diversas datas que a liturgia da Igreja exalta, entre elas, a que celebra o nascimento do Verbo Encarnado.

 

            Jesus, nome dado pelo anjo Gabriel ao anunciar a Maria Santíssima que ela conceberia o Filho de Deus, exprime ao mesmo tempo a identidade e a missão daquele que viria. Em hebraico quer dizer “Deus salva”. Jesus vem à terra para salvar os homens do pecado.[1]

            Por que Jesus é também chamado Cristo? O Catecismo da Igreja nos responde: “Cristo” em grego, “Messias” em hebraico, significa “ungido”. Jesus é o Cristo porque é consagrado por Deus, ungido pelo Espírito Santo para a missão redentora. Ele é o Messias esperado por Israel, enviado ao mundo pelo Pai. Jesus aceitou o título de Messias, precisando, porém, o seu sentido: “descido do céu” (Jo 3, 13), crucificado e depois ressuscitado, Ele é o Servo Sofredor “que dá a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20, 28). Do nome Cristo é que veio para nós o nome de cristãos.

            Jesus Cristo, a quem comemoramos o nascimento no Natal, é o Filho de Deus que se Encarnou no seio da Virgem Maria, por obra do Espírito Santo. Ele é inseparavelmente verdadeiro Deus e verdadeiro Homem na unidade da sua Pessoa divina. Ele fez-se verdadeiramente nosso irmão, sem com isso deixar de ser Deus, Nosso Senhor.[2]

 

            Os homens foram criados para terem, como fim último, a eterna bem-aventurança, o convívio com Deus face a face para todo o sempre. O próprio Deus, ao criar o homem, inscreve em seu coração o desejo de vê-lO.[3]

            Contudo, o homem, deixou que se apagasse em seu coração a confiança em relação a seu Criador e desobedeceu-O. Nesta desobediência a Deus, denominada pecado, o homem coloca o seu coração nas coisas temporais em detrimento de Deus, perde a graça e a santidade, e, portanto, a herança que lhe é reservada, impedindo assim o convívio com Deus, para os qual todos são chamados.

            O Natal é a comemoração da vinda d’Aquele que redime e salva os homens do pecado, convocando-os para sua Igreja e tornando-os filhos adotivos de Deus. E tal como um filho recebe uma herança de seu pai, também os homens são pela Encarnação elevados à dignidade de filhos de Deus e de herdeiros do Céu. 

            Uma vez conhecido o homenageado neste tempo litúrgico, e algumas consequências de sua vinda à terra, enchamo-nos de santo júbilo nesta comemoração. Sigamos os dizeres de Bento XVI, Papa felizmente reinante, ao conduzirmos nosso estado de espírito para a festa que se aproxima, com a alegria da qual Maria Santíssima nos deu exemplo.

 

A alegria pelo fato de que Deus se fez Menino. Esta alegria, invisivelmente presente em nós, encoraja-nos a caminhar com confiança. Modelo e ajuda deste íntimo júbilo é a Virgem Maria, por meio da qual nos foi oferecido o Menino Jesus. Que Ela, discípula fiel do seu Filho, nos conceda a graça de viver este tempo litúrgico vigilantes e diligentes na esperança.[4]

 


[1] Cf. CEC 430

[2] Cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 85 e 87.

[3] Cf. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 2.

[4]CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS DO PRIMEIRO DOMINGO DO ADVENTO, HOMILIA DO PAPA BENTO XVI, Basílica Vaticana, Sábado, 28 de Novembro de 2009.

O Natal não é uma mera recordação histórica

uma grande alegria_dIrmã Clara Isabel Morazzani Arráiz, EP

A festa de Natal encerra um significado litúrgico extraordinário: embora o Santo Sacrifício seja oferecido todos os dias nos altares de tantas igrejas espalhadas pelo mundo, ele se reveste de uma unção e densidade simbólicas particulares na noite de 24 para 25 de dezembro.

Não se trata apenas da recordação de fatos históricos envoltos nas brumas do passado, mas de uma realidade mais profunda do que aquela que captamos através dos sentidos. A Liturgia do Natal traz um conjunto de graças vinculadas a esse mistério, as quais se derramam sobre nossos corações quando o celebramos com fervor sincero.

“O ano litúrgico – ensinava o Sumo Pontífice Pio XII – que a piedade da Igreja alimenta e acompanha, não é uma fria e inerte representação de fatos que pertencem ao passado, ou uma simples e nua evocação da realidade de outros tempos. É, antes, o próprio Cristo, que vive sempre na sua Igreja e que prossegue o caminho de imensa misericórdia por Ele iniciado, piedosamente, nesta vida mortal, quando passou fazendo o bem, com o fim de colocar as almas humanas em contato com os Seus mistérios e fazê-las viver por eles, mistérios que estão perenemente presentes e operantes, não de modo incerto e nebuloso, de que falam alguns escritores recentes, mas porque, como nos ensina a doutrina católica e segundo a sentença dos doutores da Igreja, são exemplos ilustres de perfeição cristã e fonte de graça divina pelos méritos e intercessão do Redentor”.1

Hoje não vemos, como os pastores, o Divino Menino deitado sobre as palhas, mas contemplamo-Lo, com os olhos da Fé, na Hóstia imaculada que o sacerdote apresenta para a adoração dos fiéis; não ouvimos as vozes dos anjos fazendo ecoar o “Glória!” pelas vastidões dos céus, mas chega até nós o apelo da Igreja, convidando seus filhos: “Venite gentes et adorate!”.

Se grande foi a Fé daqueles homens simples ao acreditarem que, naquele pequenino vindo à terra em tal despojamento, e aquecido tão-só pelo bafo dos animais, ocultava-Se o próprio Deus, a nossa Fé poderá alcançar grau mais elevado se considerarmos esse mesmo Deus escondido na Eucaristia. E poderemos, nós também, ser contados entre os homens que o Senhor chamou de bem-aventurados: “Felizes aqueles que crêem sem ter visto!” (Jo 20, 29).

Jesus, a Beleza suprema, vela-Se em vão aos olhos de quem tem Fé: apesar da infância à qual O reduziu seu amor, seu poder se manifesta nesse dia, e só Ele – quer sob a figura de frágil criança, quer sob as espécies eucarísticas – derrota os infernos e resgata a humanidade da vil escravidão do pecado.

Quantas graças de alegria e consolação concedidas por ocasião do Natal! A cada ano, em todas as épocas da Era Cristã, esta festa máxima abre uma “clareira” alegre e luminosa no curso normal, por vezes tão cheio de sofrimentos e angústias, da vida de todos os dias. Dominados pelas preocupações concretas ou pela ilusão deste mundo passageiro, os homens esquecem-se facilmente da eternidade que os espera e olham para esta terra como para seu fim último.

Todos se afanam em busca da felicidade; entretanto, só uma é a verdadeira, e o Divino Menino vem para apontar o único caminho que a ela conduz: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6). E nessa noite silenciosa, todos param diante da gruta de Belém, gozando, ainda que por alguns instantes, dessa alegria envolvente, trazida pelo Redentor. “Ali, os maus cessam seus furores, ali, repousam os exaustos de forças, ali, os prisioneiros estão tranqüilos, já não mais ouvem a voz do exator. Ali, juntos, os pequenos e os grandes se encontram, o escravo ali está livre do jugo do seu senhor” (Jó 3, 17-19).

1 Pio XII, Mediator Dei, n. 150.

(Revista Arautos do Evangelho, Dez/2008, n. 84, p. 20 a 23)

Validez y licitud en materia sacramentaria

       baptismo     Pe. Jorge Maria Storni, EP

 

            A la autoridad eclesiástica competente le corresponde establecer los requisitos para la validez y licitud, normas éstas que deben ser obedecidas por todos los fieles y en toda la Iglesia universal. En concreto la legislación del Código de Derecho Canónico rige exclusivamente para la Iglesia latina.

            Antes de entrar en la materia propia de cada uno de los Sacramentos, el Código legisla  principios generales.

            Una primera ley invalidante es la que dispone que nadie puede ser admitido a los demás sacramentos, sin haber recibido el bautismo.[1] Los sacramentos del bautismo, de la confirmación y de la santísima Eucaristía están tan íntimamente ligados entre sí, y todos son necesarios para la plena iniciación cristiana.[2] Para recibir lícitamente los sacramentos del orden sagrado es necesario haber recibido previamente el sacramento de la confirmación[3]. Para el matrimonio es requerido este sacramento, se no resultar con eso grave incomodo.[4]

            Así podríamos sintetizar en general, las condiciones de validez, siguiendo a Santo Tomás, prototipo entre los teólogos de la escolástica:

 

1.         Todo sacramento es eficaz a partir de la institución divina;

2.         Si en la administración de un sacramento no se observa todo cuanto fue             determinado por Jesucristo en la institución del mismo, la acción realizada carece de eficacia y, por lo tanto, no confiere la gracia;

3.         Tal sólo por especial y extraordinario privilegio divino concedido por Jesucristo, que no ligó su poder infinito a sus criaturas, los sacramentos, puede la Iglesia alterar el signo sacramental;

4.         En la administración de un sacramento no es lícito emplear una forma distinta a la determinada por Jesucristo, aunque sus términos sinónimos expresen el mismo sentido conceptual de aquella.[5]

 

            El citado autor señala que en la concepción de Santo Tomás, Nuestro Señor Jesucristo al  instituir los sacramentos determinó de manera explícita la materia y la forma de cada uno de ellos, y que a partir de la institución divina, el efecto causal de la gracia queda vinculado a la estructura material del signo sacramental determinado en concreto en el momento de la institución. Siguiendo el principio aristotélico según el cual la forma da el ser a la cosa, resulta lógico concluir que ha de ser Jesucristo quien determine la forma de cada sacramento, y todavía más lógico negar que nadie, salva la explícita y manifiesta voluntad divina pueda alterarla.

            Según el mismo autor, Lutero se equivocó al darle a estos principios de la escolática consecuencia de una radicalidad que no encuentran fundamento en la Sagrada Escritura. Cuando en ésta no encuentra la especificación del rito, Lutero niega que se trate de un auténtico sacramento. A otras consecuencias muy distintas hubiese llegado de haber tenido presente el comportamiento pastoral seguido por los Santos Padres.[6]    

STORNI, Jorge. La misión de santificar de la Iglesia Católica y el sacramento de la reconciliación.  Mestrado em Direito Canônico — Pontifício Instituto de Direito Canônico do Rio de Janeiro, 2009. p. 7-9.
 




[1] Can. 842§1

[2] Cf. Can. 842§2

[3] Cf. Can. 1033

[4] Cf. Can. 1065§1

[5] Cf. Arnau Ramón, Tratado General de los Sacramentos, BAC, Madrid, 2003. Pág. 137

[6] Cf. Op. cit. Pág. 138